O sangue da batalha ainda estava fresco na terra de Redmoor quando partimos.
A vitória havia sido conquistada à força, mas eu sabia: lutar contra bestas era fácil. Difícil mesmo seria enfrentar egos, tradições e alfas que jamais aceitariam uma mulher no trono.
O Santuário da Pedra surgia entre as montanhas de Montserra como um monumento ao antigo.
Construído séculos atrás pelos primeiros clãs, era onde as matilhas selavam pactos, declaravam guerras, e onde a Lua parecia falar mais alto que o orgulho.
As flâmulas das cinco grandes matilhas tremulavam ao vento.
Bloodthorn, Ironfang, Solari, Umbra e Montserra.
Todos vieram.
Enquanto cavalgávamos até o pátio de pedra, senti os olhares.
Eles me observavam. Avaliavam. Julgavam.
Cael cavalgava ao meu lado agora — não como adversário, mas como aliado. Sua presença era uma espécie de escudo político. Mas eu sabia que ele não seria suficiente.
Dante mantinha-se próximo, o cheiro de perigo sempre pairando ao redor dele, como se pressentisse que algo estava prestes a acontecer.
— Lembra-se do que falamos — sussurrou Kaela, enquanto desmontava. — Eles vão te testar. Vão provocar. Mas você já os enfrentou na floresta. Agora só precisa fazer o mesmo com palavras.
— Palavras sempre me pareceram mais traiçoeiras que garras — respondi, caminhando em direção à entrada do salão circular.
Lá dentro, uma mesa de pedra em formato de meia-lua nos aguardava.
Cadeiras esculpidas para os alfas — uma para cada linhagem.
A cadeira de Montserra sempre ficava vazia... Ou ocupada por Kaela.
Hoje, seria diferente.
Quando entrei no salão, o burburinho cessou.
O primeiro a se levantar foi Alfa Orion Ironfang, um homem grisalho, de olhos tão frios quanto aço temperado.
— Isso é algum tipo de brincadeira? — disse ele, com desdém. — A liderança de Montserra enviada para representar... e ela envia uma fêmea? E não qualquer uma — ele olhou para Kaela. — Não a conselheira habitual. Mas uma desconhecida.
— Eu sou a Alfa de Montserra — declarei.
Minha voz ecoou pelo salão como um trovão contido.
Nenhum tremor. Nenhuma hesitação.
Orion riu.
— Você pode usar esse título entre os seus. Mas aqui... não basta se nomear. Tem que provar.
— Provei em Redmoor — respondeu Cael, levantando-se. — Ela salvou minha matilha. Lutou, matou, sangrou. Enquanto vocês estavam escondidos em seus salões esperando por relatórios. Ela liderou como poucos alfas que eu conheci.
Outro alfa se levantou.
Selwyn Solari. Jovem, ambicioso, encantador como veneno em cálice dourado.
— Então é verdade... a loba mascarada existe.
O sussurro virou carne.
Ele me olhou com olhos dourados, penetrantes, perigosos.
— Diga-me, Alfa... por que escondeu sua identidade durante todos esses anos?
— Para proteger minha matilha.
— Para evitar guerras internas.
— Porque vocês nunca teriam me deixado ocupar um trono, mesmo sendo a mais forte entre vocês.
— Porque os velhos alfas preferem morrer agarrados à tradição do que se curvar a algo que desafie seu ego.
Escolha a razão que mais fere sua masculinidade, Selwyn. Todas são verdadeiras.
Um silêncio pesado caiu sobre a sala.
Então, lentamente, um terceiro alfa se levantou.
Ariel Umbra. A única fêmea além de mim no salão, embora com uma postura mais conciliadora. Seus olhos eram escuros como tinta e frios como o luar.
— A força se prova em batalha, não em berço.
Se a Alfa de Montserra salvou Redmoor, então ela tem meu voto.
Se resistiu ao tempo, às ameaças e às mentiras do mundo externo... ela tem o direito de sentar nesta cadeira.
Ela apontou para o trono vazio.
Orion bufou.
— E se for uma armadilha? E se for manipulação? Há magia negra circulando entre nós. Inimigos antigos retornando. Quem nos garante que essa... encenação não é parte disso?
Nesse momento, o chão tremeu.
De novo.
Um sussurro percorreu as pedras.
Como se algo rastejasse sob o santuário.
Todos pararam.
Um dos sentinelas entrou correndo.
Rosto pálido. Olhos arregalados.
— Invasão. Criaturas espreitam as bordas das montanhas. Eles encontraram o Santuário.
A reunião explodiu em caos.
Alfas rosnando. Conselheiros se erguendo.
Gritos e ordens cruzadas.
— Silêncio! — gritei.
Todos se viraram para mim.
— Quem quiser discutir títulos e tradições, pode ficar aqui dentro e esperar morrer debatendo hierarquia.
Eu vou defender este Santuário.
E qualquer um que se chame Alfa de verdade... vem comigo.
Ergui meu manto. Vi Dante se transformar atrás de mim.
Kaela já emitia ordens. Amara montava a linha defensiva.
Selene distribuía armas encantadas.
Enquanto eu marchava para o portão externo, uma por uma, as lideranças vieram atrás.
Até mesmo Orion, com o cenho fechado e orgulho ferido, assumiu posição no flanco leste.
Quando os monstros surgiram na noite — mais bestas amaldiçoadas, deformadas, cuspindo magia e ódio — nós os enfrentamos como uma só matilha.
Eu, à frente.
Sem máscaras. Sem intermediárias.
Somente a Alfa.
A fêmea.
A coroa.
E enquanto meus dentes cravavam na garganta do inimigo, percebi algo ainda mais perigoso do que magia negra ou lendas retornando.
Unidade.
Se eu conquistasse os alfas...
Se eles passassem a seguir minha liderança…
O mundo dos lobos mudaria para sempre.
As criaturas saíram da neblina como se a noite tivesse tomado forma: olhos esverdeados brilhando no escuro, garras negras, ossos deformados e espinhos por toda a pele corrompida.
— Protejam o círculo! — rugiu Kaela, já transformada, os pelos dourados faiscando com a energia ancestral.
Amara assumiu o flanco oeste com os batedores de Umbra. Selene se postou no topo da muralha, canalizando magia através dos ossos lunares que ela sempre carregava no pescoço.
Dante já havia mergulhado no combate, abrindo caminho com os dentes e garras, furioso como sempre. A conexão entre nós era um fio tenso e invisível — eu o sentia sangrar antes que o sangue tocasse o chão.
Mas desta vez, não foi ele quem me preocupou.
Foi eu mesma.
No instante em que avancei, algo em mim se rompeu.
Uma presença adormecida, profunda... desperta.
Senti minha espinha queimar, o coração pulsar fora do compasso.
Era como se a própria Lua gritasse dentro de mim.
Como se minha alma estivesse sendo puxada por outra força — antiga, selvagem e incontrolável.
Minha transformação não foi como as outras.
Minhas amigas já haviam testemunhado isso antes, em segredo.
Mas agora Cael também veria.
Meu corpo cresceu em altura e ferocidade, os pelos negros faiscaram em prata líquida, e os olhos...
Os olhos se tornaram completamente brancos.
Cael congelou por um segundo ao me ver.
— O que... você é?
Mas eu já não podia responder.
A alfa havia sumido.
O que restava ali era a herdeira da Lua, a loba marcada pelos antigos.
O rugido que saiu da minha garganta partiu pedras.
Avancei como uma sombra viva, abrindo caminho entre as criaturas com facilidade sobre-humana. Garras que cortavam como lâminas, velocidade que deixava borrões no ar.
Uma das bestas se atirou sobre mim com os dentes arreganhados, e eu a segurei pelo crânio e a arremessei contra três outras.
Chamas brancas explodiram em minha pele ao contato com a magia negra delas.
Mas ela não me feriu.
Ela fugia de mim.
Pude ouvir um dos alfas sussurrar, estarrecido, enquanto eu passava:
— Isso... não é só uma alfa. É uma lenda viva.
Cael me alcançou quando o grosso da batalha já havia passado.
Estava ferido, sangrando no ombro, mas firme.
— Você... não me contou que carregava esse poder.
— Você não teria acreditado — respondi, ainda arfando, os olhos voltando à cor normal aos poucos.
— Eles precisam saber.
— Não agora. Não ainda. Esse poder é o que os antigos temiam. E o que pode virar todos contra mim se não for revelado da forma certa.
Ele assentiu, mesmo sem entender completamente.
No campo, as últimas criaturas caíam.
Dante rugiu anunciando o fim.
O santuário estava salvo.
Mas uma das bestas, antes de morrer, ergueu a cabeça para mim e falou.
Falou. Com a voz de muitos.
— A coroa pesa, loba da lua...
E logo ela será esmagada... pela própria sombra.
Depois, virou pó.
As palavras ficaram presas em meu peito como veneno silencioso.
E todos, mesmo os mais orgulhosos alfas, me olharam diferente naquele instante.
Não apenas como uma fêmea que havia assumido o trono.
Mas como algo além do que sabiam nomear.
Como um presságio.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 54
Comments
Jane Silva
eita
2025-06-13
0