Gwen beijou o rosto dele com infinita compaixão depois do desabafo e limpou a marca do batom escuro que ficou na bochecha dele com o polegar. Ele tinha o maxilar bem marcado, mesmo com a maquiagem do Coringa, isso era visível. Thomas quis chorar por ela não ter fugido e ainda o consolar, mesmo depois de ele dizer quem era realmente. Era tão bom se sentir aceito, visto, mas não julgado.
— É só um gosto sexual, se chama BDSM. Isso não te faz alguém monstruoso se não está coagindo alguém — o consolou, apertando o ombro dele. — Relaxe. Você não é um monstro, uma aberração ou algo irreparável. É só humano.
De novo, o toque dela o despertou. Ela tentando consolá-lo, e ele pensando em como seria transar no carro com ela.
Thomas negou com a cabeça.
— Você não entende... não foi isso o que impediu ele de me deixar tocar você? — respondeu, indignado. — Ele viu o que eu queria fazer e...
— Não foi só isso que ele viu em você — garantiu Gwen, com tanta convicção que o desarmou e chegou ao coração dele, não como o espinho, mas como a rosa.
Ela prosseguiu:
— Talvez a negação disso, mas não só isso... A sujeira humana é algo com o qual daemons trabalham, vero. Energias densas e primordiais. Alguns são extremamente sádicos nos testes com magistas novatos.
Falou com autoridade e experiência. Seguiu em frente:
— O caos é onde operam. Eles não temem os anjos como os exorcistas dizem... É só que a ordem opera um pouco acima do caos, mas nem todos nós funcionamos na ordem. Alguns são caos e precisam se moldar no caos, e é assim que daemons operam: naqueles que não conseguem seguir a ordem estabelecida e criam as próprias regras, mas são talentosos quando direcionados no caos. Afinal, caos não direcionado é só anarquia e bagunça. Mas, quando direcionado, vira arte, música, poesia... O feio se torna belo. Daemons são os hackers do sistema, e os anjos são quem criam e operam o sistema. Li isso em algum lugar.
Thomas a fitou, confuso.
— Não faz de mim um monstro gostar de machucar durante o sexo? — quis se certificar outra vez.
Ele nem percebia que perguntar isso já não fazia dele um monstro?
— Não se a outra pessoa estiver de acordo e se for um bom mestre depois do ato, cuidando das feridas do submisso e sendo uma pessoa decente no cotidiano, mesmo que controladora. Um caos ordenado, somente para extravasar algo que seria pior, querido — informou suave e conciliatória. — Você é ou tenta ser uma boa pessoa no cotidiano, mesmo quando ninguém está olhando?
— Tento ser, sim — murmurou Thomas. — Porque sei o quanto também posso ser ruim. Mas o sexo... Eu... gosto... de... controlar... e marcar... e ferir... e levar ao limite até que eu seja a única coisa pela qual a pessoa implora.
Ela ofegou, desviando o olhar do dele... tão intenso. Ela prosseguiu tentando encontrar alguma clareza:
— Eis aí sua resposta. Essa é a verdadeira essência da bondade: saber que se pode chegar a um extremo de crueldade e escolher não fazê-lo, não por medo do inferno, mas porque sabemos que somos melhores do que aquilo. Ver a escuridão e conhecê-la, questioná-la. Não fugir dela.
— Porra! Você sempre sabe o que dizer? — exigiu Thomas, a estudando com fascínio pelo intelecto.
Ela deixou o olhar encontrar o dele agora. Era só tão diferente de todo mundo com quem tinha contato... Dinheiro, status, beleza... isso parecia banal perto do que ela passava. O conhecimento que tinha. Era tão surreal.
Deixou escapar, incerto:
— Como diabos alguém da nossa idade consegue ter tanta maturidade?
— Ainda somos menores de idade, Thomas — constatou Gwen com parcimônia.
Ela disse com convicção:
— É difícil encontrar pessoas mais velhas que não tirem proveito de nossos gostos tão peculiares. E é ainda mais difícil encontrar pessoas da nossa idade que entendam quem somos.
— Verdade — concordou ele.
— Mas isso não nos faz monstros, se fazemos num espaço seguro para não ferir ninguém além de nós mesmos, e quem se permitir e quiser ser ferido. Entende o que quero dizer?
— Acho que entendo melhor agora — percebeu ele. — A Samantha não consegue lidar...
— A Samantha deve ser alguém que opera na ordem, e o seu caos a assustou. Mas vocês poderiam chegar num consenso. Creio que seja por isso que o rei Paimon quis intervir. Ou talvez só estivesse entediado. Pode ser isso também. Ele fica entediado facilmente quando é comigo que trabalha, já que não sou uma magista de alto nível.
— Acho que você se menospreza muito — murmurou Thomas. — Eu acho que ele gosta de você, sim. Ele te ajuda...
— Relação de troca. Eu dou o que ele quer, e ele o que eu...
— Não foi isso que eu senti quando ele me empurrou para longe de você e me mandou ficar longe — respondeu Thomas, também a desarmando, ao vê-la abrir e fechar a boca. — Você conhece mais desse mundo do que eu... Mas não acho que ele se ofenda por você o convocar, mesmo não sendo parte de uma ordem iniciática que governe o mundo ou sei lá. Ele deve ficar muito impressionado com a sua coragem de pular do abismo e dar o salto de fé. Só finge que não, para não aumentar seu ego.
Gwen se manteve quieta. Ele também assentiu, um tanto mais reflexivo. Ambos nunca tinham visto as coisas por esse lado que cada um apresentou. Nunca mesmo. Ele deixou o queixo descansar na direção, ainda pensativo. Ela não o interrompeu. Ele não a tirou de seus devaneios também.
— Você gosta de bruxaria porque te dá poder? — a pergunta dele surgiu de repente e e ele ajeitou a coluna, desencostando o rosto da direção, virando o rosto para ela.
— Gosto de ordenar o meu caos. Assim como você gosta de basquete porque te ajuda a desestressar e te dá glória, mas ao mesmo tempo te dá controle sobre seus colegas já que é o capitão — respondeu cuidadosa e o sondando. Ele moveu a cabeça, confirmando. Ela o leu bem, se sentiu nu, mas algo da alma e não do corpo. — Direcionar meu foco em algo mais místico me ajuda a compreender o mapa da minha alma. O tarô também me ajuda nisso: iluminar as partes sombrias. Algumas das melhores e mais disciplinadas pessoas que conheci são satanistas ou luciferianas, acredite ou não. Algumas das pessoas mais desajustadas, cristãs. Cada pessoa precisa daquilo que faz sentido e consola a alma. Mas há extremistas em tudo.
— Como os satanistas que dizem sacrificar crianças, virgens... e como os cristãos que queimaram bruxas, agridem gays e travestis...
— Exato... Entendeu bem. Menino esperto — elogiou ela.
Ele riu.
— Só faltou você afagar minha cabeça e dizer “bom garoto”, Gwen Williams. Eu só lamento que nunca conversamos antes — formulou ele.
— Eu também gosto de conversar com você — suspirou ela. — Muito mesmo.
Thomas sorriu um pouco e fez uma negação com a cabeça.
— Vamos ser amigos, então... — pediu ele.
Ela arqueou a sobrancelha e sorriu.
— Vamos, amigo. Mas agora preciso ir para casa. Combinei que chegaria à meia-noite para minha mãe.
— Claro.
Ele finalmente ligou o carro, deu ré e saiu do estacionamento da escola em direção à rua. Uma estrada antiga, mas agora seguida por uma nova companhia e com um novo rumo.
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Atualizado até capítulo 38
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