Herança de Sangue
Mansão dos Amaral
os jardins impecáveis da Mansão dos Amaral, onde palmeiras balançam suavemente com o vento da manhã. A fachada neoclássica da casa brilha sob o sol, imponente, silenciosa, como se escondesse algo.
Na janela do segundo andar, envolta por cortinas de linho branco, surge Helena Amaral, uma mulher de meia-idade, elegante, com cabelos castanhos ondulados e olhos profundos marcados pelo tempo — e por histórias não contadas. Usa um robe de seda azul-marinho, e segura uma taça de vinho branco, apesar de ainda ser manhã.
Seus olhos não piscam.
Ela observa, com uma mistura de orgulho, melancolia e inquietação, o jovem que nada na piscina lá embaixo — Lucas, seu filho , Ele tem cerca de 22 anos, porte atlético, cabelos molhados escorrendo pelo rosto. Nada com vigor, em silêncio, como se o movimento fosse um refúgio. Usa apenas uma sunga preta, o corpo dourado pelo sol, perfeito como uma estátua viva.
Helena sussurra para si mesma: — "Ele nunca vai saber... nunca pode saber..."
o rosto dela, endurecido por um segredo, e o corpo livre e despreocupado de Lucas. O contraste entre os dois mundos é intenso.
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Local: Escritório da Mansão Amaral
_ Lucas sai da piscina, agora devidamente vestido, vai em direção ao escritório conversar com a sua mãe, que está-lhe aguardando.
(Lucas entra no escritório. Helena assina documentos, cercada por plantas de projeto e mapas. Ele observa o ambiente em silêncio por alguns segundos.)
LUCAS:
Todo esse projeto do Ribeirão…
Você já esteve lá pessoalmente?
HELENA (sem levantar os olhos):
Não preciso. Temos relatórios. Tudo regularizado.
É uma área com potencial para expansão e retorno rápido.
LUCAS (se aproxima devagar):
Mas é uma comunidade, mãe. Tem casas, tem gente.
Não é só uma “área”.
HELENA (ergue o olhar, firme):
São ocupações irregulares.
A maioria sem escritura.
Você sabe como funciona. É legal. E é rentável.
LUCAS:
Legal… não significa justo.
HELENA (fecha a caneta com firmeza):
Você está repetindo discurso de professor universitário?
LUCAS:
Ou talvez eu só esteja começando a me perguntar que tipo de legado a gente está construindo.
E quem vai ter que sustentar isso no futuro.
(Pausa. Helena observa o filho. Ele está calmo, mas firme.)
HELENA:
Você cresceu nessa empresa, Lucas.
Você viu como seu pai fez para manter tudo de pé.
Poder exige decisões difíceis.
LUCAS:
Então quer dizer que calar pessoas, apagar histórias e derrubar casas… é o preço?
HELENA (fria):
É o jogo.
LUCAS:
E se alguém um dia resolver não jogar?
HELENA:
Esse alguém vai perder tudo.
(Pausa longa. Ele respira fundo. Já tem dúvida no coração.)
LUCAS:
Ou talvez… ganhe algo que a gente nunca teve.
Paz.
(Ele sai, deixando Helena sozinha com os mapas e o peso do passado.)
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Local: Varanda da Mansão – fim de tarde. O céu começa a ficar dourado.
Personagens: Lucas e Isabela (irmã).
(Lucas está sentado no muro da varanda, olhando para o horizonte. Isabela chega com uma taça de vinho, descalça, descontraída.)
ISABELA (oferece a taça):
Quer?
LUCAS (aceita, mas sem sorrir):
Obrigado.
ISABELA (se senta ao lado):
Tá calado demais. Isso é raro.
Problemas com o espelho da academia?
LUCAS (sorri de leve):
Tô pensando nas terras do Ribeirão.
(Isabela ergue uma sobrancelha, surpresa.)
ISABELA:
Desde quando você pensa nisso?
LUCAS:
Desde que vi o mapa hoje cedo.
E comecei a pensar… quem é que mora lá. Quem vai ser tirado de lá.
ISABELA (dá um gole, mais irônica):
Ué. Gente simples, invasores.
A maioria sem registro. Nada que o jurídico não resolva.
LUCAS:
Você já foi lá?
ISABELA:
Claro que não.
E nem você.
LUCAS:
Pois é.
Talvez seja esse o problema. A gente assina sobre lugares que a gente nunca pisou.
Decide o destino de gente que nunca olhou no olho.
ISABELA (encara o irmão, muda):
Você tá diferente.
LUCAS:
Tô tentando ser honesto comigo.
Só me pergunto se isso cabe dentro do que esperam de um “Amaral”.
ISABELA (mais séria agora):
Olha… eu não sei o que tá te incomodando exatamente.
Mas se você quiser mudar tudo isso… vai ter que comprar uma briga feia.
LUCAS:
Talvez eu precise.
ISABELA:
E vai ficar sozinho.
LUCAS:
Você vai me deixar sozinho?
ISABELA (olha pra frente, sem responder de imediato):
Eu… ainda não sei.
(Pausa. O silêncio entre eles diz muito.)
LUCAS:
O que a gente chama de progresso… às vezes é só um nome bonito pra destruição.
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_ comunidade Ribeirão.
Local: Interior do carro de Lucas – fim de tarde. Estrada em direção ao Ribeirão.
Lucas. (Voz em off – pensamentos)
o carro de luxo cortando uma estrada de terra vermelha, ladeada por vegetação nativa. A cidade já ficou para trás. A música do rádio toca baixinho. Lucas dirige, com o braço fora da janela, o vento batendo no rosto.)
Voz de Lucas em off (pensamento):
> “Quantos contratos eu já assinei sem olhar duas vezes?
Quantas pessoas perderam o lugar onde viviam… enquanto eu ganhava o direito de chamá-las de ‘projeto’?”
> “Será que o nome Amaral pesa mesmo no mundo...
...ou só pesa em mim?”
suas mãos no volante — tensas. O relógio caro no pulso contrasta com a estrada de terra irregular.)
> “Meu pai dizia que quem hesita… perde o negócio.
Mas e quem não hesita… perde o quê?”
(O carro passa por uma ponte de madeira estreita. Lucas diminui. Olha o rio embaixo.)
> “Será que é aqui que termina o que eu era…
…e começa o que eu preciso ser?”
(Lucas respira fundo. A estrada termina numa porteira de madeira simples. Ele para. Desce devagar. O som dos pássaros é alto. O silêncio do campo… é outro.)
ele olhando para a casa simples ao longe — a casa de CLARA . Pela primeira vez, ele não parece o herdeiro da cidade, mas um homem comum, diante do desconhecido.)
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(Lucas estaciona o carro próximo à cerca de madeira. Desce devagar, limpando as mãos nos jeans. O sol se deita no horizonte. Ao longe, CLARA recolhe roupas do varal, de costas para ele. O som do vento e dos pássaros domina a cena.)
LUCAS (voz firme, mas cuidadosa):
Com licença?
(Clara se vira, surpresa. Seus olhos castanhos encontram os dele — por um momento, tudo silencia. Ela mantém a compostura, segura, mas atenta.)
CLARA:
Boa tarde.
Veio procurar alguém?
LUCAS (dá um passo adiante, sem invadir o espaço):
Acho que sim.
Meu nome é Lucas… Lucas Amaral.
(Clara ergue as sobrancelhas. Seca as mãos no pano de prato que carrega.)
CLARA:
Amaral?
Sua mãe mandou funcionários da fundação , chegaram ontem ,dizendo que querem medir a terra?
LUCAS (suspira, sincero):
O mesmo.
Mas… eu não vim como empresário. Nem como herdeiro.
Só… como alguém que quer entender.
CLARA (mais firme):
Entender o quê?
LUCAS:
O que a gente tá prestes a destruir.
(Clara o encara por alguns segundos, tentando decifrar se é encenação ou verdade. Ela caminha até o portão e o abre, sem sorrir.)
CLARA:
Então entra.
Mas aqui, a gente pisa com cuidado.
O chão tem raiz.
LUCAS (com um leve sorriso de respeito):
Aprendi a andar descalço... mas faz tempo que não pratico.
(Clara o guia com o olhar. Ele atravessa o portão. Dona Celeste, ao fundo, aparece na varanda. Observa tudo — silenciosa, mas com olhos que enxergam longe.)
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Atualizado até capítulo 26
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