Capítulo 3

Ainda diante dela, estendi a minha mão e fiz o convite.

— O que acha de conhecer Roma? Já que você é nova aqui, talvez queira dar uma volta e conhecer o lugar em minha companhia. Prometo não ser entediante, sou divertido.

— Não dispensaria esse convite por nada.

Ela não pegou em minha mão, como eu esperava. Apenas passou por mim, deixando o rastro do seu perfume feminino, e o cheiro doce dos seus cabelos.

Porra, que mulher!

Ela tem um jeito de olhar como se estivesse no controle. O corpo relaxado, o sorriso equilibrado, a pose estudada de quem finge não estar em missão nenhuma. Mas eu sei. Sei quem ela é. Sei quem a enviou. Sei o que ela quer.

Selena Leclerc. Vinte e oito anos. detetive do Serviço Nacional de Inteligência, trabalhando há sete anos para capturar um fantasma. Noiva de um CEO. — e agora sentada ao meu lado, disfarçada de mulher casual em uma noite qualquer.

O dossiê chegou enquanto estávamos no carro. Enviado por Sérgio. Rápido, direto, completo. Nome real, histórico, acessos anteriores, todos os perfis que ela já assumiu em outras infiltrações. E a assinatura no final: autorizada por Richard Andersson, o mesmo idiota que enviou outros antes dela.

A diferença?

Ela chegou mais perto. Ela é melhor. Mas ainda assim não o suficiente.

Fechei o arquivo e guardei o celular. Me virei para ela e sorri com a mesma leveza que uso quando alguém está prestes a perder e ainda não percebeu.

— Gosta de rooftops com vista histórica?

Ela me olhou com uma leve surpresa, mas respondeu com a mesma confiança teatral.

— Quem não gosta?

— Ótimo. — Fiz sinal para o motorista. — Tenho um lugar em mente.

O carro deslizou pelas ruas de Roma com o conforto de quem tem caminho livre. Dentro, o silêncio era macio, o couro dos bancos absorvia tudo — até as mentiras.

Ela observava pela janela. Evitava me encarar diretamente. Provavelmente preocupada com o que diria, com o que revelaria sem querer. E eu? Eu apenas observava. Uma outra mulher, aproveitaria aquele momento, sentaria em meu colo, me beijaria e tentaria arrancar alguma informação, por mais pequena que fosse. Mas ela é diferente, não fez isso.

A postura dela. Os dedos cruzados no colo. A maneira como respirava um pouco mais devagar cada vez que eu a fitava.

Ela está atenta. Mas não percebeu que o jogo já começou — e que as cartas dela estão todas viradas sobre a mesa. Só eu ainda escondo as minhas.

O lugar escolhido era uma suíte privada no último andar de um hotel boutique — discreto, elegante, com segurança invisível e janelas amplas para a cidade. A varanda dava para o Coliseu. Uma visão projetada para tirar o fôlego e distrair a mente.

Ela saiu do carro com naturalidade, seguimos até o elevador. Mas eu percebi o leve tensionar do maxilar. Ela não estava tão à vontade quanto fingia. Ficar sozinho comigo em um lugar discreto, provavelmente não era uma boa opção. Não para ela.

Melhor assim.

Lá em cima, a suíte nos aguardava com vinho já gelado.

— Belo lugar. — ela disse, observando a varanda.

— Eu gosto de silêncio. E de lugares onde ninguém escuta o que não deve.

Ela soltou uma risada baixa.

— Prático. Conveniente. Quantas mulheres já trouxe pra cá?

— Várias que adoram serem bem fodidas. — Vi o momento em que ela engoliu em seco. Ri e peguei duas taças. — Chianti, 2005. Espero que goste.

— Perfeito. — ela desviou o olhar.

Nos sentamos em poltronas de frente para a cidade. A luz tocava apenas nossos rostos. A tensão se espalhava com elegância.

Tomei um gole de vinho. Depois, a olhei nos olhos.

— Roma costuma atrair todo tipo de visitante. Especialmente os que dizem ser outra coisa.

Ela sustentou meu olhar.

— E o que acha que eu sou?

— Acho que é muito boa no que faz. — Respondi com a suavidade de quem elogia um inimigo com uma rosa na mão.

Ela não respondeu imediatamente. Apenas tomou mais um gole de vinho.

Percebi que calculava as palavras.

— E você? — perguntou, com leve inclinação de cabeça. — Quem é, além de alguém que conhece arte, vinhos e rooftops perfeitos?

— Alguém que já viu de tudo... menos uma mulher corajosa como você, que ousa se enfiar em territórios desconhecidos.

Ela sorriu. Mas o olhar denunciava uma cautela contida. Um aviso mudo de que algo estava fora do lugar.

E eu pretendia mantê-la assim.

Ela levantou e caminhou até a varanda, deixei minha taça vazia de lado e me juntei a ela. O vento bagunçou alguns fios dos seus cabelos. Ela se aproximou do parapeito, encarando a cidade com a calma de uma atriz ensaiada. Estava nítido que queria fugir do assunto.

— Linda vista. — disse, quase num sussurro.

— É. Mas essa noite, Roma não é o que me interessa.

Ela virou o rosto na minha direção, séria por um instante.

— Então o que te interessa, senhor Ravelo?

— O que está tentando descobrir aqui, Camille? Ou devo chamá-la de Selena Leclerc?

Ela piscou devagar. Frio. Cautela. Mente trabalhando. Respirou fundo e sorriu.

— Eu disse que sou arquiteta. Gosto de ambientes históricos. E não sou Selena Leclerc, me chamo Camille. Deve estar me confundindo com alguém.

— Não estou. Sei que agentes de inteligência gostam de ambientes discretos.

Ela não reagiu de imediato.

— Você fala como alguém que conhece agentes.

— Conheço o suficiente para saber que você tenta mentir muito bem, mas falhou dessa vez. Aviso a você, está se metendo em um mundo perigoso.

Ela se virou por completo agora. As mãos firmes na taça. Mas o olhar? Ainda tentando manter o papel.

— E você fala como alguém que está desconfiado demais para alguém que só queria conversar.

Cheguei perto. Bem perto. Tão perto que eu senti seu calor, seu perfume e principalmente sua respiração acelerada. Ah, e como eu adorei saber que ela está tão afetada.

— Eu sou desconfiado. É o que me mantém vivo.

Ela me encarou com um desafio contido. E eu retribuí com um sorriso leve.

— Mas não se preocupe. Ainda acredito que você só queria apreciar a arte, o vinho e uma boa companhia.

Ela soltou o ar devagar. Um riso suave escapou.

— Ainda?

— Vamos dizer que minha tolerância a surpresas, varia conforme o vestido da pessoa.

Ela deu um passo para trás, retomando espaço.

— E sua tolerância a mentiras?

— Depende de quem está mentindo. — Me aproximei novamente. — E o quanto ela acredita que eu ainda não descobri.

Ela se calou.

— Você sempre é assim com todas as suas convidadas? — ela provocou, tentando retomar o controle.

— Não. Algumas eu ignoro completamente.

— Então por que me trouxe aqui?

— Porque você mente com talento. E gosto de entender o que move pessoas talentosas.

Ela sustentou o olhar nos meus, e rapidamente me mostrou uma arma. Ela é rápida, não vou mentir.

Selena Leclerc queria brincar. Queria jogar como se o mundo ainda estivesse nas mãos dela. E talvez, em outra situação, ela ganhasse. Mas não hoje. Não comigo.

Mais populares

Comments

Keila Mar

Keila Mar

ele não seria quem é se fosse descuidado

2025-06-18

4

Maria Betânia

Maria Betânia

Autora vc sempre arasa na suas histórias!. Eu fico sempre de olho nas notificações pra ver se tem alguma suas,estou amando cada capítulo.

2025-06-21

1

Maria Sena

Maria Sena

Olha, devo confessar que a Selena é corajosa viu, vai pra toca, mesmo sabendo que pode se tornar uma armadilha, Eu não sei se eu conseguiria manter a mentira por muito tempo, o medo e nervosismo já tinha me deletado há muito tempo.

2025-06-26

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!