Os Meus Demônios, a Sua Prisão

Os Meus Demônios, a Sua Prisão

Capítulo 1 – A Queda das Máscaras

Capítulo 1 – A Queda das Máscaras

O cheiro de gardênias, outrora sinônimo de lar e verões despreocupados, foi substituído por uma nota sutil e medicinal no ar pesado daquela tarde. Ao descer do táxi e cruzar os portões familiares, Isis sentiu um pressentimento frio na espinha, uma certeza muda de que a cidade para a qual retornava não era a mesma que ela deixara para trás. Os prédios eram sombras desbotadas, fantasmas de um tempo mais vibrante. Ela estava de volta, finalmente formada em engenharia – uma trincheira solitária fincada contra a maré das expectativas paternas, a única terra firme onde ela se sentia inteira.

O futuro acenava com a promessa de uma entrevista em uma empresa de prestígio, a chance tênue de finalmente empunhar as rédeas da própria vida, longe das amarras familiares. Mas a apreensão se aprofundava. No andar de cima da casa, uma janela oscilava preguiçosamente na brisa, um detalhe insignificante que, no entanto, gritava em seu silêncio. A casa respirava um silêncio opressor e doentio.

Dentro, a atmosfera era ainda mais densa. Seu pai, Edmundo, estava petrificado na poltrona de couro, o olhar fixo em um ponto invisível no chão, o universo ao seu redor desprovido de qualquer interesse. A garrafa de conhaque e o copo âmbar na mão eram seus únicos companheiros visíveis. Nenhuma faísca de surpresa, nem mesmo de reconhecimento, acendeu em seus olhos quando ela surgiu na porta. A indiferença dele era um muro de gelo que ela conhecia bem demais, mas que nunca deixava de ferir.

Isis hesitou na soleira, observando a figura rígida, absorta em labirintos distantes. A rigidez da postura, o vazio insondável no olhar, tudo sugeria uma mente trancada, inacessível. O copo girava em círculos lentos, um ritual apático.

Então, seus olhos encontraram os da mãe, e o gelo se quebrou, apenas para revelar algo mais frágil e aterrorizante.

O sorriso de Solage floresceu ao vê-la, uma aparição fugaz de calor na frieza da sala, mas era um sorriso pálido, exaurido, como uma flor desidratada no sol. Seus olhos, antes vibrantes, agora evitavam o contato direto, desviando para um ponto além do ombro de Isis, carregando uma sombra de cansaço que pesava anos. Uma hesitação quase imperceptível precedeu suas palavras, sussurradas como um segredo doloroso:

— Minha menina. Estou muito feliz por você estar aqui.

Isis se aproximou rapidamente e envolveu a mãe em um abraço apertado, sentindo a fragilidade alarmante de seu corpo sob o cobertor fino. Ao se afastar um pouco, buscou os olhos da mãe novamente, a urgência na voz:

— Está tudo bem, mamãe? O que está acontecendo?

Solage forçou outro sorriso pálido, a voz adocicada de forma não natural:

— Claro, minha linda! Está tudo ótimo.

Mas a falsidade na doçura soou como uma nota dissonante. Os olhos não sorriam, e o medo que Isis suspeitara agora parecia um facho de luz cruel iluminando a verdade. Uma ponta de desconfiança afiada fincou-se em seu coração, gelando o sangue. O cheiro medicinal... a fragilidade... o olhar evitado...

Foi quando Edmundo resolveu falar, a voz arrastada, grossa pela bebida e pelo desprezo:

— Está tudo bem, como sua mãe disse. Se quisesse saber da família, não teria viajado para estudar tanto tempo fora, não é mesmo?

O golpe verbal atingiu Isis como um estilhaço de gelo direto no peito, paralisando-a. O sangue pareceu gelar em suas veias, e um nó doloroso apertou sua garganta, sufocando a dor e a raiva que começavam a borbulhar.

— Eu fui estudar porque era o meu sonho! Não fui embora para abandonar ninguém! — A voz de Isis tremeu, carregada de uma indignação contida e do velho ressentimento pela falta de apoio dele.

Edmundo ergueu os olhos lentamente, o olhar gélido e calculista que ela tanto odiava, antes de tomar um gole lento e ruidoso do conhaque, como se a presença ou as palavras dela fossem um mero incômodo, indigno de sua atenção plena.

— Então não faça um drama agora. Você escolheu estar longe. As escolhas têm consequências.

Antes que a fúria explodisse, Solage interveio, a voz suave, mas quebradiça, carregada de uma exaustão que parecia pesar toneladas:

— Querida, a viagem foi longa. Por que você não descansa? Amanhã será um dia importante para você.

Havia uma súplica silenciosa nos olhos da mãe, um pedido mudo para que Isis engolisse suas palavras, adiasse o confronto, poupasse Solage de mais sofrimento ou atrito. A mãe parecia exaurida demais para suportar qualquer tempestade. Mesmo contra a fúria que lhe subia à garganta, Isis se calou. Ela escutou a mãe, sim, mas o silêncio que se seguiu era carregado de tudo o que não foi dito, de todas as perguntas que pairavam no ar denso.

Na manhã seguinte, o despertador tocou estridente antes do sol. Isis desligou-o com um tapa hesitante, o corpo ainda pesado. Ao sair do quarto, vestida para a entrevista, viu seu pai saindo de um dos quartos de hóspedes, já vestido e pronto para sair. Aquela cena a atingiu como um choque silencioso, frio. Não era apenas a indiferença; eles não estavam sequer compartilhando o mesmo quarto. A rachadura na fachada familiar era mais profunda do que ela imaginava.

A entrevista foi um sucesso. A Dra. Renata ficou impressionada. No entanto, a pequena vitória de Isis foi imediatamente ofuscada pela preocupação crescente com a mãe. Em vez de voltar para casa, ela encontrou Adriana no café de sempre e despejou suas angústias: a casa estranha, o pai frio, a mãe doente e com medo. A amiga ouviu com atenção, oferecendo apoio, mas a sombra do que acontecia em casa já se tornava maior que a luz de sua nova carreira.

O pressentimento se confirmou, desdobrando-se em meses de corredores de hospital, o som monótono de máquinas e a figura cada vez mais frágil de Solage. Edmundo, um espectro frio, raramente presente de corpo, sempre ausente em espírito, continuava a corroer a esperança com sua indiferença. Isis se dividia entre o trabalho promissor e a rotina exaustiva no hospital, testemunhando a lenta partida da mãe e sentindo o peso da frieza paterna se tornar insuportável.

Então, a inevitável perda aconteceu. A morte de Solage deixou um vazio imenso, um buraco negro de dor e saudade que ameaçava engolir Isis por inteiro. Mas a crueldade de Edmundo ainda guardava seu golpe final. No mesmo dia em que o luto ainda pairava, denso e sufocante, ele quebrou a sanidade do momento. Trouxe para dentro da casa, para o lar que Solage acabara de deixar, a sua amante.

.

Aquele ato... uma profanação. A dor se tornou fúria avassaladora. Como ele podia? Naquele mesmo dia?

— Você não tem vergonha? — Minha voz era puro ódio, cada palavra carregada de desprezo.

Ele ergueu os olhos frios, como se eu fosse a intrusa. A mulher ao lado dele sorriu de um jeito afetado, como se tudo fosse normal. Aquela visão acendeu uma raiva incontrolável.

Num movimento rápido e impensado, agarrei a garrafa de conhaque da mesa e a arremessei contra a parede. O vidro se estilhaçou, o líquido âmbar espalhando-se e nos atingindo.

— Não acabou por aqui! — Gritei, o peito arfando.

A surpresa no rosto dele se transformou em fúria. — Sua selvagem! O que você fez na minha casa?

— Na nossa casa! — Retruquei, sentindo o sarcasmo e a fúria se misturarem na minha voz. — E você perdeu o direito a qualquer respeito no momento em que trouxe essa vagabunda para cá!

— Vá embora! Saia da minha casa agora!

— Com prazer! Mas lembre-se destas palavras.

Saí, refugiando-se no apartamento, a raiva queimando.

Aquele foi o ponto de inflexão brutal. A morte da minha mãe, o confronto carregado de ódio, a presença da amante... tudo escancarou a verdadeira face do meu pai e destruiu qualquer vestígio de afeto. A raiva e a necessidade de justiça se tornaram minha força. Eu viveria no limite para gritar contra a injustiça, para me sentir viva. E para me preparar para o inevitável confronto.

Capítulos
1 Capítulo 1 – A Queda das Máscaras
2 Capítulo 2 – O Golpe da Herança
3 Capítulo 3 – A Frieza da Resolução
4 Capítulo 4 – A Noite e a Queda
5 Capítulo 5 – O Acerto e o Resgate Inesperado
6 Capítulo 6 – O Despertar e o Misterioso Salvador
7 Capítulo 7 – A Proposição e o Limite
8 Capítulo 8 – As Sombras da Reflexão
9 Capítulo 9 – O Dia Seguinte e o Olhar Distante
10 Capítulo 10 – A Tentativa de Normalidade e o Olhar Constante
11 Capítulo 11 – A Tempestade no Apartamento
12 Capítulo 12 – As Teias e a Ressaca
13 Capítulo 13 – Reencontros e Pressões Crescentes
14 Capítulo 14 – Sombras e Ecos do Passado
15 Capítulo 15 – A Notificação e os Planos nas Sombras
16 Capítulo 16 – O Movimento das Peças
17 Capítulo 17 – Dias de Calmaria, Caçada Oculta
18 Capítulo 18 – Ecos do Passado, Olhos no Presente
19 Capítulo 19 – A Tempestade Se Anuncia
20 Capítulo 20 – Armadilhas Invisíveis
21 Capítulo 21 – Pouso no Deserto e o Início do Caos
22 Capítulo 22 – O Despertar no Desconhecido e a Fúria Incendiária
23 Capítulo 23 – Rescaldo e o Jogo de Poder
24 Capítulo 24 – O Gelo, o Fogo e a Melodia do Inferno
25 Capítulo 25 – A Explosão Sob a Pele
26 Capítulo 26 – O Amanhecer da Ressaca Moral e a Tentativa de Conexão
27 Capítulo 27 – A Dança das Meias Ver
28 Capítulo 28 – A Ausência e as Descobertas de Isis
29 Capítulo 29 – As Revelações de Isis e a Intensificação da Guerra
30 Capítulo 30 – O Retorno do Herdeiro e o Início da Vingança
31 Capítulo 31 – O Silêncio no Deserto e o Eco da Vingança
32 Capítulo 32 – O Confronto Silencioso
33 Capítulo 33 – As Consequências e o Jantar Silencioso
34 Capítulo 34 – A Escolha de Isis
35 Capítulo 35 – O Caminho de Volta (parte 1)
36 Capítulo 36 – Caminho de volta(Parte 2 Final)
37 Capítulo 37 - Visita Inesperada
38 Capítulo 38 - Reencontro e Revelações
39 Capítulo 39 - Partida Sombria
40 Capítulo 40 - Confrontando o Passado
41 Capítulo 41 – Primeiros Passos no Refúgio
42 Capítulo 42 – As Sombras Também Deixam Rastro
43 Capítulo 43 — O Alvo em Silêncio
44 Capítulo 44 – A Arquitetura do Recomeço
45 Capítulo 45- Ecos e Confrontos
46 Capítulo 46 – Entre Paredes e Confissões
47 Capítulo 47 – A Emboscada à Mesa
48 Capítulo 48 – A Chegada, as Sombras e o Confronto Iminente
49 Capítulo 49- Verdades à Força (Parte 1)
50 Capítulo 50 – Verdades à Força (Parte 2)
51 Capítulo 51 – A Dor no Corpo, a Guerra na Alma
52 Capítulo 52 – Sinais da Tempestade
53 Capítulo 53 – A Armadilha
54 Capítulo 54 – O Xadrez Invertido
55 Capítulo 55: O Último Jogo de Rafael
56 Capítulo 56: Sob o Fio da Navalha
57 Capítulo 57: A Calma Após a Tempestade
58 Capítulo 58: Os Primeiros Passos
59 Capítulo 59: Novas Bases
60 Capítulo 60: Sol Nascente
Capítulos

Atualizado até capítulo 60

1
Capítulo 1 – A Queda das Máscaras
2
Capítulo 2 – O Golpe da Herança
3
Capítulo 3 – A Frieza da Resolução
4
Capítulo 4 – A Noite e a Queda
5
Capítulo 5 – O Acerto e o Resgate Inesperado
6
Capítulo 6 – O Despertar e o Misterioso Salvador
7
Capítulo 7 – A Proposição e o Limite
8
Capítulo 8 – As Sombras da Reflexão
9
Capítulo 9 – O Dia Seguinte e o Olhar Distante
10
Capítulo 10 – A Tentativa de Normalidade e o Olhar Constante
11
Capítulo 11 – A Tempestade no Apartamento
12
Capítulo 12 – As Teias e a Ressaca
13
Capítulo 13 – Reencontros e Pressões Crescentes
14
Capítulo 14 – Sombras e Ecos do Passado
15
Capítulo 15 – A Notificação e os Planos nas Sombras
16
Capítulo 16 – O Movimento das Peças
17
Capítulo 17 – Dias de Calmaria, Caçada Oculta
18
Capítulo 18 – Ecos do Passado, Olhos no Presente
19
Capítulo 19 – A Tempestade Se Anuncia
20
Capítulo 20 – Armadilhas Invisíveis
21
Capítulo 21 – Pouso no Deserto e o Início do Caos
22
Capítulo 22 – O Despertar no Desconhecido e a Fúria Incendiária
23
Capítulo 23 – Rescaldo e o Jogo de Poder
24
Capítulo 24 – O Gelo, o Fogo e a Melodia do Inferno
25
Capítulo 25 – A Explosão Sob a Pele
26
Capítulo 26 – O Amanhecer da Ressaca Moral e a Tentativa de Conexão
27
Capítulo 27 – A Dança das Meias Ver
28
Capítulo 28 – A Ausência e as Descobertas de Isis
29
Capítulo 29 – As Revelações de Isis e a Intensificação da Guerra
30
Capítulo 30 – O Retorno do Herdeiro e o Início da Vingança
31
Capítulo 31 – O Silêncio no Deserto e o Eco da Vingança
32
Capítulo 32 – O Confronto Silencioso
33
Capítulo 33 – As Consequências e o Jantar Silencioso
34
Capítulo 34 – A Escolha de Isis
35
Capítulo 35 – O Caminho de Volta (parte 1)
36
Capítulo 36 – Caminho de volta(Parte 2 Final)
37
Capítulo 37 - Visita Inesperada
38
Capítulo 38 - Reencontro e Revelações
39
Capítulo 39 - Partida Sombria
40
Capítulo 40 - Confrontando o Passado
41
Capítulo 41 – Primeiros Passos no Refúgio
42
Capítulo 42 – As Sombras Também Deixam Rastro
43
Capítulo 43 — O Alvo em Silêncio
44
Capítulo 44 – A Arquitetura do Recomeço
45
Capítulo 45- Ecos e Confrontos
46
Capítulo 46 – Entre Paredes e Confissões
47
Capítulo 47 – A Emboscada à Mesa
48
Capítulo 48 – A Chegada, as Sombras e o Confronto Iminente
49
Capítulo 49- Verdades à Força (Parte 1)
50
Capítulo 50 – Verdades à Força (Parte 2)
51
Capítulo 51 – A Dor no Corpo, a Guerra na Alma
52
Capítulo 52 – Sinais da Tempestade
53
Capítulo 53 – A Armadilha
54
Capítulo 54 – O Xadrez Invertido
55
Capítulo 55: O Último Jogo de Rafael
56
Capítulo 56: Sob o Fio da Navalha
57
Capítulo 57: A Calma Após a Tempestade
58
Capítulo 58: Os Primeiros Passos
59
Capítulo 59: Novas Bases
60
Capítulo 60: Sol Nascente

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