A noite havia caído sobre a cidade, envolvendo os prédios altos em uma névoa suave e quente. O quarto 308 estava em silêncio. Apenas o som leve da respiração de Biel preenchia o espaço.
Arthur entrou devagar, os cabelos ainda úmidos da saída, com as mãos nos bolsos e a expressão cansada. Tirou os sapatos com preguiça e olhou ao redor.
O quarto estava escuro, exceto por uma luz suave vinda do banheiro entreaberto. Seus olhos logo foram atraídos para a cama do lado esquerdo.
Biel dormia.
Encolhido, abraçado a um travesseiro, os fios do cabelo caindo sobre os olhos, a camisa do uniforme meio desabotoada, revelando parte do pescoço pálido e delicado. Uma perna estava para fora do cobertor, desprotegida, fina, bonita.
Arthur se aproximou devagar, quase sem perceber o que estava fazendo. Parou ao lado da cama, observando o rosto calmo do garoto.
Havia algo... doce demais em Biel quando dormia.
Algo que irritava.
— Parece um bebê — murmurou, puxando o lençol e cobrindo Biel com cuidado.
Deu um passo para trás, mas o olhar escorregou pelas pernas do ômega, pela cintura fina. Seu corpo reagiu, e ele odiou isso.
Desejou.
Rangendo os dentes, virou as costas.
— Merda... — sussurrou. — Por que estou me preocupando com esse garoto?
Foi até a geladeira, abriu com força... e encontrou apenas ar frio e vazio. Nenhuma garrafa. Nenhum suco. Nada.
Na mesinha da cozinha, apenas dois pãezinhos em cima de um guardanapo. Arthur franziu a testa.
— Ele comeu só isso o dia inteiro?
Olhou para a cama novamente. Biel dormia profundamente, como se estivesse esgotado.
Arthur foi até o guarda-roupa de Biel, puxou a porta com cuidado.
De um lado, algumas peças simples, dobradas com capricho. O outro lado estava vazio.
Sem perfumes. Sem calçados extras. Sem casacos de marca.
Quase nada.
— Ele só tem isso...? — murmurou. — Tá brincando comigo.
Fechou a porta do armário com mais força do que devia e voltou para o banheiro. Tomou um banho rápido, tentando esfriar o corpo. Tentando esquecer o que tinha sentido.
Vestido apenas com um roupão preto, deitou-se na própria cama, apoiando os braços atrás da cabeça, olhando para o teto.
O cheiro de Biel ainda estava no quarto. Fraco, doce, tímido...
E cada vez mais presente.
Ele fechou os olhos, suspirando fundo.
Mas quando os abriu de novo...
Biel estava ali.
Sentado no seu colo.
Os olhos ainda meio perdidos de sono, as pernas dobradas, o corpo leve, como se tivesse sido guiado por um impulso.
Arthur arregalou os olhos, paralisado.
— O que você tá fazendo...? — perguntou, com a voz rouca, baixa.
Biel não respondeu de imediato. Encostou a cabeça no ombro de Arthur, como se estivesse procurando um lugar seguro.
— Tá quente... — murmurou. — Tá tudo tão quente...
Arthur sentiu o sangue ferver. O coração disparar. E, pela primeira vez, não soube o que fazer.
Aquele ômega...
Fraco, recessivo, calado...
Estava mexendo com ele.
***
A luz do sol invadia o quarto pelas frestas da cortina, iluminando os lençóis brancos com delicadeza cruel. O som de pássaros distantes parecia fora de lugar naquela cena silenciosa.
Biel acordou lentamente.
Os olhos ainda pesados. A mente confusa. O corpo quente.
E então percebeu...
Não estava na própria cama.
Estava na cama de Arthur.
Se sentou num pulo. O lençol escorregou por seu corpo e revelou a camiseta larga que vestia.
Seus cabelos estavam bagunçados, caindo sobre os olhos. O coração batia acelerado.
“O que estou fazendo aqui?”
Tentou se lembrar, mas tudo parecia embaçado. Apenas sensações. Calor. Proximidade. Um abraço?
Ele colocou a mão sobre a testa e murmurou:
— Eu... o que eu fiz?
Foi então que ouviu a voz.
— Você deve estar se perguntando o que aconteceu ontem à noite...
Arthur.
Em pé, encostado na parede perto da cozinha, com uma xícara na mão e uma toalha no ombro. Os cabelos úmidos, o rosto limpo, a expressão fria como pedra.
Biel olhou para ele sem conseguir dizer nada.
Arthur deu um gole no café e falou, casualmente:
— Não se preocupa. Você não vai engravidar... eu usei camisinha.
As palavras caíram como faca na mente de Biel.
Paralisado.
Olhando para o nada.
Os pensamentos giravam como redemoinho.
"Eu fiz isso...? Com ele...? Por quê?"
— Aqui tem café da manhã. — continuou Arthur, apontando para a mesa onde estavam frutas cortadas, pães e café quente. — Come alguma coisa e vai pra aula.
Biel continuava sem se mover. O rosto branco. As mãos trêmulas.
Arthur o observou por um instante... e então desviou o olhar.
— Toma um banho antes. Você tá suado.
Com isso, ele virou as costas, pegou a mochila e saiu do quarto sem dizer mais nada. A porta bateu com um estalo suave.
Silêncio.
Biel olhou para os lençóis. Sentiu o cheiro. Sentiu a vergonha.
Sentiu o vazio.
"O que aconteceu comigo?"
"Por que eu fui até ele?"
"Isso não pode... isso não deveria..."
Levantou devagar, como se estivesse pisando sobre vidro.
Foi até o banheiro e ligou o chuveiro.
A água quente não levou embora o gosto amargo na garganta.
***
O banheiro estava cheio de vapor. Biel deixou a água escorrer pelo corpo como se ela pudesse apagar as lembranças da noite anterior. Mas o calor não apagava a sensação de ter perdido o controle, nem a vergonha que queimava sob sua pele.
"Foi só o cio. Foi só instinto. Foi só..."
Ele saiu do banho com os olhos inchados e o corpo mole. Vestiu o uniforme com lentidão, penteou os cabelos com os dedos e respirou fundo várias vezes antes de abrir a porta do quarto.
Os corredores já estavam movimentados. Alunos subindo e descendo, risadas, passos apressados. Biel se misturou à multidão em silêncio. Os sons ao redor pareciam distantes, abafados por dentro da sua cabeça.
Ele entrou na sala de aula com passos leves, tentando não chamar atenção. Escolheu uma carteira perto da parede, longe das janelas e mais ainda do centro da sala. Sentou-se. Baixou os olhos. Fingiu que lia algo no caderno.
Fingiu que nada estava errado.
Mas tudo estava.
Alguns minutos depois, o som da porta se abrindo atraiu a atenção geral. Risos, cochichos, empolgação.
Arthur entrou.
Com o cabelo perfeitamente seco, uma mochila jogada de lado e a mesma expressão de superioridade tranquila. Ao lado dele, seus amigos — Logan e os outros — caminhavam como se o corredor da universidade fosse uma passarela feita só para eles.
Biel congelou. O corpo inteiro enrijeceu.
Arthur passou por ele.
Olhou direto para ele.
E... não disse uma palavra.
Nenhum sorriso. Nenhum sinal. Nenhuma lembrança da noite passada.
Como se nunca tivesse acontecido.
Como se Biel fosse só mais um.
Arthur foi até os fundos da sala e se sentou com os outros alfas, rindo de alguma piada que Logan fez.
E por mais que Biel fingisse estar copiando as anotações do quadro...
ele estava desmoronando por dentro.
"Ele não vai dizer nada? Nem olhar de novo? Foi só isso pra ele?"
A professora entrou na sala e começou a chamada.
Os nomes ecoavam como ecos distantes. Biel tremia por dentro.
E quando a professora chamou:
— Arthur Lorentz?
— Presente. — respondeu ele, com a voz firme, educada.
Como se fosse intocável.
Como se a noite passada não tivesse acontecido entre eles dois.
Como se Biel não significasse absolutamente nada.
***
A aula terminou com o som abafado das cadeiras arrastando e dos alunos se levantando animados, comentando sobre o cardápio do refeitório da universidade. Risos, passos, vozes altas — tudo ficou para trás, deixando apenas Biel, quieto, no canto da sala.
Ele fingia ler um livro.
Mas na verdade... apenas escondia o estômago roncando.
Os lanches do campus eram caros demais. Tão caros quanto os sapatos dos alfas que passavam por ele como se ele nem existisse.
Ele não queria olhar para ninguém.
Não queria parecer fraco.
Foi quando a porta se abriu novamente.
Arthur.
Ele voltou com passos firmes, como se soubesse exatamente onde estava sua presença ausente: sua carteira, esquecida sobre a mesa.
Mas ao olhar em direção à última fileira, parou.
Biel ainda estava ali.
Sozinho.
Lendo.
Ou tentando.
Arthur ficou em silêncio por alguns segundos, observando.
Então, fez algo inesperado.
Virou-se, pegou a cadeira mais próxima... e saiu correndo pelos corredores.
Biel nem percebeu.
Minutos depois, enquanto ele passava calmamente os olhos pelas páginas do livro — tentando fingir que não sentia o vazio do estômago —, Arthur reapareceu.
Parou bem na frente dele e estendeu uma sacola grande, recheada de embalagens coloridas. Pães recheados, sucos, doces, salgados.
Biel ergueu os olhos, confuso.
— Pra que isso...? — perguntou com a voz baixa, olhando fixo para Arthur.
Arthur deu um sorriso leve, mas carregado de sarcasmo.
— Você tem que se alimentar. Ou pretende cair no meio do corredor e virar notícia?
Biel hesitou, olhando a sacola como se fosse uma armadilha. Mas a fome falava alto.
— Obrigado... — disse, quase num sussurro, enquanto pegava a sacola devagar.
Arthur virou-se imediatamente. Saiu andando com as mãos nos bolsos, sem olhar para trás.
Sumiu pelos corredores, como se nada tivesse acontecido.
Biel ficou olhando a porta, ainda aberta. O coração palpitando. O rosto corado.
"Ele... se importa comigo?"
"Será que... ele está começando a gostar de mim?"
Por um momento, o peito se aqueceu. Um pequeno sorriso quis nascer nos lábios. Mas foi interrompido.
— Nossa! — disse uma voz animada atrás dele. — O Arthur é mesmo incrível, né?
Biel virou o rosto. Um grupo de garotas havia entrado na sala, comentando com empolgação.
— Ele comprou lanche pra escola toda!
— Imagina ser filho de um dos maiores investidores do país...
— E ainda ser lindo daquele jeito? Um sonho.
Biel sentiu o mundo despencar de novo.
O lanche... não era só pra ele.
Era pra todos.
Ele não era especial.
Só mais um.
O olhar dele caiu sobre a sacola em suas mãos. Por um instante, o cheiro do pão fez o estômago doer ainda mais.
Mas ele não teve coragem de comer.
Levantou-se, foi até a mesa da frente e deixou a sacola ali, intocada.
Saiu da sala sem dizer uma palavra.
Caminhou até o alojamento com passos curtos, arrastados. Cada degrau parecia pesar mais que o anterior.
Entrou no quarto, jogou a mochila num canto e deitou de lado na própria cama.
Sem fome.
Sem coragem.
Sem voz.
***
O silêncio no quarto era denso. Biel estava deitado de lado, abraçado ao travesseiro, tentando adormecer o estômago vazio e o coração quebrado.
Foi então que, sem aviso, a porta se escancarou com força e bateu na parede com um estrondo.
Arthur entrou.
Os olhos dele estavam escuros, as sobrancelhas franzidas, os passos duros.
Biel se sentou na cama, assustado.
Arthur com a sacola que trouxe da sala de aula, aonde Biel havia deixado. Jogou sobre ele na cama.
— Come.
O tom de voz era frio. Mais do que frio — ameaçador.
— Não vou ser legal por muito tempo, não — disse Arthur, com os olhos fixos nele. — Não tô aqui pra cuidar de você, entendeu?
Biel, em choque, ficou olhando para ele. O coração disparado. As mãos tremendo.
— Come essa porra da comida, agora! — gritou Arthur.
Biel pulou. Pegou o pão às pressas e começou a comer. As lágrimas caíam devagar, sem controle, enquanto ele mastigava o mais rápido que podia, tentando conter o choro.
Arthur se aproximou. Segurou o prato e empurrou mais um pedaço contra a mão de Biel.
— Mais.
— Não morra de fome, entendeu? Meu pai tem uma reputação a zelar.
Biel olhava para ele com os olhos molhados, sem entender por que a bondade vinha acompanhada de gritos.
Arthur se abaixou, ficou cara a cara com ele.
— Você foi escolhido entre milhões pra essa bolsa. Isso significa que você é útil.
Então seja grato.
E engula esse choro antes que eu te estrupa e aí você vai chorar de verdade seu ômega de merda.
O maxilar dele estava trincado, o cheiro forte de feromônio dominava o ar. O quarto parecia menor com ele tão perto.
Biel apenas assentiu com a cabeça, em silêncio.
Arthur ficou parado por um instante, olhando Biel devorar o pão em prantos.
— Isso. Melhor assim. — murmurou, como se estivesse tentando convencer a si mesmo.
Então virou as costas e entrou no banheiro. A porta se fechou atrás dele com um barulho seco.
Biel ficou ali.
Com migalhas na boca, lágrimas no rosto e um gosto amargo no fundo da garganta que não era só fome...
Era humilhação.
Ele mordeu o pão com mais força, como se aquilo fosse punição.
Como se sobreviver fosse um erro.
"Por que ele está fazendo isso comigo...?"
E, do outro lado da porta, Arthur se olhava no espelho do banheiro com as mãos trêmulas.
"Por que ele me faz sentir isso...?"
CONTINUA...
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 26
Comments
Moonlight
Oi?! Não me diga que ele vai ficar com esse lixo
2025-07-10
1