Silêncio, Suor e Suco frio

O refeitório estava cheio, mas Biel e Leu encontraram uma mesa isolada no canto, perto da grande janela de vidro que dava vista para o jardim. Leu falava animado sobre as aulas, os professores e as fofocas que já tinha escutado dos corredores, e Biel — apesar da timidez — ria sincero, se permitindo relaxar um pouco naquele mar de tensão constante.

— Leu... você fala demais — murmurou Biel, com um meio sorriso.

— Claro! Isso é uma das minhas melhores qualidades — respondeu ele, piscando. — Além disso, é ótimo ver você sorrir.

Mas o clima leve se quebrou em segundos.

A porta do refeitório se abriu com um estrondo.

Arthur entrou empurrando um garoto franzino à frente dele, sua expressão era dura, o tom da voz cortante.

— Vai, seu inútil. Compra nossa comida. Estaremos esperando. E vê se não demora.

O garoto tropeçou para dentro do refeitório, os olhos quase marejados. As meninas ao redor baixaram a cabeça. Algumas o encaravam com admiração misturada com medo. Ele exalava poder, beleza e arrogância. Como se o mundo inteiro fosse apenas mais uma peça no tabuleiro dele.

Leu revirou os olhos.

— Que babaca… fazendo show até no refeitório agora? — sussurrou, mordendo o sanduíche.

Arthur varreu o local com os olhos, até que parou — e viu eles dois juntos.

Biel e Leu.

Rindo. Conversando. Sentados lado a lado.

Arthur caminhou direto até a mesa deles, com passos pesados e olhar letal. Parou em frente à mesa e declarou:

— Levanta. Esse lugar é nosso.

Biel gelou. Seus dedos pararam de segurar o talher. Leu ergueu as sobrancelhas, surpreso.

Sem discutir, Biel se levantou devagar. Os olhos baixos, submissos, prontos para evitar confusão. Mas antes de Leu fazer o mesmo, um dos amigos de Arthur se aproximou com um sorriso venenoso.

— O cachorrinho do Arthur já saiu... agora falta você, palhacinho.

Leu ergueu a bandeja com comida... e a arremessou na cara de Arthur.

O silêncio que se seguiu foi como uma explosão muda.

Todos no refeitório pararam. O som dos talheres, as conversas, os risos... morreram ali.

Arthur limpou o rosto devagar, a comida escorrendo pelos cabelos e testa. Então, ele se virou com um soco direto no rosto de Leu, que caiu no chão com o impacto.

— LEU! — Biel gritou, correndo para tentar ajudar, mas Arthur já tinha pegado a bandeja de metal de volta, erguendo para atacar novamente.

Sem pensar, Biel segurou o braço de Arthur com força.

— Por favor, não! — implorou, com os olhos assustados. — Eu... eu desço. Desculpa por ele. Nós vamos sair daqui!

Arthur o encarou com um sorriso frio nos lábios.

— O quê?

Sem aviso, ele pegou o copo de suco da bandeja caída... e virou todo o conteúdo sobre Biel, molhando seu cabelo, camisa, e fazendo o líquido escorrer pelo seu rosto.

O refeitório ofegou.

Biel congelou. Seus olhos arderam. Não pelo suco... mas pela vergonha.

Arthur abaixou o rosto até o nível do dele e disse, com a voz baixa e cruel:

— Nunca mais toque em mim, ômegazinho de merda. Ou na próxima vez... eu te quebro inteiro.

Ele jogou o copo no chão e se virou.

Leu, ainda no chão, limpou o sangue do lábio e olhou para Biel, que tentava segurar o choro com os olhos baixos. O refeitório inteiro olhava... mas ninguém fazia nada.

***

Biel abriu a porta do quarto com as mãos ainda trêmulas. As roupas molhadas, o rosto vermelho de vergonha, os olhos marejados tentando não ceder.

O quarto estava em silêncio... até ele erguer os olhos.

Arthur estava ali.

Sem camisa, apenas de calça baixa, os músculos definidos e o cabelo úmido penteado para trás. Parecia ter saído de uma sessão de revista de moda. Mas o olhar... era afiado como faca.

— Que cena patética foi aquela, hein? — começou Arthur, cruzando os braços. — Você não cansa de ser o centro das humilhações, ômegazinho?

Biel parou no meio do quarto. Não respondeu.

— O que foi? Perdeu a voz de tanto chorar no meio do refeitório? Acha que alguém sentiu pena? — ele riu com desdém. — Se quer atenção, podia ao menos ser menos nojento.

Biel apertou a barra da camisa, molhada.

— E aquele palhacinho com quem você anda? Vai se apaixonar por ele agora? Uma duplinha perfeita: um ômega imundo e um beta falido.

Arthur caminhou até ele, devagar.

— Olha pra você, Biel. Olha bem. Não passa de um erro caridoso do meu pai. Um carma que eu fui obrigado a engolir. Quase me arrependo de não ter te deixado morrer de fome no primeiro dia.

Biel desviou o olhar, engolindo seco.

— Quer saber o que eu penso de verdade? — Arthur se aproximou até seus rostos estarem a poucos centímetros. — Que você só tá aqui por pena. Que nem sua vó te aguenta. Aposto que ela te empurrou pra universidade só pra se livrar de você. Aliás... seria um favor se ela morresse logo, né? Economizava espaço no mundo.

— Cala a boca! —

O tapa veio seco, direto no rosto de Arthur.

O som ressoou pelo quarto. Arthur virou o rosto com o impacto, os cabelos bagunçando, o maxilar tenso.

Por um momento... o silêncio tomou conta.

Arthur se virou devagar, os olhos queimando de fúria.

Ele se aproximou com violência, empurrando Biel contra a parede com uma das mãos no ombro. Biel arregalou os olhos, ofegante.

— Você me bateu? — a voz dele era baixa, perigosa.

Arthur segurou Biel pelo pescoço, o erguendo ligeiramente, forçando-o a ficar na ponta dos pés.

— Nunca mais encoste em mim, seu erro ambulante — rosnou. — Nunca mais ouse levantar a mão pra mim.

Biel tentou puxar o ar, a mão apertando o braço de Arthur. A respiração ficou curta.

Foi quando Arthur o soltou bruscamente na cama.

Biel caiu com o corpo mole, tossindo e puxando o ar com dificuldade, o coração descompassado, os olhos girando.

Arthur passou a mão pelo rosto, ainda sentindo o calor do tapa.

— Você me tira do eixo — murmurou. — E isso me irrita mais do que qualquer outra coisa.

Ele se afastou, pegou uma jaqueta, e saiu batendo a porta.

***

A noite chegou arrastando o céu para tons escuros, como se o mundo quisesse engolir Biel em silêncio.

Ele olhou para o teto por horas, até perceber que não conseguiria dormir. Seus olhos estavam inchados, mas secos. Como se já tivesse chorado tudo o que podia.

Vestiu o uniforme devagar.

Pegou sua bolsa, ainda meio molhada da confusão do dia, e saiu sem fazer barulho.

O corredor estava vazio.

A universidade à noite era quase fantasmagórica. Os passos ecoavam solitários nas escadas, e o som de risos distantes do refeitório se misturava ao cheiro fraco de café requentado.

Arthur não estava em lugar nenhum.

Biel olhou para os corredores. As salas vazias. A biblioteca fechada.

Nada. Nem um rastro do garoto arrogante que fazia questão de ser o centro do mundo.

Ele voltou para o quarto tarde da noite, já com os olhos pesando.

Empurrou a porta com cuidado. O cheiro do quarto ainda carregava traços de Arthur: perfume amadeirado e algo mais... selvagem.

Mas o lugar estava vazio.

A cama de Arthur ainda bagunçada.

A toalha que ele usava jogada na cadeira.

Mas sem sinais dele.

Uma hora da manhã.

Três.

Cinco.

Biel levantou da cama, olhou pela janela, depois pela porta.

Nada.

Arthur não voltou.

O sol da manhã atravessou as cortinas e iluminou o quarto...

Ainda vazio.

A cama continuava intacta.

A mochila dele ainda encostada na parede.

Mas ele não estava lá.

Biel ficou parado no centro do quarto, segurando sua blusa contra o peito. Um nó se formou em sua garganta.

Por um segundo, pensou em tudo o que Arthur tinha feito. Tudo o que tinha dito. A raiva. A dor.

Mas, mesmo assim...

— Onde você está? — murmurou para o vazio.

***

O céu desabava.

As gotas grossas pareciam castigar o chão com raiva. Biel olhou pela janela do quarto mais uma vez. O som da chuva se misturava ao silêncio daquela ausência incômoda. Ele puxou o capuz da blusa, respirou fundo e saiu.

A rua do outro lado do quarteirão parecia distante.

Não por causa da distância.

Mas porque tudo doía mais sem saber onde Arthur estava.

O guarda-chuva continuava quebrado atrás da porta.

Ele não se importou.

Saiu mesmo assim.

A água escorria pelas calçadas, lambendo seus tênis e encharcando sua calça rapidamente.

A blusa colou no corpo e o frio começou a queimar a pele fina de seus braços.

Mas ele continuou andando.

As pessoas o olhavam como se ele fosse invisível.

Ninguém ofereceu abrigo.

Ninguém parou para perguntar nada.

Ao virar a esquina, viu a placa da mercearia que ficava quase escondida entre dois prédios antigos. A luz tremeluzia, o vidro estava coberto por pequenas gotas que desciam lentamente.

Biel entrou com o sino da porta anunciando sua chegada.

— Boa noite… — disse o senhor atrás do balcão, olhando com certa pena para o garoto completamente encharcado.

Biel forçou um sorriso.

— Eu… só vim pegar algumas coisas — disse baixinho.

Caminhou entre as prateleiras, arrastando os pés.

Pegou pão, leite, e alguns pacotes de macarrão instantâneo.

As mãos tremiam levemente, mais pela confusão interna do que pelo frio.

Enquanto esperava na fila do caixa, viu seu reflexo no vidro da geladeira:

olhos baixos, cabelo grudado na testa, lábios pálidos.

Parecia menor do que realmente era.

Pagou em silêncio, agradeceu e saiu. A chuva continuava com força.

De volta à calçada, Biel parou.

Olhou para o céu por um instante como se ele fosse responder alguma coisa.

— Por que você não voltou? — sussurrou, mais para si mesmo do que para qualquer outra coisa.

Segurou firme a sacola com as duas mãos e caminhou lentamente de volta para o dormitório, com o som dos trovões acompanhando seu coração inquieto.

***

Biel subiu as escadas com passos lentos.

A sacola em suas mãos pesava mais do que deveria, como se carregasse nela o peso de tudo o que estava entalado no peito.

Quando girou a maçaneta e abriu a porta do quarto… parou.

Arthur estava lá.

Deitado na cama, de fones no ouvido, olhos fechados como se o mundo ao redor não existisse.

O mesmo garoto que tinha desaparecido por um dia inteiro... como se sua ausência não tivesse deixado um buraco dentro de Biel.

Biel deu alguns passos pra dentro, molhado, a roupa grudando no corpo.

— Você sumiu — disse com a voz baixa, quase um sussurro. — Eu… fiquei preocupado.

Arthur não respondeu.

Nem mesmo abriu os olhos.

O som abafado de uma música eletrônica escapava de seus fones.

Biel apertou a sacola contra o peito.

— Eu… trouxe comida. Tem pão, macarrão… leite — tentou novamente, forçando um tom casual.

Nada.

Um silêncio duro se arrastava entre os dois.

Era como falar com uma parede.

Biel respirou fundo, desviando o olhar.

— Me desculpa… por ter te batido aquele dia — a voz dele saiu trêmula. — Eu só... eu só queria que você não falasse da minha vó. É só isso. Eu me descontrolei.

Arthur virou de lado, ignorando completamente.

Não tirou os fones.

Não fez nenhum gesto.

Biel ficou parado por alguns segundos, esperando algo. Uma resposta. Um olhar. Qualquer coisa.

Mas não veio.

Sem dizer mais nada, foi para o banheiro.

A água do chuveiro era quente, mas o frio da chuva parecia ter entrado até nos ossos. Ele espirrou algumas vezes, o nariz começando a arder. O corpo tremia.

Quando saiu do banho, ainda secando o cabelo com a toalha, sentiu o impacto gelado no rosto.

O ar-condicionado estava ligado no frio máximo.

O vento cortava a pele já sensível.

Ele olhou para Arthur, que continuava deitado, imóvel, fingindo dormir ou talvez dormindo de verdade.

Foi até o guarda-roupa, abriu devagar...

As roupas estavam todas molhadas, úmidas e dobradas de qualquer jeito.

Ele vestiu apenas um short seco que ainda tinha, e, tremendo, foi para debaixo da coberta.

A cama estava fria.

O lençol também.

O peito ainda mais.

De costas para Arthur, Biel se encolheu, os olhos abertos encarando a parede enquanto a chuva ainda batia fraca lá fora.

E no fundo da alma, um nó.

CONTINUA...

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Comments

💫☆baji_moça☆💫🫦

💫☆baji_moça☆💫🫦

tomara que tenha morrido em algum canto 😒

2025-06-28

2

💫☆baji_moça☆💫🫦

💫☆baji_moça☆💫🫦

Biel meu anjo tu não se ajuda ne amigo

2025-06-28

1

Daniela Rodrigues

Daniela Rodrigues

por tu quer saber daquele imbecil, o cara só te humilha e tu ainda preocupado com ele. a sinopse diz uma coisa e a história outra.

2025-06-23

2

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