Helena

Helena

1.

O sol ainda acordava por trás das montanhas, tingindo o céu com pinceladas suaves de rosa e dourado. A bruma dançava por entre as plantações de milho, subindo pelas frestas das janelas, trazendo o cheiro fresco da madrugada. Os galos cantavam ao longe, pontuando o despertar das casas de madeira, uma a uma.

Na varanda dos fundos da propriedade dos Duarte, uma figura delicada permanecia sentada, com os pés descalços sobre a madeira fria e os olhos fixos no campo. Helena. Vinte e dois anos de doçura calada, moldada pelo tempo e pela tradição. Os cabelos longos, castanhos e pesados, estavam trançados com fitas bordadas pela própria mãe. Usava um vestido simples de algodão azul-claro, já um tanto gasto nas bainhas, mas ainda conservando a graça inocente de sua juventude.

Segurava nas mãos um bordado por terminar, mas os olhos... ah, os olhos estavam muito longe dali.

— Helena, minha flor — chamou a voz da mãe, vinda da cozinha. — Vem tomar o café, minha filha. O leite ainda está morno.

— Já vou, mãezinha — respondeu com suavidade, mas sem mover-se.

Naquela manhã, algo a inquietava. Um pressentimento vago, um incômodo que pesava no peito feito pedra de moinho. Ela não sabia ainda, mas o destino já soprava suas intenções no ar — e seu nome era Olavo.

A chegada do coronel

Não era dia de visita, tampouco havia qualquer festa na cidade. Mas ainda assim, uma carruagem preta puxada por dois cavalos marchava pelo caminho de terra batida, com o brasão dos Montenegro gravado na lateral: a família de Olavo, o coronel.

Na sala dos Duarte, o pai de Helena limpava as mãos num pano e ajeitava o colarinho com dedos trêmulos.

— Ele não vem cá por nada pequeno — disse à esposa, que lhe observava com olhos duros. — Coronel Olavo não é homem de passeio. Se bate à nossa porta, é porque traz assunto de peso.

A mulher não respondeu. Apenas cruzou os braços e fitou o relógio de parede, como quem espera que o tempo fuja.

Olavo desceu da carruagem com a firmeza de quem carrega o mundo nas costas e não se curva por nada. Usava botas engraxadas, casaco marrom e um chapéu escuro. O bigode bem aparado, os olhos semicerrados. Tinha o ar de alguém acostumado a mandar.

— Seu Antônio — cumprimentou, ao apertar a mão do pai de Helena com força desnecessária. — Lhe agradeço por me receber.

— Coronel... o prazer é nosso. Esta casa é modesta, mas de coração largo.

Helena escutava a conversa pela fresta da janela. Uma inquietação crescia em seu peito. Sabia quem era Olavo. Toda a cidade sabia. Era o homem que fizera fortuna com gado e terras, que comprava juízes e ameaçava desafetos com o silêncio de uma espingarda.

— Espero que a sinhá esteja com saúde — disse Olavo, após tomar assento. — Ouvi dizer que tem uma filha... de formosura rara.

Antônio hesitou.

— Sim, senhor. Helena é uma moça direita, de casa e de igreja.

— Pois é dela que vim falar.

A frase caiu como um trovão.

Na cozinha, Helena deixou cair o pano de bordado. Sentiu um arrepio subir-lhe pela espinha. Não precisava escutar mais nada para saber: tornara-se alvo. Um nome pronunciado por um homem com poder demais e piedade de menos.

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