Ainda diante dela, estendi a minha mão e fiz o convite.
— O que acha de conhecer Roma? Já que você é nova aqui, talvez queira dar uma volta e conhecer o lugar em minha companhia. Prometo não ser entediante, sou divertido.
— Não dispensaria esse convite por nada.
Ela não pegou em minha mão, como eu esperava. Apenas passou por mim, deixando o rastro do seu perfume feminino, e o cheiro doce dos seus cabelos.
Porra, que mulher!
Ela tem um jeito de olhar como se estivesse no controle. O corpo relaxado, o sorriso equilibrado, a pose estudada de quem finge não estar em missão nenhuma. Mas eu sei. Sei quem ela é. Sei quem a enviou. Sei o que ela quer.
Selena Leclerc. Vinte e oito anos. detetive do Serviço Nacional de Inteligência, trabalhando há sete anos para capturar um fantasma. Noiva de um CEO. — e agora sentada ao meu lado, disfarçada de mulher casual em uma noite qualquer.
O dossiê chegou enquanto estávamos no carro. Enviado por Sérgio. Rápido, direto, completo. Nome real, histórico, acessos anteriores, todos os perfis que ela já assumiu em outras infiltrações. E a assinatura no final: autorizada por Richard Andersson, o mesmo idiota que enviou outros antes dela.
A diferença?
Ela chegou mais perto. Ela é melhor. Mas ainda assim não o suficiente.
Fechei o arquivo e guardei o celular. Me virei para ela e sorri com a mesma leveza que uso quando alguém está prestes a perder e ainda não percebeu.
— Gosta de rooftops com vista histórica?
Ela me olhou com uma leve surpresa, mas respondeu com a mesma confiança teatral.
— Quem não gosta?
— Ótimo. — Fiz sinal para o motorista. — Tenho um lugar em mente.
O carro deslizou pelas ruas de Roma com o conforto de quem tem caminho livre. Dentro, o silêncio era macio, o couro dos bancos absorvia tudo — até as mentiras.
Ela observava pela janela. Evitava me encarar diretamente. Provavelmente preocupada com o que diria, com o que revelaria sem querer. E eu? Eu apenas observava. Uma outra mulher, aproveitaria aquele momento, sentaria em meu colo, me beijaria e tentaria arrancar alguma informação, por mais pequena que fosse. Mas ela é diferente, não fez isso.
A postura dela. Os dedos cruzados no colo. A maneira como respirava um pouco mais devagar cada vez que eu a fitava.
Ela está atenta. Mas não percebeu que o jogo já começou — e que as cartas dela estão todas viradas sobre a mesa. Só eu ainda escondo as minhas.
O lugar escolhido era uma suíte privada no último andar de um hotel boutique — discreto, elegante, com segurança invisível e janelas amplas para a cidade. A varanda dava para o Coliseu. Uma visão projetada para tirar o fôlego e distrair a mente.
Ela saiu do carro com naturalidade, seguimos até o elevador. Mas eu percebi o leve tensionar do maxilar. Ela não estava tão à vontade quanto fingia. Ficar sozinho comigo em um lugar discreto, provavelmente não era uma boa opção. Não para ela.
Melhor assim.
Lá em cima, a suíte nos aguardava com vinho já gelado.
— Belo lugar. — ela disse, observando a varanda.
— Eu gosto de silêncio. E de lugares onde ninguém escuta o que não deve.
Ela soltou uma risada baixa.
— Prático. Conveniente. Quantas mulheres já trouxe pra cá?
— Várias que adoram serem bem fodidas. — Vi o momento em que ela engoliu em seco. Ri e peguei duas taças. — Chianti, 2005. Espero que goste.
— Perfeito. — ela desviou o olhar.
Nos sentamos em poltronas de frente para a cidade. A luz tocava apenas nossos rostos. A tensão se espalhava com elegância.
Tomei um gole de vinho. Depois, a olhei nos olhos.
— Roma costuma atrair todo tipo de visitante. Especialmente os que dizem ser outra coisa.
Ela sustentou meu olhar.
— E o que acha que eu sou?
— Acho que é muito boa no que faz. — Respondi com a suavidade de quem elogia um inimigo com uma rosa na mão.
Ela não respondeu imediatamente. Apenas tomou mais um gole de vinho.
Percebi que calculava as palavras.
— E você? — perguntou, com leve inclinação de cabeça. — Quem é, além de alguém que conhece arte, vinhos e rooftops perfeitos?
— Alguém que já viu de tudo... menos uma mulher corajosa como você, que ousa se enfiar em territórios desconhecidos.
Ela sorriu. Mas o olhar denunciava uma cautela contida. Um aviso mudo de que algo estava fora do lugar.
E eu pretendia mantê-la assim.
Ela levantou e caminhou até a varanda, deixei minha taça vazia de lado e me juntei a ela. O vento bagunçou alguns fios dos seus cabelos. Ela se aproximou do parapeito, encarando a cidade com a calma de uma atriz ensaiada. Estava nítido que queria fugir do assunto.
— Linda vista. — disse, quase num sussurro.
— É. Mas essa noite, Roma não é o que me interessa.
Ela virou o rosto na minha direção, séria por um instante.
— Então o que te interessa, senhor Ravelo?
— O que está tentando descobrir aqui, Camille? Ou devo chamá-la de Selena Leclerc?
Ela piscou devagar. Frio. Cautela. Mente trabalhando. Respirou fundo e sorriu.
— Eu disse que sou arquiteta. Gosto de ambientes históricos. E não sou Selena Leclerc, me chamo Camille. Deve estar me confundindo com alguém.
— Não estou. Sei que agentes de inteligência gostam de ambientes discretos.
Ela não reagiu de imediato.
— Você fala como alguém que conhece agentes.
— Conheço o suficiente para saber que você tenta mentir muito bem, mas falhou dessa vez. Aviso a você, está se metendo em um mundo perigoso.
Ela se virou por completo agora. As mãos firmes na taça. Mas o olhar? Ainda tentando manter o papel.
— E você fala como alguém que está desconfiado demais para alguém que só queria conversar.
Cheguei perto. Bem perto. Tão perto que eu senti seu calor, seu perfume e principalmente sua respiração acelerada. Ah, e como eu adorei saber que ela está tão afetada.
— Eu sou desconfiado. É o que me mantém vivo.
Ela me encarou com um desafio contido. E eu retribuí com um sorriso leve.
— Mas não se preocupe. Ainda acredito que você só queria apreciar a arte, o vinho e uma boa companhia.
Ela soltou o ar devagar. Um riso suave escapou.
— Ainda?
— Vamos dizer que minha tolerância a surpresas, varia conforme o vestido da pessoa.
Ela deu um passo para trás, retomando espaço.
— E sua tolerância a mentiras?
— Depende de quem está mentindo. — Me aproximei novamente. — E o quanto ela acredita que eu ainda não descobri.
Ela se calou.
— Você sempre é assim com todas as suas convidadas? — ela provocou, tentando retomar o controle.
— Não. Algumas eu ignoro completamente.
— Então por que me trouxe aqui?
— Porque você mente com talento. E gosto de entender o que move pessoas talentosas.
Ela sustentou o olhar nos meus, e rapidamente me mostrou uma arma. Ela é rápida, não vou mentir.
Selena Leclerc queria brincar. Queria jogar como se o mundo ainda estivesse nas mãos dela. E talvez, em outra situação, ela ganhasse. Mas não hoje. Não comigo.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Keila Mar
ele não seria quem é se fosse descuidado
2025-06-18
4
Maria Betânia
Autora vc sempre arasa na suas histórias!. Eu fico sempre de olho nas notificações pra ver se tem alguma suas,estou amando cada capítulo.
2025-06-21
1
Maria Sena
Olha, devo confessar que a Selena é corajosa viu, vai pra toca, mesmo sabendo que pode se tornar uma armadilha, Eu não sei se eu conseguiria manter a mentira por muito tempo, o medo e nervosismo já tinha me deletado há muito tempo.
2025-06-26
1