...Katherine ...
Ela ainda me olhava com aquele ar de superioridade esculpido em pedra.
A princesa.
O nome dela estava gravado em todos os cantos do reino, mas ninguém ousava tratá-la como humana. Só como símbolo. Como coroa.
Mas ali, agora… depois de um beijo acidental no meio de um alerta vermelho e um caos absoluto…
Ela me olhava como se eu tivesse invadido o próprio trono.
— “Você é quem mesmo?” — ela perguntou com um desdém quase poético.
— “Katherine D’Argent,” respondi, sem curvar a cabeça. “Filha do conselheiro pessoal do seu pai. E, a partir de hoje… sua colega de escola.”
Ela piscou. Aquilo a incomodou mais do que qualquer palavra que eu pudesse dizer.
— “Nunca ouvi falar.”
— “Vai ouvir,” finalizei com um sorriso. “Com o tempo.”
Gritos ainda ecoavam ao fundo. Guardas passavam correndo. A criatura, aparentemente, havia sido contida — ou pelo menos forçada a recuar. Uma barreira mágica pulsava acima do campus como uma rede de sangue vivo.
O alarme cessou. A tensão não.
— “Vocês duas!” — gritou um guarda real, aproximando-se com a lança em mãos. “A princesa deve ser escoltada de volta! E você — Katherine, certo? Está convocada pela diretoria agora.”
Ótimo.
Lá vem consequência.
**
Pouco tempo depois, estava de volta à sala da diretora.
Felipe já estava lá, como se sempre soubesse que eu acabaria ali.
Ele não parecia bravo. Só… atento.
— “Primeiro dia,” ele disse, folheando um relatório. “E já foi vista, beijou a princesa e estava a vinte metros de uma criatura antiga.”
— “Não foi um beijo. Foi um acidente,” corrigi.
Ele levantou uma sobrancelha.
— “E por que ela disse que você ‘ousou’ esbarrar nela?”
— “Porque ela é arrogante. E frágil. Um tropeço e o mundo dela desmonta.”
Silêncio.
Felipe sorriu, fechando o relatório.
— “Bom. Isso vai ser mais interessante do que eu pensei.”
A diretora pigarreou atrás da mesa.
— “A criatura que apareceu hoje... foi invocada de dentro dos portões. Alguém a trouxe.”
Olhei para ela. Depois para Felipe.
— “Acha que foi pra testar a segurança da escola?”
— “Ou a sua,” ele respondeu.
**
Saí dali com uma dor de cabeça leve, a informação martelando no fundo da mente: alguém no campus, provavelmente da própria elite, queria ver até onde eu aguentava.
Queria me ver tropeçar.
Ou me revelar.
Às 18h em ponto, a limusine me levou até a nova “casa”. A mansão de Felipe. Vazia, silenciosa, cheia de portas trancadas e corredores perfeitos demais.
Mas não importava.
Eu tinha um quarto enorme agora. Um computador com acesso ao servidor da coroa. E roupas feitas sob medida pra alguém que supostamente deveria se importar com aparência.
Mas ali, sentada no parapeito da janela, olhando as luzes da cidade abaixo, tudo o que eu pensava era:
> Eu beijei a princesa.
E ela vai lembrar disso todos os dias.
Porque esse reino...
Está prestes a descobrir o que acontece quando dá asas a uma assassina.
A noite caiu pesada sobre a mansão de Felipe.
Os corredores continuavam silenciosos, a casa perfeita demais para ser viva. Mas eu não dormi.
Fiquei horas vasculhando o sistema da escola pelo console escondido no fundo da estante do meu quarto. Criptografias, matrículas, rastros digitais. Nomes, horários, acessos.
Foi ali que ela apareceu.
Lua Valenhardt.
Filha do rei.
Herdeira direta da Coroa.
A “garota prodígio” que todos os professores bajulam como se fosse um milagre nascido da realeza.
Idade: 16.
Notas: perfeitas.
Histórico: impecável.
Avaliações de estratégia e lógica: 99,8%.
Faltava 0,2%.
E esse 0,2%… sou eu.
Fechei o console e fui até a janela. As luzes da cidade pareciam brilhar mais fracas que os olhos azuis da princesa.
Lua Valenhardt.
A menina que todos amam.
Que governa o campus como se já estivesse no trono.
Mas que agora… teve seu caminho cruzado por mim.
Ela é inteligente. Muito.
Mas eu sou um fantasma.
Uma assassina.
A falha que o sistema nunca previu.
O jogo começou.
E amanhã… será a primeira jogada oficial.
Ainda estava diante do console quando a tela piscou.
Não era um erro do sistema.
Era ela.
A fonte antiga surgiu em vermelho na base do código. Uma frase simples, mas que sempre gelava minha espinha — não por medo, mas por hábito:
> “Sangue novo. Cidade velha. Preciso de você esta noite.”
Nenhum remetente. Nenhuma localização.
Só uma assinatura invisível que só eu consigo rastrear:
V.
Essa pessoa — essa voz — sempre aparece quando o reino fede mais do que o normal.
E sempre com um alvo.
Um nome.
Meus dedos começaram a trabalhar. Criptografia dupla, proxy triplo, invasão por eco. Hackeei o próprio código da mensagem. Em segundos, a próxima linha se formou:
> “Alvo: Magistrado Alcor Vernius.”
“Local: Torre 4, Distrito de Justiça.”
“Status: Vazio até as 4:00h. Execute antes disso.”
Franzi o cenho.
Alcor Vernius. Um dos juízes mais respeitados da elite… ao menos em público.
Mas nos arquivos que eu já tinha...
Extorsão, tráfico de influência, execuções ilegais de plebeus.
Um homem podre disfarçado de lei.
Perfeito.
Salvei a mensagem, apaguei o rastro, fechei o console.
Levantei da cadeira como quem vai tomar água. Mas cada movimento era ensaiado.
A mansão estava cercada por segurança mágica, mas eu conhecia os pontos cegos — estudei tudo no dia em que cheguei.
Coloquei uma roupa preta sem emblemas, máscara parcial, lâminas finas presas nos punhos e tornozelos.
Às 2h17, já estava fora da mansão.
Às 2h41, nos telhados da cidade antiga.
Às 3h02… de frente para a Torre 4.
O vento soprava alto. Os guardas dormiam como reis.
Magistrado Vernius estava no 18º andar.
E eu… flutuei até lá como sombra.
Entrar foi fácil.
Dentro do escritório, tapeçarias caras, vinho aberto, arquivos secretos na parede.
E ele.
Sentado numa poltrona de veludo, desmaiado de tanto luxo.
Sorrindo no sono como um porco gordo sonhando com poder.
Eu poderia matá-lo em três segundos.
Mas levei dez.
Porque quis olhar bem para o rosto dele antes de cortar a garganta.
> Um juiz corrupto a menos.
Um parasita eliminado.
Antes de sair, deixei o aviso no espelho, escrito em sangue:
“A justiça que vocês negam... eu entrego.”
Assinado, como sempre:
“K”
Às 4h em ponto, eu já estava de volta ao quarto.
Tirei as roupas, limpei as lâminas. Nenhum arranhão. Nenhuma pista.
Só o gosto do ferro ainda no ar.
E amanhã?
Uniforme real. Aula com nobres.
E um sorriso perfeitamente falso no rosto.
Porque ninguém desconfia da filha adotiva perfeita.
Mas alguém, em algum lugar, me observa.
Porque V. ainda não se revelou.
E essa voz na escuridão…
Sabe demais sobre mim.
O uniforme carmesim abraça meu corpo com perfeição.
O cabelo branco desce como uma onda de neve pelo ombro, os olhos vermelhos contrastam com tudo e todos — como fogo em meio a gelo. Cada detalhe foi calculado.
Eu não me visto para agradar.
Me visto para dominar.
E hoje, no primeiro dia…
Preciso que todos lembrem de mim.
O motorista da mansão me leva até o campus. A segurança já me reconhece. A entrada é direta, sem revistas, sem perguntas. Filha de Felipe D’Argent. Nome tem peso aqui.
Mas é só quando chego no prédio principal que o verdadeiro jogo começa.
Os alunos me observam como se eu fosse uma tempestade entrando por engano num salão de chá.
— “Ela é a filha adotiva do Conselheiro D’Argent…”
— “Ouvi dizer que veio de um internato em outra capital…”
— “Esses olhos… são mesmo naturais?”
— “Deve ter feito pacto com alguma bruxa…”
— “Linda demais pra ser confiável.”
Sorrio internamente.
Eu gosto disso.
A confusão. O medo disfarçado de curiosidade.
Logo uma professora de túnica prateada me guia até a sala.
— “Senhorita D’Argent, sua turma é a Classe Prime — o núcleo central da realeza. Os melhores alunos. E a princesa também está lá. Você terá um assento especial.”
Lógico.
Onde mais eu estaria?
Abrem a porta.
A sala é enorme, com janelas arqueadas, chão de pedra polida, tecnologia mágica embutida nas paredes.
E lá estão eles: filhos de ministros, generais, duques… e ela.
Lua Valenhardt.
Sentada ao fundo, sozinha, como um sol que não precisa de órbita.
Nossos olhos se encontram.
E por um segundo, tudo silencia.
Ela ergue uma sobrancelha.
Eu sorrio.
— “Senhorita D’Argent,” diz a professora, “sente-se ao lado da princesa.”
Claro que sim.
Ao passar pela fileira de alunos, os cochichos aumentam. E quando me sento ao lado dela, Lua cruza as pernas com elegância, mas sem esconder o olhar afiado que me atravessa.
— “Você de novo…” ela murmura, seca.
— “Acho que o destino gosta de ironias,” respondo, apoiando o queixo na mão. “Ou talvez só queira me ver te irritar.”
Ela revira os olhos.
— “Espero que seja tão inteligente quanto acha que é. Essa turma não perdoa fraqueza.”
— “Eu não perdoo arrogância. Estamos quites.”
A professora começa a aula.
Mas Lua continua me encarando de tempos em tempos.
Ela sente.
Mesmo sem saber o que… ela sente.
Que eu sou uma ameaça.
E eu?
Estou me divertindo demais pra disfarçar.
A aula de Estratégia Real começou com uma projeção mágica no centro da sala: mapas do reino flutuando, com rotas comerciais, fortalezas mágicas e zonas de guerra digital.
A professora falava sobre "simulações políticas" — como lidar com revoltas civis sem sujar as mãos da monarquia.
— “Vocês precisam aprender a negociar com o caos sem parecerem fracos,” ela dizia. “Essa é a arte de manter o controle.”
Enquanto todos anotavam como papagaios bem treinados, eu já havia hackeado a rede da sala só pelo tédio.
Mas aí… algo estranho aconteceu.
A imagem do mapa começou a piscar. Sutilmente. Um erro técnico? Não.
Era intencional.
Somente quem olhava por tempo suficiente notaria:
Alguns pixels se rearranjavam numa frequência específica.
Sinal de transmissão oculta.
Pisquei devagar, concentrei a visão no mapa flutuante.
Aos poucos, os pontos vermelhos de fortaleza formavam algo novo.
> “CLASSE PRIME \= ISCA”
Meu sangue gelou.
Não por medo.
Mas por prazer.
Alguém, em tempo real, tinha invadido o sistema da aula para nos mandar uma mensagem.
E não era só uma ameaça.
Era um aviso.
Levantei os olhos devagar.
A professora não tinha notado.
Ninguém tinha.
Exceto…
Lua Valenhardt.
Ela também havia parado de escrever. Estava com os olhos fixos no mapa, sobrancelha tensa, dedos discretamente sobre um cristal de alerta escondido no anel real.
Ela viu.
Mas, ao contrário dos outros… ela não entendeu.
E foi aí que eu vi a fumaça.
Sutil. Saindo da parede mais distante da sala.
Não era fumaça normal.
Era mágica. Corrosiva. Invisível para sensores comuns.
Levantei sem pedir licença.
A professora se virou, indignada:
— “Senhorita D’Argent, aonde pensa que vai?”
— “Evitar que metade da realeza vire carvão, professora.”
Corri até o canto da sala e chutei a parede de madeira falsa.
Atrás dela: um dispositivo mágico, antigo e instável.
Feitiço-bomba.
Tempo até ativação: 00:46 segundos.
O caos começou.
Gritos, alarmes, alunos se levantando em pânico.
A barreira mágica da sala desceu. As portas trancaram por segurança.
E eu?
Ajoelhei na frente da bomba, puxei uma lâmina fina e comecei a desmontar os runas com precisão de cirurgiã.
— “VOCÊ ESTÁ LOUCA?” — alguém gritou.
— “É uma bomba mágica!”
— “Ela vai matar a gente!”
Lua se aproximou, empurrando dois alunos no caminho.
— “Você sabe o que está fazendo?”
— “Sim. E se você continuar falando, vou perder o fio de mana e explodir o prédio.”
Ela recuou.
Mas ficou ali, olhando.
A princesa mais inteligente do reino… deixando outra garota desarmar uma bomba no chão.
Última runa.
Respirei fundo.
Cortei.
Silêncio.
Nada explodiu.
O mapa no centro da sala se apagou.
A mensagem sumiu.
Mas eu a gravei.
CLASSE PRIME \= ISCA
Me levantei devagar.
Todos me olhavam.
— “A aula foi… interessante,” falei, limpando a poeira da saia.
Lua se aproximou devagar. O rosto ainda controlado, mas havia algo nos olhos dela agora.
Curiosidade?
Respeito?
Ou só… medo?
— “Quem é você?” — ela sussurrou, para que ninguém mais ouvisse.
Olhei bem nos olhos dela.
— “Alguém que você vai ter que acompanhar de perto, princesa.”
Dei uma piscada para ela,e então me levantei e sai da sala antes do alarme de incêndio começar.
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Atualizado até capítulo 70
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