A noite caiu com peso sobre os campos. As estrelas, tímidas, mal se deixavam ver por trás das nuvens espessas que cobriam o céu como um véu de luto antecipado. Um vento frio sibilava entre as árvores, sacudindo os galhos com um lamento sombrio. Era como se a natureza pressentisse o que estava por vir.
Helena, vestida com um xale escuro sobre o vestido de algodão azul-claro, caminhava apressada pela trilha que levava ao celeiro. Seus passos mal tocavam o chão, como se guiados apenas pelo coração, que batia descompassado dentro do peito.
Ali, entre o cheiro de feno e couro, onde tantas vezes se encontrara com Paulo, ela sentia-se protegida. Mas naquela noite, algo estava diferente. O silêncio pesava mais. A escuridão parecia mais densa. E mesmo assim, ela continuava.
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Paulo Felipe já a esperava, sentado num canto, os cabelos revoltos, a camisa aberta até o peito, as mãos sujas de poeira e lascas de madeira. Ao vê-la, levantou-se de imediato.
— Pensei que não virias.
Ela correu até ele, lançando-se em seus braços com urgência.
— Não podia deixar de vir... Eu precisava te ver. Precisava de ti.
Ele a apertou com força, como quem tenta prender a felicidade entre os dedos.
— Tenho andado por toda parte tentando encontrar uma saída. Falei com um compadre de longe, que pode nos dar abrigo numa fazenda no interior do Espírito Santo. Se fugirmos esta noite, antes do amanhecer estaremos fora do alcance de Olavo.
Helena ergueu os olhos para ele, banhados de esperança e medo.
— E meu pai?
— Não é mais seguro para ele, Helena. Olavo já o tem nas mãos. Mas se ficarmos aqui, não teremos futuro. Só sofrimento.
Ela hesitou. Um nó se formou em sua garganta.
— Mas se ele nos encontrar...
Paulo pousou as mãos em seu rosto.
— Eu lutarei até o fim por ti. E se tiver que morrer, que seja tentando te salvar.
Ela começou a chorar em silêncio. Ele a beijou como quem sela um pacto com o destino. As lágrimas se misturavam aos beijos, às promessas, ao amor.
Ali mesmo, sobre um monte de palha, fizeram amor com urgência e doçura. A respiração arfante, os corpos entrelaçados, os sussurros contidos como preces. Helena queria gravar na memória cada segundo, cada toque, cada som. Porque, no fundo, algo em seu coração já sabia.
Ao longe, um som metálico ecoou — como uma batida seca de porta de madeira.
Eles pararam.
— Ouviste isso? — perguntou Paulo, erguendo o rosto.
Helena segurou a respiração.
Passos. Pesados. Determinados.
A porta do celeiro rangeu lentamente.
E então, a silhueta de Olavo apareceu na entrada, envolta pela luz fraca da lamparina que trazia nas mãos. O brilho amarelo iluminou seu rosto pálido, os olhos arregalados de fúria, e a arma que carregava no coldre de couro.
Por um momento, ninguém se mexeu.
Depois, Helena gritou:
— Coronel... por favor...
Mas ele já se aproximava.
— Tinha minhas desconfianças. Diziam que a moça sumia sempre à noitinha, e agora sei por quê. Com um qualquer... um bastardo sem sangue, sem nome.
Paulo ergueu-se devagar, protegendo Helena com o próprio corpo.
— Ela não lhe pertence, coronel. Nunca lhe pertenceu.
Olavo riu com escárnio.
— Eu paguei. Tua honra, tua vida, tua carne. Paguei como se paga por um cavalo. Tu és minha propriedade agora.
— Eu sou mulher, não animal. — Helena ergueu-se com a voz firme, o olhar fixo. — E ainda que me mate, jamais será dono do meu coração.
— Cala-te, rameira! — gritou ele.
Em um só gesto, sacou a arma e apontou para Paulo.
Helena se jogou entre eles.
— Não! Pelo amor de Deus, não!
— Sai da frente, mulher! — urrou ele, empurrando-a com violência para o lado.
Paulo tentou alcançar a mão de Olavo, num movimento rápido.
Mas o tiro veio antes.
Seco. Cru.
Helena gritou.
O mundo pareceu parar. Paulo cambaleou. Um jato de sangue escorreu-lhe pelo peito. Caiu de joelhos e então tombou no chão de terra batida.
— Paulo! — Helena se arrastou até ele, gritando, desesperada. — Paulo, não me deixe! Fala comigo!
Mas os olhos dele já se apagavam.
— Eu... te... — tentou dizer, mas o resto sumiu em silêncio eterno.
Olavo observava de pé, a respiração pesada, o braço ainda erguido com a arma em punho. Depois, virou-se para dois homens encapuzados que surgiram do lado de fora.
— Levem o corpo. Joguem no rio. E rápido.
Helena chorava, agarrada ao corpo sem vida de Paulo, gritando, suplicando. Mas foi puxada pelos braços, arrastada como uma boneca sem força. Olavo a jogou de volta em casa, trancando-a no quarto.
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Horas depois, ainda com os olhos inchados de tanto chorar, Helena estava de pé, diante do espelho, vestindo um novo vestido branco. Um véu lhe cobria o rosto, e sua alma parecia já ter morrido junto de Paulo.
Olavo apareceu na porta, penteando o cabelo com os dedos.
— Hoje serás minha, diante de Deus e dos homens. E se ousares contar a alguém o que viste, o próximo a morrer será teu pai.
Ela não respondeu. Apenas caminhou até a porta da igreja, guiada por mãos alheias.
Lá fora, o povo sorria, os sinos tocavam, e os músicos afinavam os instrumentos.
Mas Helena não escutava nada.
Dentro dela, havia apenas escuridão.
E o nome de um amor perdido.
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