O sangue ainda não havia secado na terra, e já estávamos reunidos no salão de pedra.
As paredes do Círculo estavam cobertas por tapeçarias antigas, símbolos das linhagens que forjaram nossa história. As chamas das tochas tremeluziam, lançando sombras sobre os rostos tensos das líderes reunidas. Cada uma sentada em seu lugar habitual — Beta Kaela, Gama Amara, Delta Selene. Todas esperando... por mim.
Mas no centro do salão, ocupando o trono de couro negro, esculpido com o brasão da nossa matilha, não estava eu.
Estava Kaela.
Porque era assim que o mundo funcionava.
Para os de fora, a Alfa era um homem, e Kaela sua conselheira de confiança.
Para os outros alfas, eu não existia.
Pelo menos, não como líder.
Eu observava da lateral, como sempre. Invisível aos olhos do mundo, mas sentindo o peso de cada decisão no sangue.
— O ataque não foi aleatório — disse Kaela, sua voz ecoando firme pelas pedras. — Não era uma criatura comum. Era magia negra. Uma criação amaldiçoada. E tinha um único alvo.
Selene se moveu desconfortável na cadeira.
— Ele disse que foi enviado por algo... que caçou alfas no passado. Vocês sabem o que isso significa?
— Um renascimento — murmurou Amara, séria. — E uma guerra muito maior do que estamos preparados para enfrentar.
— Por isso pedi que a convocação fosse enviada — disse Kaela. — Precisamos alertar as outras matilhas. Uma reunião com os alfas precisa acontecer. Agora.
O salão ficou em silêncio.
Era uma escolha perigosa. Uma reunião de alfas envolvia regras, cerimônias, e uma exposição pública que minha existência não podia permitir.
Se eu aparecesse, os clãs saberiam que foram enganados.
Que a Alfa verdadeira era uma mulher.
E que escondemos isso deles por anos.
Mas não podíamos mais fugir.
O inimigo sabia quem eu era.
Logo, o resto do mundo também saberia.
— Vamos convocá-los — falei, finalmente rompendo o silêncio.
Todos se viraram para mim. Não como subordinadas. Mas como irmãs. Como lobas que seguiam a minha liderança desde o início, mesmo que o mundo nunca tivesse visto meu rosto no trono.
Kaela se levantou devagar, cedeu seu lugar no centro do salão.
E eu, pela primeira vez em muitos anos, me sentei ali.
No trono que era meu por direito.
— Enviem mensageiros aos cinco clãs do Norte — ordenei. — Digam que a Lua sangrou na fronteira de Montserra, e que a verdadeira Alfa convoca uma reunião de emergência no Santuário da Pedra. Em três dias. Nenhum alfa faltará.
Amara franziu o cenho.
— E quando perguntarem quem é a Alfa?
Olhei para cada uma delas. Vi medo, orgulho, dúvida... e fé.
— Diremos a verdade.
Um murmúrio percorreu o salão. Selene deu um passo à frente.
— Você tem certeza? Se os outros clãs rejeitarem sua liderança por ser fêmea, pode começar uma guerra política. Ou algo pior.
— A guerra já começou — respondi. — Só que do lado de fora, as criaturas rasgam peles. Aqui dentro... o que eles rasgam são tronos. Mas estou pronta para defender ambos.
Nesse momento, a porta de pedra foi aberta com força.
Dante entrou.
Ainda com feridas nos braços, o peito nu coberto de cicatrizes novas, o cheiro de sangue e terra impregnado em sua pele. O lobo dentro dele ainda pulsava na superfície, e os olhos dourados buscaram os meus.
— Ele está se movendo — disse. — E agora que sabe que você existe... não vai esperar três dias.
Meu coração apertou.
— Onde?
— Ao sul. Matilha Redmoor. Recebemos um chamado. Estão sendo atacados.
Kaela se levantou com força.
— Já? Mas é impossível cobrir tanta distância em tão pouco tempo.
— Não se ele tiver ajuda. Ou portais — respondeu Dante.
Me levantei do trono.
— Preparem os guerreiros. Montamos antes do pôr do sol.
Amara arregalou os olhos.
— Você vai, pessoalmente?
— Sim.
Chegou a hora de mostrar ao mundo quem comanda a Lua.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 54
Comments