Na manhã seguinte, o céu limpou depois da chuva. O ar fresco espalhou-se por toda a fazenda, e o som das aves cantando nas árvores criava uma melodia suave que contrastava com os dias cinzentos anteriores. Valentina acordou sentindo-se diferente, como se o momento vivido com Antônio no dia anterior tivesse deixado nela uma marca invisível.
Ao se arrumar e descer até a cozinha, foi recebida pelo cheiro reconfortante do pão que Marta acabava de tirar do forno.
— Você dormiu bem? — perguntou a cozinheira, com um sorriso caloroso que deixava entrever o carinho que começava a nutrir por Valentina.
— Melhor que nos outros dias — respondeu a jovem, retribuindo o sorriso. — A chuva sempre me dá uma sensação boa, como se lavasse as preocupações.
Marta assentiu e serviu uma fatia generosa com geleia caseira.
— Tem razão. E parece que essa tempestade também limpou alguma coisa aqui dentro — disse, apontando para o próprio peito. — Ontem à noite eu vi o patrão voltando da chuva. Ele parecia mais leve… como se alguma coisa tivesse mudado.
Valentina apenas sorriu, sentindo o calor subir às bochechas. Ela sabia que o momento que partilhara com Antônio havia sido simples, quase silencioso, mas de uma intensidade que a marcara.
Depois do café, Valentina decidiu ajudar Daniel a organizar as ferramentas que estavam espalhadas pelo galpão. O dia prometia muito trabalho e ela sabia que manter-se ocupada a ajudaria a organizar os próprios pensamentos.
Enquanto arrumava os caixotes, Daniel apareceu, secando o rosto com um lenço.
— Você viu meu irmão hoje? — perguntou casualmente.
— Não. Desde cedo que ele sumiu pra ver o gado — respondeu Valentina, tentando parecer despreocupada.
— Antônio sempre foi assim — disse Daniel, apoiando-se contra uma das vigas. — Quando precisa pensar, ele mergulha no trabalho até se esgotar.
Valentina parou o que fazia e o encarou, hesitante.
— Você acha que ele vai superar o que aconteceu? — perguntou num tom baixo, quase temerosa da própria pergunta.
Daniel refletiu por um momento antes de responder.
— Acho que ele nunca vai esquecer a Lúcia. Ela foi o amor da vida dele. Mas… talvez ele possa reaprender a viver, com o tempo e com as pessoas certas por perto.
Os olhos de Valentina baixaram para as mãos sujas de poeira. Ela entendia o que Daniel queria dizer. Por mais que a dor fosse antiga e profunda, talvez existisse um caminho para que Antônio voltasse a sorrir novamente.
Ao fim da manhã, enquanto pendurava algumas ferramentas no galpão, Valentina viu a figura dele surgir ao longe. Caminhava devagar, os passos pesados, mas o olhar menos sombrio que nos outros dias. Ela sentiu um frio suave na barriga quando os olhos dos dois se cruzaram por um breve instante antes que ele desviasse o rosto.
Mesmo assim, alguma coisa havia mudado entre eles. Era como se a conversa silenciosa que partilharam no meio da chuva tivesse aberto uma porta que antes permanecera trancada.
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Na hora do almoço, todos se reuniram à mesa. Marta serviu um ensopado perfumado e pães frescos, e a cozinha logo se encheu com o som das vozes abafadas e talheres batendo nos pratos. Antônio comeu em silêncio, como sempre, mas Valentina pôde ver que ele lançava olhares discretos para ela quando pensava que ninguém percebia.
Depois da refeição, Antônio levantou-se e pigarreou.
— Valentina — disse num tom inesperadamente suave —, preciso que me ajude com o armazém depois. Temos que arrumar as prateleiras e separar o que precisa ser vendido.
A simples menção ao nome dela fez o coração da jovem disparar. Ela respondeu apenas com um aceno, tentando disfarçar o calor que sentia subir às suas faces.
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Horas depois, quando o sol começava a declinar, os dois seguiram em direção ao armazém. O ambiente ali dentro era abafado e cheirava a madeira e milho. Sem dizer muita coisa, começaram a organizar os sacos e engradados, cada um ocupado com uma tarefa.
O som da palha estalando e o barulho distante do vento entre as árvores criavam uma atmosfera quase íntima. Foi então que Antônio quebrou o silêncio.
— Valentina… — começou, hesitante. Ela o olhou, esperando que ele continuasse. — Você me lembra alguém que eu já conheci.
A voz dele soava grave, mas havia nela uma emoção que Valentina nunca ouvira antes.
— Lúcia? — arriscou, com o tom mais delicado que conseguiu.
Antônio assentiu devagar.
— Ela também tinha esse olhar atento, como se pudesse enxergar além das palavras.
Valentina sentiu o peito apertar. Por um momento, desejou que ele pudesse ver que a dor que carregava também a tocava.
— Ela devia ser especial — respondeu baixinho.
— Era — disse ele num suspiro longo, e então se calou.
O silêncio que se seguiu foi cheio de significados. Valentina hesitou por um momento, depois aproximou-se dele, quase tocando-lhe o braço.
— Antônio, sei que nunca vou ocupar o lugar dela. Ninguém vai. Mas… eu posso estar aqui, se um dia você precisar.
Ao ouvir isso, ele ergueu os olhos e a encarou por longos segundos, como se ponderasse cada palavra. Depois, num gesto inesperado, tocou a mão dela com a própria, num contato breve e cheio de calor.
— Você já está aqui — respondeu, num tom baixo que fez Valentina prender a respiração.
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Ao saírem do armazém, o céu começava a tingir-se com as cores avermelhadas do entardecer. Caminharam em silêncio até a casa, mas desta vez o silêncio entre eles era diferente — mais calmo, quase cúmplice.
Enquanto o dia ia se despedindo, Valentina sabia que algo havia mudado definitivamente entre os dois. E, no fundo do peito, sentiu que aquele momento simples e verdadeiro marcava o início de uma nova fase. Não sabia ainda para onde essa estrada a levaria, mas sabia que não voltaria a ser a mesma.
E Antônio, que por tanto tempo vivera mergulhado em sua própria sombra, sentiu, ainda que timidamente, que a esperança começava a brotar novamente no solo fértil da sua própria dor.
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Atualizado até capítulo 70
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