...Katherine...
Ele me encara como se já soubesse a resposta.
Como se o jogo já tivesse começado antes mesmo de eu entrar na sala.
Felipe D’Argent.
Braço esquerdo do rei.
Executor de guerras silenciosas.
E agora… alguém interessado em mim.
— “Não precisa me responder agora,” ele diz, com um sorriso que não engana ninguém. “Mas gostaria que considerasse uma proposta.”
Cruzo os braços, olhando direto nos olhos dele.
Se tem uma coisa que aprendi com o tempo… é que homens como ele não oferecem nada de graça.
— “Você é boa,” ele continua. “Muito melhor do que qualquer relatório conseguiu explicar. Inteligente, invisível, implacável. E ainda por cima… uma das únicas pessoas no reino que conseguem se mover entre o submundo e a elite sem levantar suspeitas.”
Silêncio.
Ele dá um passo à frente.
Se aproxima como quem oferece um presente — ou uma armadilha.
— “E é por isso que quero te dar algo que ninguém mais te daria.”
— “Liberdade.”
Meu sorriso quase quebra. Quase.
— “Você vai poder continuar limpando os porões sujos desse reino — traficantes, assassinos, políticos podres. Eu garanto que não será presa. Nada do que fizer será registrado. Ninguém vai te rastrear.”
— “E como hacker… poderá ter acesso a tudo. Sistemas reais. Códigos secretos. Bancos, arquivos, segredos de Estado. Vai poder entrar onde quiser.”
Parece bom demais pra ser verdade.
E é por isso que sei: tem um porém.
Ele respira fundo e conclui:
— “Em troca, você será guarda-costas da princesa.”
— “Viverá no castelo. Ficará de olho nela, protegerá sua vida, seguirá seus passos.”
A princesa.
A garota dourada. A intocável.
A filha perfeita do rei que vive cercada de luxo e mentiras.
A garota que eu não posso matar.
Mas posso vigiar.
Meus olhos fixam nos dele. Por um momento, silêncio total.
Por dentro, minha mente já trabalha:
> Acesso total.
Imunidade judicial.
Proximidade direta da família real.
E liberdade total de ação.
E então eu percebo…
Ele não está me contratando.
Ele está me testando.
— “E se eu recusar?” — pergunto, com voz doce.
Ele sorri, sereno:
— “Então alguém menos qualificada vai assumir seu lugar. E talvez… o mundo descubra tudo que você vem escondendo.”
Ah.
Aí está o veneno.
Mas o que ele não sabe é que veneno… eu tomo no café da manhã.
Levanto o queixo e respondo, com o sorriso mais perigoso que já usei:
— “Quando começamos?”
— “Só tem um detalhe,” ele diz, ajeitando os punhos da camisa como se estivesse falando de algo trivial.
Mas nada no que ele diz é trivial.
— “Você tem dezesseis. E, oficialmente, menores não podem fazer parte de operações como essa. Nem viver no castelo sem explicações...”
Ele dá mais um passo, e o mundo parece segurar a respiração.
— “Então… a partir de hoje, você será minha filha.”
O silêncio que se segue não é desconfortável.
É calculado.
Eu o encaro. Ele não está brincando.
Felipe D’Argent está prestes a assinar o maior disfarce da minha vida.
— “Adotar?” — repito, fingindo surpresa. — “Achei que esse tipo de coisa era só fachada emocional.”
Ele sorri, mas dessa vez… há algo de sombrio no sorriso.
— “E é. Totalmente fachada. Mas uma fachada muito útil.”
Volto a andar devagar pela sala, sem tirar os olhos dele.
— “E a princesa?”
— “Não pode saber quem você é. Nem o que faz. Pra ela, você será só minha filha… recém-apresentada ao mundo real após anos vivendo longe da capital.”
— “Ela vai te tratar como igual. Vai confiar em você. Vai te contar tudo.”
Eu paro. A cabeça analisa as vantagens:
> Proximidade total da herdeira.
Acesso irrestrito aos cômodos privados do castelo.
Códigos, protocolos, rede interna… tudo estará ao alcance.
E o disfarce? Irretocável.
Mas também tem riscos.
Felipe me adotando me coloca sob os olhos da elite.
E por mais que o mundo ache que sou só uma “garota bonita e inteligente”…
Toda máscara um dia racha.
— “Você vai viver sob meu teto,” ele continua, “com acesso total ao castelo e à família real. Terá treinamento oficial, reuniões falsas, e liberdade sob meus protocolos.”
Ele se aproxima mais. A voz baixa, afiada.
— “Mas, até completar vinte e um anos, Katherine… você será, para o mundo, minha filha. E isso significa que tudo o que você fizer… também será minha responsabilidade.”
Eu sorrio.
— “Então você realmente confia em mim?”
— “Não,” ele diz. “Mas confio no que você quer.”
Ele me conhece.
Sabe que não quero família.
Nem segurança.
Nem afeto.
Eu quero acesso.
E agora eu tenho.
Estendo a mão.
— “Então tá feito.”
Felipe aperta, firme.
Naquele momento, eu não sou mais uma órfã.
Sou Katherine D’Argent.
E o castelo… vai ser meu novo playground.
......................
Felipe se afasta da lareira, caminha até a mesa da diretora e pega um envelope preto, selado com o brasão da família real: duas espadas cruzadas sob uma rosa. Um símbolo de poder… e de manipulação.
Ele me estende o envelope.
— “A partir de amanhã, você não frequenta mais a Escola Real Suprema,” ele diz, como se estivesse me liberando de uma obrigação banal. “Você vai estudar na Instituição Alta da Coroa.”
O nome pesa no ar como chumbo.
É a escola secreta da elite real.
Onde só príncipes, herdeiros militares e magos conselheiros estudam.
Onde cada aluno tem guarda-costas, aulas de estratégia real, magia, política e manipulação.
E onde ninguém como eu jamais deveria pisar.
— “Você precisa se adaptar rápido,” ele continua. “A princesa estuda lá. E é lá que ela vai te conhecer.”
Olho o envelope, depois para ele.
— “E se alguém suspeitar?”
— “Eles não suspeitam de filhos adotivos,” ele responde, tranquilo. “Eles subestimam.”
Meu sorriso retorna.
É verdade. E é exatamente assim que eu venço.
Ele vira-se para a porta, mas antes de sair, acrescenta:
— “O uniforme já está no seu quarto. Amanhã, às seis, eu venho te buscar. Primeiro passamos pela escola. Depois… pela nossa casa.”
“Nossa casa.”
Duas palavras que não significam nada pra mim.
Mas servem bem como fachada.
Ele sai. A diretora, eufórica como uma criança em festa, mal consegue esconder o orgulho de ter recebido um homem como Felipe no orfanato.
Enquanto ela fala sozinha, eu me retiro, sem pressa.
No quarto, o pacote está sobre a cama.
Desfaço o laço.
O uniforme da Instituição Alta da Coroa é preto e carmesim. Luxuoso, fechado até o pescoço, com cortes de guerra.
Tem um brilho sutil.
Como se dissesse: quem veste isso pode mandar matar com uma palavra só.
Visto-o no espelho. Me olho.
A menina do orfanato se foi.
O hacker das sombras, o fantasma das noites, agora vai andar sob holofotes.
Mas nada muda, no fundo.
Eu continuo sendo eu.
E o reino continua sendo meu campo de caça.
Só que agora… com aprovação oficial.
...----------------...
O relógio marcava 5h57 da manhã quando terminei de me vestir.
Cabelo preso de forma impecável. Olhos vermelhos realçados por um delineado suave. Uniforme preto e carmesim justo ao corpo, como uma segunda pele.
Nada fora do lugar.
Porque nesse novo mundo… tudo é observado.
A mochila nas costas está leve.
Só o necessário. O resto — informações, backups, planos — já está guardado em servidores remotos que ninguém jamais vai descobrir.
Olho o quarto pela última vez.
A cama de ferro torto.
A janela com a grade levemente serrada (sim, fui eu).
As paredes frias e sem cor.
Não sinto nada.
A diretora bate à porta com aquele entusiasmo falso de sempre.
— “Katherine! Ele já chegou. Está te esperando na frente.”
Sigo ela em silêncio.
O orfanato ainda está adormecido. As outras meninas nem sabem que eu tô indo embora. E sinceramente? Nem deveriam.
Elas viverão suas vidas de sempre.
Enquanto eu… vou pra um lugar onde um erro pode significar execução pública.
O corredor até a saída parece mais longo hoje.
E então vejo ele.
Felipe está parado ao lado de um carro preto fosco, com o emblema da Coroa pintado em prata no capô. Um motorista o aguarda ao lado da porta aberta.
Ele me observa como se estivesse avaliando um ativo valioso.
— “Pontual,” ele diz.
— “Sempre fui,” respondo.
A diretora se aproxima, sorrindo feito uma idiota.
— “Ela é uma menina muito especial, senhor Felipe. Tenho certeza de que vai se sair muito bem.”
— “Eu sei que vai,” ele responde, sem olhar pra ela.
Eu apenas dou um leve aceno. Nenhum abraço. Nenhuma lágrima. Nada de discurso.
Esse lugar nunca foi lar.
Felipe abre a porta traseira e me espera entrar.
Quando me sento, olho pela janela uma última vez.
O orfanato já está ficando pra trás.
A poeira sobe com o vento.
E eu?
Eu estou indo direto pro centro do jogo.
Com um novo nome.
Uma nova missão.
E as mãos ainda sujas de sangue — escondidas por luvas elegantes.
O carro desliza pelas avenidas douradas da capital como se o tempo estivesse anestesiado. Felipe senta ao meu lado, impecável como sempre, os olhos fixos no visor de dados embutido no banco da frente. Ele não fala por um tempo. Até que, sem desviar o olhar, solta:
— “A Instituição Alta da Coroa é diferente de qualquer lugar que você já conheceu.”
Fico em silêncio. Ele continua.
— “Lá dentro, todos são filhos do poder. Gente treinada pra liderar, manipular, esmagar. Cada aluno tem guarda-costas, seguranças, rastreadores… e olhos voltados para a Coroa.”
— “Ótimo,” digo, com sarcasmo leve. “Sempre quis uma plateia.”
Ele lança um olhar rápido.
— “Kath,” diz, com um tom um pouco mais sério, “você vai ser observada desde o segundo que pisar lá. E por mais que eu tenha autorizado sua liberdade… hoje é o seu primeiro dia. Então, um conselho.”
Ele se inclina ligeiramente na minha direção. A voz firme, mas calma.
— “Não mate ninguém.”
Sorrio. De canto.
— “Nem se merecerem?”
— “Principalmente se merecerem.”
Encostei a cabeça no vidro e respirei fundo.
O carro diminuiu a velocidade conforme nos aproximamos do portão principal da escola. A estrutura era imensa — muralhas de pedra escura com vitrais vermelhos, torres de observação, câmeras escondidas, jardins perfeitamente simétricos. Tudo exalava controle.
E poder.
Ao entrar, o carro foi escoltado por dois guardas em trajes cerimoniais. Felipe me levou direto ao prédio administrativo. Subimos os degraus sob os olhares de alunos e professores que paravam ao nos ver passar.
Filha de Felipe D’Argent.
Nova aluna.
Nova ameaça.
Na sala da diretora, tudo era feito de mármore e silêncio.
A mulher atrás da mesa era alta, severa, com cabelo preso em um coque afiado e olhos que analisavam como lâminas.
— “Senhor D’Argent,” disse ela, levantando-se com respeito incomum. “É uma honra.”
Ele assentiu, cortando a formalidade.
— “Vim finalizar a documentação da minha filha.”
Me sentei ao lado dele, em silêncio. Assinei os papéis com calma.
Nome novo. Identidade nova.
Katherine D’Argent.
Filha adotiva do braço esquerdo do rei.
A diretora nos observava com interesse clínico.
— “Bem-vinda à Instituição Alta da Coroa, senhorita D’Argent,” ela disse com um leve sorriso. “Acredito que sua presença… trará movimentação.”
Tradução: Estamos de olho em você.
Ela passou um crachá preto com detalhes dourados e um símbolo especial que nenhum outro aluno tinha.
Autorização total.
— “Seu quarto está pronto. Seu cronograma de aulas começa amanhã. Por hoje…” — ela me entregou um mapa holográfico do campus — “recomendo que explore. E memorize tudo. Aqui, quem se perde… fica pra trás.”
Assenti.
Felipe apenas se levantou.
— “Às seis, a limusine real te leva para casa.”
— “Casa,” repeti, como quem experimenta uma palavra nova.
Ele sorriu de leve. Depois foi embora, sem mais nada.
Agora era só eu.
E um colégio inteiro prestes a conhecer a garota que ninguém deveria provocar.
O campus da Instituição Alta da Coroa parecia mais um campo de guerra disfarçado de paraíso. Jardins perfeitos, fontes douradas, torres mágicas, e um céu azul irreal demais pra ser confiável.
Andava em silêncio, observando tudo — os padrões de patrulha dos guardas, as saídas de emergência, o movimento dos drones escondidos nas copas das árvores. Cada detalhe, registrado.
Até que, é claro… alguém resolve me atrapalhar.
— “Você deve ser a filha do D’Argent,” diz uma voz arrogante atrás de mim. “Achei que ele fosse mais exigente com a aparência.”
Viro devagar.
Um garoto. Alto, herdeiro de algum clã nobre, cabelo cuidadosamente bagunçado, sorriso debochado de quem nunca levou um não. E já estou decidida: se ele me seguir por mais dois minutos, vou quebrar o nariz dele.
— “Você fala sempre ou só quando ninguém te perguntou nada?” — respondo, calma.
— “Olha, ela tem língua afiada. Isso vai render,” ele ri, se colocando na minha frente.
Penso em mil formas de matá-lo discretamente. Todas eficientes.
Mas aí me lembro da voz de Felipe:
> “Não mate ninguém.”
Suspirei.
Virei o corpo e comecei a andar em outra direção, com toda a calma que consegui fingir. Atrás de mim, ainda ouvi uma última provocação:
— “Tá fugindo? Que tipo de princesa você é?”
Mas antes que eu pudesse decidir se quebrava a promessa só um pouquinho...
O alarme vermelho disparou.
Sirene aguda. Gritos. Um campo mágico explodiu em luz acima de nós.
Algo tinha invadido o campus.
— “Todos para os abrigos!” — gritava um guarda com lança mágica na mão.
Foi então que vi a criatura.
Saindo das sombras atrás da biblioteca central: pele preta como carvão em brasa, olhos amarelos, garras longas arrastando no chão.
Um Devorador.
Criatura rara, antiga. E perigosa o bastante pra justificar alerta real.
Meu instinto gritou: mate.
Mas minha mente gritou mais alto: não pode chamar atenção. Ainda não.
Então corri.
Corri com a multidão. Como se fosse normal. Como se não tivesse uma lâmina escondida sob a manga.
Me misturei com os alunos, saltando escadas, desviando de escudos mágicos e alarmes que disparavam palavras de ordem.
Olhei pra trás. A criatura estava no telhado, farejando o ar.
Ela queria algo.
Ou alguém.
Quando virei o rosto de novo pra frente…
BAM.
Bati de frente com alguém.
Meus lábios colidiram com os dela.
Por um segundo, tudo ficou em silêncio.
Um beijo.
Rápido.
Imprevisto.
No meio do caos.
Recuei. Piscando. Ela também.
A garota me olhou com um misto de surpresa e desprezo.
— “Você ousa esbarrar em mim?” — disse com a voz arrogante, erguendo o queixo.
Era ela.
Cabelos dourados como se fossem tecido por magia.
Olhos azuis gelados, como a realeza ama exibir.
Postura impecável, mesmo no meio da confusão.
A princesa.
É claro.
De todas as pessoas do mundo… eu fui esbarrar logo na maldita herdeira do trono.
Ela limpou a boca com o dorso da mão, como se quisesse apagar o toque.
Eu apenas sorri. Um sorriso frio. Contido.
— “Pelo menos agora posso dizer que beijei realeza,” falei, sarcástica.
Os olhos dela se estreitaram.
A guerra estava declarada.
E eu mal tinha começado o primeiro dia.
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Afiq Danial Mohamad Azmir
Essa história é top!
2025-06-20
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