As galinhas cacarejavam no terreiro quando Helena desceu as escadas de madeira, o vestido azul-claro rodando em torno de seus tornozelos. A manhã ainda respirava neblina, e o cheiro de café coado preenchia a casa simples, feita de madeira escura e rangente. Na cozinha, sua mãe, Dona Matilde, mexia a panela com angu, os olhos fundos e as mãos calejadas de tanto trabalhar.
— Bom dia, mãe — disse Helena, sentando-se à mesa.
— Bom dia, minha filha. Dormiu bem?
Ela hesitou. Como poderia dizer que havia chorado em silêncio por horas, apertando contra o peito a fita bordada que Paulo Felipe lhe dera certa tarde no bosque?
— Dormi, sim... — mentiu, baixando os olhos para esconder a verdade.
Dona Matilde lhe serviu café e um pedaço de pão seco. Do lado de fora, o sol começava a vencer a névoa e tingia o céu de dourado. O galo cantava em algum lugar, anunciando que a rotina da roça precisava começar.
Pouco tempo depois, Helena pegou seu cesto de palha e saiu para colher flores silvestres. Era uma desculpa, claro. Seu coração disparava, pois aquele era o dia em que veria Paulo Felipe outra vez. Caminhou pelo campo com passos rápidos, como se o chão estivesse quente sob seus pés. O vestido esvoaçava, e os cabelos soltos pareciam acariciar o vento.
No bosque, junto ao riacho onde o som da água era como canção de ninar, Paulo já a esperava. Vestia camisa branca, mangas arregaçadas, e calça de linho marrom presa com um cinto de couro rústico. Seus olhos brilharam ao vê-la, e ele sorriu com ternura.
— Achei que não virias mais, minha flor.
— Sabes que viria, mesmo que o mundo se acabasse, Paulo.
Ela correu e caiu em seus braços. O beijo veio como reencontro de almas separadas, lento e sedento. Ali, o tempo parecia esquecer de andar. Sentaram-se na relva, ele acariciando os cabelos dela, ela com o rosto escondido em seu pescoço.
— Estás tão triste, Lena — disse ele. — O que houve?
— O casamento, Paulo... foi marcado.
Ele a encarou. Seus olhos pareciam de vidro, prestes a partir.
— Com aquele velho maldito?
— Não chames assim, por Deus.
— Que outro nome merece um homem que compra a honra de uma moça com dinheiro? Que arranca-te de mim como se fosses galinha de leilão?
As lágrimas escorreram pelo rosto de Helena.
— Eu tentei convencer meu pai... mas ele está decidido. Disse que é nossa única chance de sair das dívidas. Que o Coronel Olavo prometeu pagar as contas, salvar as terras. E eu... eu sou a moeda.
Paulo apertou os punhos com força.
— E eu? Que sou eu nesta história? Acaso não tenho coração?
— Tens, meu amor... e ele bate junto ao meu.
— Então foge comigo, Lena. Vamos embora desta cidade amaldiçoada. Pegamos a estrada, seguimos para o sul. Conheço gente em Campinas, posso arrumar trabalho de carpinteiro...
— Fugir? Paulo, isso seria nossa sentença. Sabes como são as coisas. Olavo é influente. Ele nos caçaria como a um cachorro perdido. E tu... tu serias preso. Ou morto.
Ele abaixou a cabeça, derrotado.
— Não posso permitir que te tomem, Lena. Não posso ver-te nos braços de outro homem. Ainda mais de um bruto como aquele.
Ela tocou seu rosto com doçura.
— Então vivamos o que pudermos, aqui, agora. Mesmo que seja em segredo, mesmo que seja escondido de tudo. Cada instante contigo vale mais do que uma vida de mentira ao lado de um homem que me repugna.
Paulo a beijou de novo, mais urgente desta vez. E entre os arbustos, sob o canto das cigarras, fizeram amor com pressa e reverência, como se o mundo estivesse por desabar. Ela gemeu baixinho, o rosto enterrado no ombro dele, e ele sussurrou promessas ao ouvido dela, jurando que haveria de lutar por ela até o fim.
Mais tarde, Helena voltou para casa com as flores do campo em seu cesto e os cabelos bagunçados. Sua mãe lançou-lhe um olhar de suspeita, mas nada disse. O pai, sentado na varanda com um jornal, mal levantou os olhos. O jantar foi silencioso.
À noite, Helena sentou-se à janela de seu quarto e olhou o céu estrelado. O vento da noite trazia consigo um cheiro de terra molhada. Sentia o corpo ainda quente de desejo e a alma em pedaços. Sabia que o relógio da vida andava rápido demais, e que os dias ao lado de Paulo estavam contados.
Na casa do Coronel Olavo, o homem de bigode espesso e olhar severo observava documentos sob a luz fraca do lampião. Tinha o rosto vincado pelo tempo e as mãos grossas de quem mandava mais do que fazia. Ao seu lado, um copo de cachaça e uma carta aberta: a confirmação do casamento marcada para dali a vinte dias. Sorriu de canto, satisfeito.
— Em breve, terei a moça em minha cama — murmurou. — E ela aprenderá a me respeitar.
Um de seus capangas, sentado ao lado, coçou a barba.
— Dizem que a menina é rebelde... e que anda com aquele carpinteiro.
Olavo bufou.
— Paulo Felipe? Um miserável. Um cachorro sem nome. Não há o que temer. Se ele cruzar meu caminho, trato de dar-lhe o fim que merece.
Enquanto isso, Verônica, a amiga fiel de Helena, escrevia em seu diário. Ela sabia de tudo. E em seu coração nascia uma semente de revolta.
"Se eu pudesse... se eu tivesse coragem... eu a ajudaria a escapar desse destino cruel. Mas sou só uma moça. Uma moça que sabe demais, mas que nada pode fazer.”
No entanto, ela não sabia que, em breve, o destino a colocaria diante de uma escolha que mudaria tudo.
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