Capítulo 4 — Ecos da Tempestade

A madrugada trouxe um vento frio que fazia as janelas da casa rangerem baixinho. Valentina acordou antes que o dia clareasse, ainda envolta por uma sensação estranha que não sabia nomear. Ela sentou-se na beirada da cama, escutando o som distante da chuva que começava a cair lá fora, lenta e constante, como um murmúrio que encobria o mundo num manto cinzento.

Depois que descobrira um pouco mais sobre o passado de Antônio, Valentina sentia que os passos que dava por entre os cômodos da casa eram diferentes. Cada porta antiga e cada retrato amarelado pareciam agora ter um peso que antes não tinham. Ela sabia que a dor que ele carregava o mantinha fechado, quase como uma ferida que nunca parava de sangrar.

Sem sono, decidiu descer para a cozinha e preparar um pouco de café para começar o dia. Marta já havia deixado a lenha acesa no fogão, e o calor confortável espalhou-se pelo cômodo assim que Valentina entrou. Ela sentiu o cheiro forte dos grãos moídos e o ruído suave da água que começava a ferver.

Enquanto esperava o café coar, ouviu passos pesados do lado de fora. Por um momento, pensou que poderia ser Antônio, mas a figura que apareceu na porta foi Daniel, com o cabelo molhado e um meio-sorriso.

— Você acordou cedo — disse ele, sacudindo os ombros para espantar o frio. — Achei que todo mundo fosse dormir até mais tarde com essa chuva.

Valentina respondeu com um pequeno sorriso, servindo uma caneca para ele também.

— Tem dias que o sono simplesmente vai embora — respondeu, entregando a caneca a Daniel.

Ele agradeceu com um aceno e tomou um gole, encostando-se à bancada. Por um momento, os dois ficaram em silêncio, ouvindo apenas o barulho da chuva que engrossava contra o telhado.

— Você tem falado pouco com meu irmão — disse Daniel, sem muito rodeio. — Está com medo dele?

Valentina soltou o ar devagar, sem saber como colocar em palavras a sensação que a tomava sempre que os olhos escuros de Antônio cruzavam os dela.

— Não é medo — respondeu baixinho. — É respeito. E uma sensação de que ele carrega um fardo que eu não entendo.

Daniel assentiu, desviando o olhar para a janela embaçada.

— Ele nunca foi assim antes que perdêssemos a Lúcia — murmurou, quase para si mesmo.

O nome caiu entre eles como uma folha seca, pesada e cheia de significado.

— Lúcia? — Valentina repetiu, num sussurro hesitante.

Daniel fez uma pausa longa, como se lutasse contra a própria lembrança.

— A mulher dele. Ela morreu num acidente há alguns anos. Antônio nunca mais foi o mesmo. Ela era a única que conseguia arrancar um sorriso dele. Depois que ela se foi, ele se fechou pra tudo.

Valentina sentiu um aperto no peito. Por trás da postura dura e do olhar impenetrável, havia uma ferida antiga que nunca parava de doer.

— Sinto muito — disse, incapaz de encontrar outras palavras.

— Todos sentimos — respondeu Daniel num tom resignado. — Esta fazenda foi o que restou a ele. Então ele trabalha sem parar, como se isso pudesse calar a dor.

A conversa ficou suspensa no ar, embalada pelo som da chuva cada vez mais intensa.

---

Ao longo da manhã, a fazenda mergulhou num ritmo lento. O clima frio e molhado forçou todos a se recolherem mais cedo. Valentina ajudou Marta a arrumar a despensa e a organizar mantimentos, e, entre um afazer e outro, sua mente voltava sempre à imagem do fazendeiro com os ombros curvados sob a chuva.

Já no fim da tarde, a tempestade amainou, deixando o céu num tom azul-acinzentado e a terra exalando aquele cheiro fresco e inconfundível de campo molhado. Valentina saiu até o alpendre e sentou-se num banco de madeira, contemplando a planície que se estendia além da casa.

Foi então que viu Antônio surgir no meio do pasto, sozinho, sem capa, como se quisesse que cada gota de chuva tocasse a própria pele. Ela ficou parada, observando-o em silêncio. O vento balançava os galhos das árvores, e por um momento ele pareceu tão pequeno em meio à vastidão da terra que Valentina sentiu uma compaixão genuína.

Sem pensar muito, desceu os degraus e seguiu em direção a ele, sentindo o solo macio ceder sob seus pés.

— Antônio! — chamou, sem muita certeza de que ele ouviria.

Ele se virou lentamente. Havia um cansaço profundo no rosto molhado, mas também uma expressão distante, quase apaziguada.

— Você vai acabar doente assim — disse Valentina quando o alcançou, cruzando os braços para espantar o frio.

Ele a olhou, surpreso por um instante, como se nunca esperasse que alguém viesse atrás dele num momento como aquele.

— Às vezes preciso sentir a chuva — respondeu ele com a voz rouca. — Ela lembra que estou vivo.

A frase pairou entre eles, cheia de sentimentos que não precisavam ser explicados. Valentina sentiu o impulso de dizer alguma coisa que o confortasse, mas as palavras pareciam frágeis demais para a dor que ele carregava.

Ainda assim, arriscou:

— Você não precisa carregar tudo isso sozinho.

Antônio ficou em silêncio por um longo instante, como se cada palavra que Valentina dissera pudesse atravessar as barreiras que ele próprio erguera. Por fim, soltou um suspiro longo e passou a mão pelo cabelo molhado.

— Você é teimosa — disse, num tom que soava quase como um agradecimento.

Valentina sorriu levemente, sentindo que, entre a chuva e o vento frio, algo invisível começava a mudar entre eles.

---

Ao voltarem para casa, o céu escurecia rápido. Cada um seguiu para seus afazeres, mas Valentina sabia que a conversa silenciosa que partilharam em meio à tempestade havia aberto uma brecha, por menor que fosse, no muro que Antônio construíra em volta do próprio coração.

Enquanto se preparava para dormir, ouviu o vento soprando entre as árvores e deixou-se embalar por um estranho sentimento de esperança. Ela sabia que o caminho para alcançar a alma ferida daquele homem não seria simples. Mas também sabia que agora entendia um pouco melhor o peso que ele carregava — e que, quem sabe, poderia ajudá-lo a transformar essa dor em algo novo.

Do outro lado da casa, Antônio observava a escuridão do quarto, a expressão pensativa e o coração silenciosamente agitado. Pela primeira vez em muito tempo, o vento e a chuva pareciam menos tristes, como se a própria fazenda murmurasse que ele não precisava estar sozinho.

Capítulos
1 Capítulo 1 — Sob o Céu Cinzento
2 Capítulo 2 — Sob o Olhar da Noite
3 Capítulo 3 — A Marca do Passado
4 Capítulo 4 — Ecos da Tempestade
5 Capítulo 5 — Entre Silêncios e Confissões
6 Capítulo 6 — Um Novo Amanhecer
7 Capítulo 7 — Sob o Céu Estrelado
8 Capítulo 8 — Confissões Sob a Luz do Luar
9 Capítulo 9 — O Peso das Lembranças
10 Capítulo 10 — Sob as Marcas do Passado
11 Capítulo 11 — O Amanhecer de um Novo Sentimento
12 Capítulo 12 — A Primeira Tempestade
13 Capítulo 13 — Depois da Tempestade
14 Capítulo 14 — Sob o Céu das Confissões
15 Capítulo 15 — Um Novo Amanhecer
16 Capítulo 16 — Sementes e Promessas
17 Capítulo 17 — Vínculos que Fortalecem
18 Capítulo 18 — Ecos do Coração
19 Capítulo 19 — A Colheita da Esperança
20 Capítulo 20 — Sob a Luz das Estrelas
21 Capítulo 21 — Florescendo Juntos
22 Capítulo 22 — Ventos Antigos
23 Capítulo 23 — A Voz da Verdade
24 Capítulo 24 — Fortes Como a Terra
25 Capítulo 25 — Raízes e Asas
26 Capítulo 26 — Sementes do Passado
27 Capítulo 27 — Entre Trincas e Flores
28 Capítulo 28 — A Sombra na Estrada
29 Capítulo 29 — O Som da Tempestade
30 Capítulo 30 — Quando a Terra Grita
31 Capítulo 31 — Cicatrizes Abertas
32 Capítulo 32 — Vozes da Terra
33 Capítulo 33 — O Peso do Silêncio
34 Capítulo 34 — Sementes de Justiça
35 Capítulo 35 — Depois da Tempestade
36 Capítulo 36 — Quando a Terra Ensina a Esperar
37 Capítulo 37 — Asas que Sabem Voltar
38 Capítulo 38 — Raízes que se Entrelaçam
39 Capítulo 39 — O Amor Também É Terra Fértil
40 Capítulo 40 — O Recomeço do Recomeço
41 Capítulo 41 — Sementes do Amanhã, Sombras do Ontem
42 Capítulo 42 — Herdeiros da Terra, Alvos do Passado
43 Capítulo 43 — Terra de Segredos e Tempestades
44 Capítulo 44 — Onde as Raízes Encontram a Verdades
45 Capítulo 45 — Quando Flores Nascem em Terrenos Feridos
46 Capítulo 46 — Aurora: A Criança da Terra
47 Capítulo 47 — A Menina e o Mundo
48 Capítulo 48 — Silêncios Que Também Gritam
49 Capítulo 49 — Cuidar Também é Lutar
50 Capítulo 50 — Sementes do Amanhã
51 Capítulo 51 — As Sombras Também Têm Voz
52 Capítulo 52 — Quando o Vento Muda de Direção
53 Capítulo 53 — O Preço do Progresso
54 Capítulo 54 — Vozes do Passado
55 Capítulo 55 — A Terra Ensina
56 Capítulo 56 — O Peso do Crescimento
57 Capítulo 57 — A Voz Que Ecoa
58 Capítulo 58 — Quando o Passado Não Dorme
59 Capítulo 59 — Terra em Julgamento
60 Capítulo 60 — O Dia em que a Terra Ganhou Voz
61 Capítulo 61 — Quando a Paz Também Cansa
62 Capítulo 62 — Quando o Inimigo Vem de Dentro
63 Capítulo 63 — Quando o Passado Bate à Porta
64 Capítulo 64 — Vozes que Não se Calam Mais
65 Capítulo 65 — Ecos do Tribunal
66 Capítulo 66 — A Colheita da Esperança
67 Capítulo 67 — Vozes Queimadas, Vozes Vivas
68 Capítulo 68 — Vozes no Tribunal
69 Capítulo 69 — O Peso da Verdade
70 Capítulo 70 — Raízes de Liberdade
Capítulos

Atualizado até capítulo 70

1
Capítulo 1 — Sob o Céu Cinzento
2
Capítulo 2 — Sob o Olhar da Noite
3
Capítulo 3 — A Marca do Passado
4
Capítulo 4 — Ecos da Tempestade
5
Capítulo 5 — Entre Silêncios e Confissões
6
Capítulo 6 — Um Novo Amanhecer
7
Capítulo 7 — Sob o Céu Estrelado
8
Capítulo 8 — Confissões Sob a Luz do Luar
9
Capítulo 9 — O Peso das Lembranças
10
Capítulo 10 — Sob as Marcas do Passado
11
Capítulo 11 — O Amanhecer de um Novo Sentimento
12
Capítulo 12 — A Primeira Tempestade
13
Capítulo 13 — Depois da Tempestade
14
Capítulo 14 — Sob o Céu das Confissões
15
Capítulo 15 — Um Novo Amanhecer
16
Capítulo 16 — Sementes e Promessas
17
Capítulo 17 — Vínculos que Fortalecem
18
Capítulo 18 — Ecos do Coração
19
Capítulo 19 — A Colheita da Esperança
20
Capítulo 20 — Sob a Luz das Estrelas
21
Capítulo 21 — Florescendo Juntos
22
Capítulo 22 — Ventos Antigos
23
Capítulo 23 — A Voz da Verdade
24
Capítulo 24 — Fortes Como a Terra
25
Capítulo 25 — Raízes e Asas
26
Capítulo 26 — Sementes do Passado
27
Capítulo 27 — Entre Trincas e Flores
28
Capítulo 28 — A Sombra na Estrada
29
Capítulo 29 — O Som da Tempestade
30
Capítulo 30 — Quando a Terra Grita
31
Capítulo 31 — Cicatrizes Abertas
32
Capítulo 32 — Vozes da Terra
33
Capítulo 33 — O Peso do Silêncio
34
Capítulo 34 — Sementes de Justiça
35
Capítulo 35 — Depois da Tempestade
36
Capítulo 36 — Quando a Terra Ensina a Esperar
37
Capítulo 37 — Asas que Sabem Voltar
38
Capítulo 38 — Raízes que se Entrelaçam
39
Capítulo 39 — O Amor Também É Terra Fértil
40
Capítulo 40 — O Recomeço do Recomeço
41
Capítulo 41 — Sementes do Amanhã, Sombras do Ontem
42
Capítulo 42 — Herdeiros da Terra, Alvos do Passado
43
Capítulo 43 — Terra de Segredos e Tempestades
44
Capítulo 44 — Onde as Raízes Encontram a Verdades
45
Capítulo 45 — Quando Flores Nascem em Terrenos Feridos
46
Capítulo 46 — Aurora: A Criança da Terra
47
Capítulo 47 — A Menina e o Mundo
48
Capítulo 48 — Silêncios Que Também Gritam
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Capítulo 49 — Cuidar Também é Lutar
50
Capítulo 50 — Sementes do Amanhã
51
Capítulo 51 — As Sombras Também Têm Voz
52
Capítulo 52 — Quando o Vento Muda de Direção
53
Capítulo 53 — O Preço do Progresso
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Capítulo 54 — Vozes do Passado
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Capítulo 55 — A Terra Ensina
56
Capítulo 56 — O Peso do Crescimento
57
Capítulo 57 — A Voz Que Ecoa
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Capítulo 58 — Quando o Passado Não Dorme
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Capítulo 59 — Terra em Julgamento
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Capítulo 60 — O Dia em que a Terra Ganhou Voz
61
Capítulo 61 — Quando a Paz Também Cansa
62
Capítulo 62 — Quando o Inimigo Vem de Dentro
63
Capítulo 63 — Quando o Passado Bate à Porta
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Capítulo 64 — Vozes que Não se Calam Mais
65
Capítulo 65 — Ecos do Tribunal
66
Capítulo 66 — A Colheita da Esperança
67
Capítulo 67 — Vozes Queimadas, Vozes Vivas
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Capítulo 68 — Vozes no Tribunal
69
Capítulo 69 — O Peso da Verdade
70
Capítulo 70 — Raízes de Liberdade

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