Entre o Amor e o Crime
O bar "Noite Sem Lei" ficava no coração da Zona Norte do Rio de Janeiro. Era um lugar de esquina, com luzes vermelhas piscando, cheiro de cigarro misturado com álcool barato e uma trilha sonora constante de pagode e tiros ao fundo. Frequentado por bandidos, agiotas, pequenos traficantes e mulheres que aprendiam cedo que seduzir era, às vezes, uma questão de sobrevivência.
Atrás do balcão, Laura enxugava copos com um pano encardido, enquanto observava a vida passar do outro lado do vidro sujo. Tinha 27 anos, olhos castanhos que mais pareciam duas armadilhas, pele morena dourada e cabelos longos, lisos, que desciam até a cintura. Sua beleza era o tipo que, ao mesmo tempo que atraía, afastava. Porque quem se apaixonasse por ela… sabia que estava perdido.
— Laura! — gritou Seu Juca, o dono do bar, um homem gordo, careca, com hálito de cachaça. — Mesa três tá chamando. E vê se capricha no sorriso, né? Tá parecendo que tá num velório!
Ela respirou fundo, segurando o impulso de responder. O salário miserável mal pagava as contas, mas era o que ela tinha. Pegou duas cervejas, ajeitou o decote da blusa apertada e foi em direção à mesa três.
Ao se virar, a porta do bar se abriu com um estrondo. O silêncio que se seguiu foi instantâneo, pesado, quase assustador. Até a música parou. Todos olharam.
E foi quando ela viu ele.
Alto, mais de um metro e noventa. Cabelos pretos bem aparados, barba por fazer, olhar frio como aço. Usava um terno preto impecável, contrastando com o ambiente decadente. Na mão esquerda, um relógio Rolex que valia mais do que todo o bar. Na cintura, uma pistola Glock discretamente escondida sob o paletó. No rosto, aquele olhar... o olhar de quem nunca precisou pedir nada. Apenas tomava.
Era Enzo Moretti.
Dizem que ele não nasceu no crime... ele foi moldado por ele. Filho de um italiano foragido e uma brasileira das comunidades cariocas, Enzo cresceu aprendendo que, na vida, ou você manda... ou é mandado. Aos trinta e dois anos, era o braço direito de Ricardo "O Cobra", o chefão mais temido da máfia brasileira.
Seus olhos cruzaram com os de Laura. Foi um segundo, talvez dois, mas ela sentiu como se o chão tivesse sumido. Um frio percorreu sua espinha, e seu coração bateu mais rápido, sem permissão.
Ele caminhou até o balcão, ignorando olhares, sussurros e o medo que se espalhava ao seu redor.
— Uma dose de whisky. Do bom — sua voz era grave, firme, rouca, com um leve sotaque carregado de perigo.
Laura, sem perceber, ficou olhando. E ele notou.
— Algum problema? — ele perguntou, arqueando uma sobrancelha, com um sorriso que não era bem um sorriso... era uma promessa de problema.
Ela engoliu seco, abaixou o olhar e pegou o copo.
— Nenhum... senhor — respondeu, tentando manter a voz firme.
Enquanto colocava o whisky, suas mãos tremiam levemente. Ele percebeu e, pela primeira vez na noite, seus olhos suavizaram, como se aquele gesto a humanizasse para ele.
— Seu nome? — perguntou, enquanto girava o líquido âmbar no copo.
— Laura — respondeu, sem olhar nos olhos dele.
— Bonito... — ele disse, levando o copo à boca. — Combina contigo.
Ela respirou fundo, tentando controlar a aceleração do próprio peito.
— Não costumo puxar papo com clientes — rebateu, tentando soar firme, mas sua voz traiu um leve tremor.
Ele riu de canto.
— E eu não costumo frequentar lugares assim... Mas hoje... — Enzo deslizou um maço de dinheiro no balcão — ... hoje é uma noite diferente.
Laura olhou o maço. Devia ter pelo menos uns cinco mil reais ali, em notas de cem. Seu coração bateu mais forte. Aquilo era mais do que ela ganhava em dois meses.
Ele percebeu o olhar dela e se aproximou, inclinando-se sobre o balcão, tão perto que ela pôde sentir o perfume amadeirado misturado com pólvora, dinheiro e perigo.
— Isso... — apontou para o dinheiro — ... é só o começo. Se você quiser.
— O que... o que você quer? — perguntou, tentando soar desafiadora, mas falhando miseravelmente.
Ele não respondeu de imediato. Apenas olhou, de cima a baixo, analisando cada detalhe dela. Não como quem observa uma mulher, mas como quem escolhe uma peça rara, preciosa... e perigosa.
— Quero saber... — ele finalmente disse, com a voz mais baixa, rouca — ... se você sabe reconhecer quando a vida tá te oferecendo uma chance.
O silêncio entre eles foi interrompido por Seu Juca, que apareceu atrás.
— Tá tudo certo aqui? — perguntou, nervoso, olhando para Enzo com aquele medo típico de quem sabe exatamente com quem estava lidando.
Enzo nem se virou.
— Tá, velho. Vai cuidar do seu bar — respondeu, firme, como quem manda até sem olhar.
Laura segurou o copo, respirou fundo e criou coragem.
— E se eu não quiser essa "chance"? — desafiou, encarando-o pela primeira vez, olhos nos olhos.
Ele sorriu. E esse sorriso, sim, era perigoso. Mais do que qualquer arma.
— A vida sempre dá escolhas, Laura... — bebeu o restante do whisky e colocou o copo vazio no balcão — ... só que algumas escolhas têm preço. E outras... consequências.
Ele então colocou uma nota de mil sobre o balcão.
— Pelo seu tempo — disse, se levantando. — Nos vemos em breve.
Quando Enzo saiu, o bar inteiro respirou. Era como se uma tempestade tivesse passado. Seu cheiro, sua presença, sua marca... ficou ali.
E ficou também no peito de Laura... que, pela primeira vez em muito tempo, sentiu medo. Não medo do que ele poderia fazer.
Medo... do que ele poderia fazer com ela.
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Atualizado até capítulo 28
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