O dia começou com uma névoa espessa cobrindo os campos. Valentina acordou cedo, como de costume, e observou pela janela o mundo ser engolido pela bruma branca, que tornava tudo ao redor quase etéreo. Ela se levantou, vestiu-se e caminhou até a cozinha, onde Marta já preparava o café.
— Acordou cedo, hein? — comentou Marta, com um sorriso cansado. — Hoje vai ser dia de trabalho pesado. O patrão mandou avisar que vamos precisar de ajuda no galpão.
Valentina apenas assentiu e se serviu de uma xícara de café quente. Enquanto mexia a colher, seus pensamentos viajavam para o dia anterior, quando Daniel, com um tom nostálgico, revelara um pouco mais sobre o passado de Antônio. O homem que ela começava a perceber como alguém implacável parecia carregar um peso invisível, algo muito maior do que ele deixava transparecer.
O cheiro de café recém-coado parecia ter o poder de suavizar as lembranças daquele olhar sério e distante. Valentina não sabia o que sentia por Antônio. Talvez fosse uma mistura de curiosidade e empatia, mas havia algo nele que a atraía e, ao mesmo tempo, a fazia recuar.
Enquanto a manhã avançava e o sol tentava despontar por trás das nuvens pesadas, Valentina seguiu Marta até o galpão. A terra estava úmida, e o barro pegava nas botas. O ar fresco e úmido se misturava com o cheiro do pasto e do feno, criando uma sensação quase de pureza no ambiente.
Chegando ao galpão, Valentina viu Antônio já se preparando para o trabalho. Ele estava de costas, usando uma camisa de manga longa e calças de couro desgastadas, como sempre. Seu corpo imponente estava inclinado sobre o curral, aparentemente insensível ao clima frio da manhã.
— Valentina, você vai ajudar o Antônio a organizar os fardos de feno. Não tem muito trabalho, mas tem que ser feito — disse Marta, antes de se afastar para outra tarefa.
Valentina respirou fundo, ajustou a gola da camisa e seguiu até o homem, que parecia não perceber sua presença. Ela sentiu um frio na espinha, mas engoliu a sensação e se aproximou.
— Preciso de ajuda aqui, Valentina — disse Antônio, sem olhar para ela. Sua voz grave cortou o silêncio da manhã, e, pela primeira vez, Valentina notou o tom de exaustão que havia nele. Ele parecia mais cansado do que o normal, como se carregasse uma carga muito além daquelas estacas de madeira e fardos de feno.
Ela se aproximou e, sem dizer uma palavra, começou a ajudá-lo a mover os fardos, sentindo o peso da tarefa. O trabalho era árduo e silencioso, e ela não sabia o que dizer para quebrar o gelo que havia entre eles. Antônio estava imerso nos próprios pensamentos, e Valentina sentia como se estivesse fora de lugar, um intruso naquele mundo de terra, feno e silêncios pesados.
Depois de algum tempo, ele finalmente se virou para ela, parando de empilhar os fardos.
— Por que está aqui? — perguntou ele, os olhos escuros fixos nela de uma maneira que a fazia se sentir ainda menor. Não era uma pergunta comum, como as que ele normalmente faria para um empregado, mas uma questão carregada de algo mais profundo.
Valentina hesitou por um momento, sem saber como responder. Não sabia se deveria contar sobre sua vida na cidade ou se deveria continuar a manter a postura de alguém que só queria trabalhar e seguir sua vida. Mas algo naquele olhar fez com que ela abrisse o coração, e as palavras fluíram mais rápido do que ela imaginava.
— Eu… Eu não tinha escolha. A vida na cidade não estava mais funcionando para mim. Eu precisava de um recomeço, e aqui parecia ser a única chance que eu tinha.
Antônio a observou por mais alguns segundos, e Valentina sentiu que havia algo mais, algo que ele não estava dizendo. Algo que ele queria esconder. Mas antes que ela pudesse continuar, ele se virou bruscamente para continuar o trabalho.
— Não espere que a fazenda seja um refúgio para os seus problemas. Aqui, o trabalho é o que nos mantém vivos, não as conversas sobre o passado.
Aquelas palavras caíram como pedras. Valentina engoliu em seco, sentindo o peso de suas próprias inseguranças.
Antes que ela pudesse responder, ele já havia se afastado, indo em direção ao estábulo. Valentina ficou ali, sozinha, cercada por fardos de feno e a sensação de que ela não sabia nada sobre aquele homem, e muito menos sobre o que o tornava tão fechado e resistente.
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Ao longo do dia, o trabalho foi cansativo e exaustivo. Valentina seguiu o ritmo que Marta impôs, e por mais que tentasse se integrar à rotina da fazenda, o peso da solidão e a distância entre ela e Antônio eram inegáveis. Toda vez que seus olhares se cruzavam, havia algo não dito, algo intransponível.
Por volta do final da tarde, enquanto descansavam no alpendre da casa, Valentina decidiu fazer uma pergunta a Marta.
— O que aconteceu com o Antônio? Por que ele é assim? — Ela sabia que estava indo longe demais, mas não podia se conter.
Marta parou, olhando para o horizonte. O silêncio tomou conta da conversa por um momento.
— O Antônio perdeu muito em sua vida, Valentina. Quando ele era mais jovem, teve uma família inteira que o amava, uma esposa que ele adorava. Mas um acidente... um acidente roubou tudo. Desde então, ele se tornou outra pessoa. A fazenda, para ele, é tudo o que resta, e talvez ele ainda tente encontrar algum sentido em tudo isso.
Valentina sentiu o peso das palavras de Marta, compreendendo que a dor de Antônio não era apenas sobre o trabalho, mas sobre algo muito mais profundo. Ela queria ajudá-lo, mas sabia que ele não permitia isso.
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Naquela noite, enquanto o vento sibilava entre as árvores e as estrelas começavam a brilhar no céu, Valentina deitou-se em sua cama com os pensamentos à flor da pele. Ela sentia que a Fazenda Estrela Velha não era apenas um lugar para trabalhar. Era um lugar onde os passados se entrelaçavam, e onde os corações, embora ocultos, começavam a encontrar um caminho tortuoso em direção à cura.
Mas ela sabia que o caminho seria longo. E que, com o tempo, as feridas de Antônio, assim como as suas próprias, teriam que ser enfrentadas.
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Atualizado até capítulo 70
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