A noite chegou carregada, o céu coberto por nuvens pesadas que escondiam as estrelas. O vento soprava mais forte do que o habitual, assobiando entre as janelas da casa como se quisesse avisar de algo.
João tentava dormir, mas o encontro com o tal Sr. Diniz ainda martelava sua cabeça. Algo naquele homem — no modo como falava de Léo como se fosse uma propriedade — o deixara inquieto. Havia algo não dito, algo escondido, e João sentia no fundo dos ossos que não era só uma briga de família.
Foi então que ele ouviu o barulho. Um estalo, vindo do lado de fora.
Pegou o lampião, calçou as botas, e saiu.
Léo não estava no quarto.
João seguiu os sons até os fundos da propriedade, passando pelo galpão de ferramentas e pela cerca que separava o campo da mata. E lá, sob a lua escondida por nuvens, viu algo que o fez parar de respirar.
Léo estava de pé no meio do campo, sozinho. Ou, pelo menos, deveria estar.
Havia uma luz estranha saindo dele.
Não uma lanterna. Não um reflexo.
Era o próprio corpo de Léo que emitia um brilho suave, prateado, como se as veias sob sua pele carregassem uma energia líquida e viva. Os olhos dele estavam fechados, mas seus pés flutuavam levemente acima do chão. O ar ao redor vibrava, como se o tempo ali tivesse parado.
— Léo? — chamou João, sem entender se era medo ou fascínio que apertava seu peito.
Os olhos de Léo se abriram, e estavam completamente prateados.
— Não era pra você ver isso — disse ele, com uma voz que parecia ecoar em várias direções ao mesmo tempo.
João deu um passo pra trás.
— Que diabos é você?
O brilho começou a diminuir. Aos poucos, Léo voltou ao chão. Os olhos recobraram a cor natural, e a luz desapareceu de sua pele, como se nunca tivesse existido. Mas a expressão dele ainda era de alguém que carregava um fardo pesado demais.
— Eu não sou daqui, João.
— Da cidade?
Léo balançou a cabeça, com um sorriso amargo.
— Não. Eu não sou... como vocês.
Ele caiu de joelhos no chão, exausto. João correu até ele, instintivamente, e o segurou antes que caísse por completo.
— Você precisa me explicar isso. Agora.
Léo olhou nos olhos dele.
— Prometo que vou. Mas não aqui. E não agora. Eles... estão me caçando, João. E não são só meus pais. São outros. E agora que me acharam, você também está em perigo.
João não sabia o que pensar. Tudo o que acreditava, tudo o que entendia do mundo, estava desmoronando. Mas ali, com Léo nos braços, sentia apenas uma certeza:
Mesmo que aquele rapaz não fosse humano, alguma coisa nele — ou talvez tudo — ainda o fazia querer protegê-lo com a própria vida.
E pela primeira vez, o perigo não vinha de fora da fazenda.
O fogo na lareira estalava enquanto João colocava uma manta sobre os ombros de Léo. Estavam de volta à sala da fazenda, o relógio de parede marcando duas e meia da manhã. Nenhum dos dois conseguia dormir. O silêncio era espesso, quebrado apenas pelo som do vento lá fora e do coração de João, batendo rápido demais.
Léo olhava o fogo como se procurasse coragem dentro das chamas.
— Eu fui criado, João. Não nascido.
João franziu o cenho, mas não disse nada. Esperou.
— Fui feito num laboratório chamado Instituto Diniz. Um projeto secreto, financiado por empresas privadas e gente poderosa que quer criar o “humano perfeito”. Fui uma das primeiras versões... e a primeira a escapar.
— Mas... você parece humano — murmurou João.
— Eu sou, em parte. Fizeram experiências com DNA modificado, usaram biotecnologia avançada. Criaram habilidades que eles chamam de “aperfeiçoamentos”. Cada versão tinha uma função. Eu... fui criado para adaptação. Mudança. Sobrevivência.
Ele levantou a manga da camisa, revelando o antebraço. A pele ali estava coberta por cicatrizes finas, quase invisíveis, que começavam a brilhar levemente quando ele tocava com os dedos.
— Quando fico em perigo, meu corpo ativa defesas. Meus sentidos se expandem. Posso me curar rápido. Posso manipular... campos ao meu redor. Luz, energia... coisas que nem entendo completamente. Mas isso me desgasta. Me machuca. Me transforma.
João passou a mão pelos cabelos, em silêncio. Aquilo era mais do que qualquer um conseguiria digerir. Mas não era mentira. Ele viu. Sentiu. E, de algum jeito estranho, acreditava.
— Por isso você fugiu?
— Sim. Me trataram como uma arma, não como uma pessoa. Quando comecei a questionar, a sentir... me chamaram de defeito. Me ameaçaram. Fugi usando os próprios recursos que eles criaram em mim. E agora estão me caçando.
João se aproximou e se ajoelhou à frente de Léo. Tocou seu rosto com cuidado, como se aquele toque pudesse desmentir tudo aquilo.
— E o que você sente agora?
Léo o encarou, os olhos cheios de um medo que não era de morte — era de amor.
— Sinto que aqui... contigo... eu sou mais do que aquilo que fizeram de mim.
Por um instante, o mundo parou. João inclinou o rosto devagar, como se desse a Léo tempo para recuar. Mas ele não recuou.
O beijo foi silencioso, carregado de tensão e necessidade. Não era apenas paixão — era sobrevivência. Era consolo. Era tudo que os dois nunca tinham tido e, agora, encontravam um no outro.
Quando os lábios se separaram, o vento bateu mais forte lá fora. Um estalo veio da varanda. João se ergueu num pulo.
— Tem alguém lá fora.
Léo fechou os olhos. Quando abriu, estavam prateados de novo.
— Eles chegaram.
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Atualizado até capítulo 30
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