Darkness Next Door

Darkness Next Door

O Silêncio de Dmitry -Narrativa de Margô

A neve já começava a acumular nos parapeitos quando desci do ônibus naquela tarde. O céu de São Petersburgo era cinza espesso, sem promessa de sol apenas a melodia abafada do inverno, que eu ouvia como se viesse de longe. A surdez parcial no ouvido esquerdo dava-me a sensação constante de estar entre dois mundos. Em um, os sons chegavam quase claros e duros, no outro tudo era distante, submerso.....como memórias que a gente tenta esquecer.

Subi os três andares do prédio antigo com as mãos enfiadas nos bolsos e os pensamentos vagando entre a dor de cabeça e a folga do serviço que se aproximava. Foi quando ouvi - ou melhor, senti um som diferente. Não era o eco costumeiro da escada de concreto. Era peso, movimento, vozes abafadas, um cheiro de couro caro e de cigarro queimando no ar. Alguém estava se mudando para o 3B o meu andar. Parei um segundo vasculhando a minha bolsa atrás das chaves e recuperando o fôlego da subida, antes de virar o corredor e seguir para o meu apartamento, então eu vi-o, alto, com uma postura que ocupava o espaço, como se o mundo devesse recuar para deixá-lo passar. A pele pálida, quase antinatural sob a luz fraca do corredor, dava-lhe um ar fantasma ou algo ainda mais antigo e perigoso, os cabelos pretos lisos um pouco desalinhados caiam sobre a testa, como se nem se importasse em parecer apresentável. Mas o que mais me prendeu — o que me fez esquecer até de piscar, foram os olhos; heterocromia, um azul profundo como o inverno russo, o outro verde, escuro e afiado como vidro quebrado. Um contraste tão marcante que dava a sensação que ele enxergava o mundo em duas versões em simultâneo: uma julgava e a outra que caçava. O corpo era outro detalhe impossível de ignorar; musculoso, sim, mas não como os fisiculturistas que se exibem em academias. O tipo de força que vinha do uso real, braços que pareciam ter carregado mais do que caixas, mãos que podiam tantdestruir, , quanto proteger, casaco escuro, luvas de couro; carregava as caixas com uma calma que me pareceu ameaçadora. Os olhos heterocromaticos se ergueram e encontraram os meus, frios a ponto de causar-me um arrepio na espinha. Ele não sorriu

-Você é a do 3A? perguntou com a voz baixa e firme, quase rouca.Precisei inclinar a cabeça para entender direito, compensando o lado mais surdo; ele percebeu.

-Sim .respondi , tentando parecer neutra, se possível invisível

-Dmitry - ele disse apenas, antes de entrar no apartamento ao lado.Nenhuma explicação, nenhuma pergunta, mas eu sabia.O tipo de homem que se muda sem dar detalhes, que carrega caixas sozinho e não pede ajuda, não é alguém comum.E nos corredores frios de prédios esquecidos por Deus, a gente aprende a reconhecer o perigo pelo cheiro.Segui meu caminho em direção a porta retirando meu cachecol e fechando-a logo atrás de mim,deixei meus sapatos na entrada e segui em direção ao banheiro para tomar um banho quente; o cansaço falou mais alto que a fome , segui direto para a cama e deitei , ao fundo escutava apenas os ruídos das caixas sendo pistas no chão e móveis sendo arrastados, adormeci logo em seguida.

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