Um Amor Selvagem
O sol ainda não tinha nascido quando João abriu a porteira com um rangido preguiçoso. A brisa fria da madrugada trazia consigo o cheiro da terra molhada, promessa de um dia quente depois da chuva da noite anterior. Com as botas afundando na lama, ele caminhou em direção ao curral, como fazia todas as manhãs. Era uma rotina solitária, mas confortável — até aquele dia.
Na entrada da propriedade, entre a cerca e o velho galpão de ferramentas, havia um vulto. Um rapaz, encharcado e coberto de barro, dormia encolhido como um animal assustado. João franziu a testa. Aquilo não era comum. Ninguém aparecia por ali, muito menos no escuro.
— Ei! — chamou ele, se aproximando com cuidado. — Tá tudo bem aí?
O rapaz despertou assustado, os olhos arregalados, verdes como folhas novas. Tentou se levantar, mas mancou e caiu de novo.
— Calma, calma. Não vou te machucar — disse João, estendendo a mão. — Tá machucado?
— Eu... acho que torci o pé. Me desculpa, eu não queria invadir. Só tava procurando abrigo da chuva...
João avaliou o estranho. Roupas de marca sujas de lama, cabelo tingido com mechas desbotadas e uma pulseira cara pendurada no pulso fino. Era óbvio que aquele menino não era dali. Parecia saído de uma balada da capital, e não de uma estrada de terra no interior de Minas.
— Meu nome é João. E você?
— Léo.
— Bom, Léo... vem. Vamos cuidar desse pé aí. E depois você me conta o que tá fazendo no meio do mato, parecendo um gato fugido.
Léo hesitou, mas a dor o venceu. João o ajudou a caminhar até a casa, apoiando-o com firmeza. Pela primeira vez em muito tempo, João sentiu uma coisa estranha: o silêncio da fazenda parecia menos pesado com aquele desconhecido ao seu lado.
Na cozinha, enquanto fervia a água pro café, João observava Léo sentar na cadeira como se ela fosse um trono desconfortável. Olhava ao redor com curiosidade — o fogão à lenha, a cristaleira com xícaras antigas, a toalha de crochê feita pela mãe de João antes de falecer.
— Isso aqui parece cenário de novela rural — disse Léo, com um sorriso debochado, mas não maldoso.
— E você parece que saiu de uma novela das nove — retrucou João, levantando uma sobrancelha. — Mas acho que vai se acostumar.
— Vai me deixar ficar?
João encarou aqueles olhos verdes por um momento longo demais.
— Por enquanto. Mas amanhã você me conta por que um Playboy da cidade veio parar no meu terreiro.
Léo sorriu com canto da boca, meio aliviado, meio desafiador. E foi ali, sob o céu que começava a clarear, que algo invisível e teimoso começou a crescer entre eles.
João serviu o café forte em duas canecas grossas de ágata, o cheiro amargo enchendo a cozinha. Léo levou a xícara aos lábios com as duas mãos, como se estivesse tentando aquecer mais do que os dedos — talvez o coração, talvez a vergonha.
— Isso é café de verdade — murmurou, após o primeiro gole, com um sorriso tímido. — Nada daqueles expressos aguados da cidade.
— Aqui a gente faz tudo direito — João respondeu, sentando-se à frente dele. — Inclusive as perguntas. Vai me contar agora o que fazia dormindo na minha porteira?
Léo baixou os olhos para a caneca. Por um instante, João achou que ele fosse inventar alguma desculpa, mas o silêncio longo denunciava que a verdade era mais complicada.
— Fugi — respondeu por fim. — De casa, da vida... de tudo.
João não respondeu. Apenas esperou, paciente, como quem observa o gado se aproximar da água.
— Meus pais são... importantes, sabe? Empresários. Gente que se preocupa mais com aparências do que com sentimentos. Eu cansei de ser o filho perfeito, o garoto de vitrine. Peguei o carro, o cartão, e fui embora. Achei que ia pra praia. Acabei aqui.
— E o carro?
— A bateria morreu. Deixei no meio da estrada. Acho que estava esperando que alguém me encontrasse. E você encontrou.
João assentiu, pensativo. Não era do tipo que se metia na vida dos outros, mas também não era de negar ajuda a quem precisava — ainda mais quando o “quem” tinha aquele olhar de bicho ferido que tentava esconder a dor com ironia.
— Tem um quartinho nos fundos da casa. Era do antigo peão. Tá vazio agora. Pode ficar lá enquanto decide o que fazer.
Léo o encarou, desconfiado.
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por que tá me ajudando? Não tem medo que eu seja algum maluco?
João deu uma risada baixa, o canto da boca se curvando.
— Se você fosse maluco mesmo, não tava com esse olhar de quem só quer um canto pra respirar. E também... — ele se levantou, pegando a caneca de Léo — ...às vezes a gente ajuda porque já esteve no lugar de quem precisa.
Léo seguiu João com os olhos enquanto ele ia até a pia. Pela janela, o céu começava a se pintar em tons alaranjados. A fazenda despertava, e com ela, alguma coisa diferente também parecia despertar dentro de si.
Talvez, ali naquela casa simples, entre cheiro de café e o silêncio do mato, ele encontrasse mais do que abrigo. Talvez, encontrasse um lar.
...----------------...
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 30
Comments
Danielle Pereira
😍😍🥰 dois lindos 😍🥰
2025-06-10
1