O barco de Silvério deslizava pelo rio como um segredo bem guardado. A floresta fechada engolia o som dos remos e abafava qualquer tentativa de helicóptero ou drone de localizá-los.
Léo estava encostado no ombro de João, exausto. Suas mãos ainda tremiam, a pele perdia e recuperava o brilho prateado em intervalos irregulares. O uso do poder tinha cobrado um preço alto — físico e emocional.
— A gente tá seguro por enquanto — disse Silvério, baixinho, como se a própria floresta estivesse ouvindo. — Conheço uma caverna perto da cachoeira do Velho Coração. Lugar antigo, esquecido. Ninguém vai achar vocês lá.
João agradeceu com um aceno de cabeça. Não falava muito. Estava ocupado demais observando Léo, preocupado com cada respiração instável, cada piscada demorada.
A caverna era pequena, fria, mas seca. A queda-d’água ao lado criava uma névoa constante, e o som da água servia como escudo natural. João acendeu uma fogueira com dificuldade, usando lenha úmida e paciência.
Léo dormia sobre uma manta, suando. João molhava um pano e passava em sua testa com cuidado.
Quando os olhos de Léo finalmente se abriram, estavam apagados, humanos, mas ainda sombrios.
— Onde...?
— Em segurança — respondeu João, baixando a voz. — Você dormiu o dia inteiro. Achei que não fosse acordar.
Léo tentou sentar, mas João o conteve com um toque.
— Descansa. Seu corpo ainda tá se ajustando, não tá?
— Eu nunca tinha usado tanta energia assim... de uma vez só. Sinto como se estivessem me quebrando por dentro.
— E ainda assim, salvou a minha vida.
Léo sorriu, fraco.
— Você me salvou primeiro.
O silêncio se estendeu, preenchido apenas pelo som da água e da fogueira. Então Léo ergueu a mão, trêmula, e tocou a de João.
— Eu tenho medo — confessou. — Não do que sou. Mas do que posso me tornar se continuar fugindo. E... tenho medo de perder você no meio disso tudo.
João olhou pra ele, direto nos olhos. Tocou seu rosto, a barba por fazer roçando levemente contra a pele quente de Léo.
— Eu não sou de fugir, Léo. Nem de abandonar quem escolhi proteger. Você pode ser diferente, pode ter brilho na pele, pode ser metade laboratório e metade sonho... Mas pra mim, é só você. Só Léo.
Léo engoliu em seco. O momento entre eles se aqueceu mais do que o fogo.
Os lábios se encontraram outra vez, agora sem pressa, sem o desespero da noite anterior. Era um beijo de promessa, de aceitação — de amor nascido entre o pó da terra e o toque das estrelas.
Horas depois, enquanto Léo dormia, João sentou à beira da caverna, olhando para o céu entre as árvores. Silvério havia deixado mantimentos e uma rádio velha.
Ele a ligou.
Está na frequência deles, pensou.
Uma voz chiou do outro lado, carregada de estática e ameaça:
— Unidade Caçadora 7, respondam. O Alvo Primário foi visto perto do Setor Delta. Iniciar protocolo de contenção com classe vermelha. Repetindo: classe vermelha.
João desligou devagar.
Eles não tinham desistido.
E agora sabiam onde procurar.
Acordaram antes do amanhecer.
Léo ainda estava fraco, mas insistia em seguir. João o ajudava em silêncio, carregando a mochila e oferecendo o ombro sempre que o outro vacilava. O som da cachoeira continuava forte atrás deles, como um lembrete de que aquela paz era apenas um intervalo entre duas tempestades.
Foi quando o céu escureceu subitamente.
Não eram nuvens.
Eram drones. Três deles, pretos como carvão, flutuando no céu da floresta. Não faziam som — o Instituto agora usava modelos furtivos. Mas João os viu, e Léo sentiu. A energia no ar mudou.
— Eles chegaram.
— Nem vi helicóptero.
— Não precisam mais. Agora eles abrem portais.
— O quê?
Antes que Léo pudesse responder, o ar à frente deles distorceu, como se o mundo tivesse sido dobrado. Uma fenda se abriu entre as árvores, e dela saíram três figuras. Altos, armados, sem rosto — capacetes espelhados cobriam tudo, como se fossem estátuas vivas. O uniforme vermelho-escuro reluzia com marcas que pareciam pulsar, como se também fossem feitos de carne.
Os Caçadores de Classe Vermelha.
Um deles falou, com voz distorcida por um sintetizador:
— Alvo L47 detectado. Contenção imediata autorizada. O acompanhante será neutralizado.
João sacou a espingarda.
— Vão ter que passar por cima de mim.
O Caçador inclinou a cabeça, como se estivesse analisando-o.
— João Marques. Histórico genético instável. Risco classe B. Ordem de contenção estendida.
Léo arregalou os olhos.
— João... você?
— Eu não sei do que ele tá falando — rosnou João. — Só sei que se tentarem tocar em você, eu acabo com cada um deles.
O primeiro tiro da espingarda não causou dano — atingiu a armadura de um dos Caçadores como se fosse vento. Mas deu tempo para Léo ativar o brilho em seus braços, lançando uma onda de energia contra as árvores, derrubando duas.
Eles correram.
A floresta virou um labirinto de raízes e galhos quebrados, mas os Caçadores não pareciam precisar de caminho — teleportavam-se em curtos saltos de luz, surgindo na frente, atrás, ao lado.
João puxou Léo para dentro de uma caverna estreita e empurrou pedras na entrada. Do outro lado, o som dos passos metálicos ecoava.
— Eles te chamaram de “classe B”. Isso quer dizer o quê?
João estava suando. O coração batia forte demais.
— Eu não sei. Mas... tem uma coisa.
— O quê?
— Meu pai. Ele sumiu quando eu era criança. Diziam que trabalhava com “pesquisa agrícola” pro governo. Mas ele me levava pra lugares... estranhos. Me ensinou a meditar, controlar o batimento cardíaco, coisas que na época não faziam sentido.
— João... você tem sangue deles. Ou algo parecido. Talvez você também tenha sido... tocado por esse projeto.
— Isso muda alguma coisa entre a gente?
Léo o olhou por um segundo, depois sorriu apesar do caos.
— Muda tudo. Mas só se você deixar.
Um rugido metálico interrompeu a conversa. Uma das paredes da caverna começou a se partir.
— Vem — disse João. — Vamos sair pela parte de trás. Conheço uma trilha que nem GPS pega.
— Você tem certeza?
João pegou a mão dele.
— A única certeza que eu tenho... é que eu vou até o fim com você.
E com o som das pedras desabando atrás deles, os dois desapareceram na floresta — não apenas como fugitivos, mas como peças centrais de um jogo muito maior, onde amor, ciência e destino se entrelaçavam numa corrida contra o tempo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 30
Comments