Ala dos Príncipes – Final da Tarde
Os gritos vieram primeiro.
— MÃE! MÃE!!
Kátyra largou o livro no chão e correu pelos corredores. Quando chegou ao quarto de Mael, já havia uma aglomeração de criados do lado de fora.
Dentro, o menino tremia na cama. As cobertas estavam no chão e um dos guardas retirava duas serpentes finas e negras, ainda se enroscando, enquanto um curandeiro era chamado às pressas.
— O que está acontecendo aqui?! — gritou Kátyra.
Um dos criados, nervoso, desviou o olhar.
— Alteza… dizem que… dizem que a senhora mandou por as cobras na cama do jovem príncipe.
O sangue sumiu do rosto dela.
— O QUÊ?!
Elyra apareceu à porta, fingindo surpresa.
— Oh, meu querido Mael… graças aos céus não foi mordido. Que sorte teve. — E então, com o tom venenoso que só ela sabia usar: — Ainda mais sorte por não dormir no quarto da rainha hoje, não é?
Kátyra a encarou, sentindo o coração bater como um tambor de guerra.
— Foi você. Você armou isso.
— Eu? Ora, princesa… por que eu colocaria cobras na cama de alguém que amo como um neto?
— MAEL É MEU FILHO!
— Será? — respondeu Elyra com um sorriso. — Ou é só mais um fardo que você herdou do passado do Tharion?
A tensão explodiu. Guardas se aproximaram, mas Mael se levantou, ainda pálido, e foi até Kátyra, segurando sua mão com força.
— Eu sei que não foi você, mãe.
Kátyra apertou os olhos, tentando conter as lágrimas. Mas ao sair do quarto, os sussurros já percorriam os corredores.
> “Ela tentou matar o menino...”
“Sempre teve ciúmes de Mael…”
“A rainha enlouqueceu…”
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Pátio Interno – Minutos Depois
Kátyra atravessava o corredor de pedra quando viu um pajem de Tharion carregando um maço de cartas para a torre. Ele andava apressado e não percebeu quando uma das cartas escorregou e caiu.
Ela reconheceu de imediato o selo de Dimitry — o urso dourado com olhos de ônix.
Parou. Olhou para os lados.
Abaixou-se e pegou rapidamente a carta, escondendo-a no busto com as mãos tremendo.
Seu coração batia como tambores de guerra.
Sem dizer nada, andou a passos largos para fora do palácio, seguindo pelos fundos até os Jardins das Escamas, onde ninguém mais ousava entrar desde que Tharion matara um espião ali.
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Entre as Rosas de Prata – Sozinha
Ela retirou a carta com as mãos trêmulas, desfez o selo e desdobrou o papel. Era a letra de seu pai.
> “Minha querida filha,
A saudade que sentimos de ti não cabe neste papel. As cartas têm chegado atrasadas, mas continuam vindo — e nelas, vejo tua dor, tua força. Não deixes o coração endurecer. Não permitas que as sombras te devorem. A criança que esperas carrega o sangue de duas linhagens antigas, e não há força neste mundo que me impeça de proteger esse futuro. Tua mãe tem rezado todas as noites. Adam veria orgulho em teus passos.”
Ela levou a carta ao peito, e então ao ventre.
As lágrimas caíram. Lentas. Silenciosas.
E no meio das flores prateadas, ela murmurou:
— Eu não estou louca. Eu não estou sozinha. Eu vou descobrir por que ele escondeu isso de mim…
Salão do Trono – Instantes Depois
As portas se abriram com estrondo.
Kátyra entrou vestida em azul profundo, com detalhes prateados que refletiam a luz das tochas. A capa ondulava atrás de si como as asas de um dragão. O cabelo preso em um coque alto com fios soltos na lateral. A postura firme. O olhar, gélido.
Ela não veio implorar. Não veio explicar. Veio como rainha.
No centro do salão, Mael, de pé, parecia dividido entre o medo e a culpa. Elyra estava sentada ao lado do trono auxiliar, como se já tivesse vencido. Tharion estava em pé, encostado em uma das colunas do trono real, braços cruzados. Pela primeira vez em dias, ele olhou para ela. E não desviou.
Um silêncio se instaurou.
— Alteza — disse um dos guardas. — A Rainha Kátyra.
— Eu sei quem ela é — disse Tharion, num tom baixo. A voz carregava tensão.
Ela parou no centro da sala, diante dele.
— Já sabe, então?
— Sei que encontraram serpentes na cama de Mael. E que alguns dizem que foram colocadas por você.
— "Alguns". — Ela encarou Elyra, sem disfarçar. — Imagino quem.
Elyra sorriu, afetada.
— Eu apenas relatei o que ouvi dos criados. Certamente não esperavam que eu escondesse uma acusação tão grave. Meu neto poderia ter morrido.
— Ele não é seu neto. — Kátyra devolveu, sem hesitar. — É meu filho. Eu o criei, eu o amei, e ele sabe disso.
Mael vacilou. Olhou para Tharion, depois para a mãe adotiva. Deu um passo hesitante.
Tharion quebrou o silêncio.
— Você está dizendo que foi uma armação?
Ela deu um sorriso amargo.
— Estou dizendo que, se fosse para ferir uma criança, eu morreria antes de levantar a mão contra qualquer uma das que nasceram debaixo do meu teto.
E então, virou-se para Mael. Se ajoelhou diante dele, encarando-o nos olhos.
— Você me conhece. Olhe nos meus olhos e diga… você acha que eu faria isso?
Mael, com os olhos marejados, apenas abanou a cabeça. Um "não" tímido saiu de seus lábios. Mas foi alto o suficiente para ecoar no salão.
Kátyra se ergueu. A rainha novamente.
— Não estou aqui para me defender. Estou aqui para exigir que investigue de onde vieram aquelas serpentes. E que tome providências se descobrir que alguém usou o nome da Rainha deste reino para uma farsa tão vil.
Tharion ficou em silêncio. Mas seus olhos, fixos nela, vacilaram. Era como se, por um instante, ele a visse de novo.
Elyra levantou-se.
— Isso é um ultraje! Você está me acusando agora? Eu, que te acolhi quando ninguém mais queria…
— Acolheu? — Kátyra avançou um passo. A voz cortante como uma lâmina. — Você me odeia porque nunca aceitou que ele me escolheu. Porque sabe que, apesar de tudo, ele me ama. E por isso envenena tudo ao redor. Mas não vai envenenar meus filhos.
Ela se virou para Tharion.
— E você, meu rei, se vai duvidar de mim mais uma vez, que o faça olhando nos meus olhos. Como agora.
O silêncio pairou pesado. O coração de Tharion batia como um martelo no peito. Ele olhava para ela… e pela primeira vez em muito tempo, duvidava da dúvida.
Ele não disse nada.
Mas não mandou ela se retirar.
Elyra, furiosa, tentou protestar, mas Tharion levantou a mão.
— Basta. Vamos apurar tudo. Quem ousar mentir, responderá diante da coroa.
Kátyra virou-se para sair. Mas antes, encarou Elyra uma última vez.
— Nunca mais toque nos meus filhos.
E saiu com a cabeça erguida, a capa deslizando como uma onda noturna. Do lado de fora do salão, Mael correu atrás dela — e pegou sua mão.
Salão do Trono – Poucos Instantes Após a Saída de Kátyra
Tharion permaneceu imóvel por alguns segundos, os olhos fixos no chão de pedra. O salão ainda ardia com as palavras que haviam sido ditas.
Elyra tentou se recompor em seu assento, ajeitando os cabelos, forçando uma expressão de ofendida.
— Ela me humilhou diante de todos, você viu isso, meu filho...
Tharion levantou o rosto, os olhos sombrios.
— Meu filho? — repetiu com uma voz baixa, cortante como aço. — É disso que quer falar, mãe?
Elyra recuou um pouco no assento.
— Tharion...
— Eu aguentei tudo — ele disse, dando um passo adiante. — Aguentei as piadas, as intrigas, sua maneira de tratar Kátyra como se fosse inferior… porque eu achei que era dor, orgulho ferido. Mas hoje… hoje você passou do limite.
Elyra tentou se defender:
— Você vai acreditar nela? Ela é instável, fraca, emocional. Você viu como se alterou diante de todos! E se Mael...
— Basta!
O grito ecoou como um trovão no salão.
Tharion se virou completamente para ela agora. Havia um misto de fúria e desilusão em seus olhos.
— Você chegou ao ponto de tentar tirar a vida do meu filho. — A voz dele era mais baixa, mas muito mais grave. — Que tipo de pessoa é você?
Elyra empalideceu.
— Como assim?
— Não ouviu? — ele deu um passo à frente. — Quer que eu repita? Você tentou matar Mael.
— Não, eu... eu jamais...
— Mãe, pare. — Agora era quase um súplica cansada. — Kátyra tem medo de serpentes desde quando a conheci. Ela mal consegue vê-las em livros. Jamais teria coragem de colocar uma em lugar algum, muito menos onde dorme o próprio filho.
Elyra gaguejou, os olhos marejando.
— Eu... eu estava tentando proteger você.
Tharion abaixou o olhar por um momento. Quando falou novamente, sua voz estava carregada de dor:
— A senhora realmente não sabe o quanto me dói dizer isso. Mas vai passar a semana na torre isolada. Sem criados. Sem visitantes.
— Tharion...!
— Os mestres disseram que as serpentes não eram venenosas. Se fossem, estaríamos com uma criança morta e um reino devastado pela culpa. Isso é inadmissível.
Guardas se aproximaram. Elyra se levantou de súbito.
— Você está me exilando? Por causa dela? Por causa daquela...
— Levem-na. — A ordem foi clara.
Elyra foi retirada entre protestos, mas não ofereceu resistência. Sabia, no fundo, que tinha perdido.
O salão esvaziou. Restaram apenas Tharion… e Kátyra parada próxima à porta, voltando após escutar tudo, os olhos marejados.
Tharion virou-se, e pela primeira vez em dias, encarou o olhar dela sem escudo.
Ela caminhou lentamente até ele, silenciosa. Quando parou à sua frente, estendeu a mão com um pergaminho dobrado, selado com um urso prateado. Ele reconheceu na hora. O selo de Dimitry.
— Caiu do bolso do pagem — ela disse, a voz embargada. — Eu li. Achei que fosse a única.
Tharion pegou a carta com mãos hesitantes. Abriu. Leu as palavras breves mas carregadas de ternura do sogro. Palavras que nunca chegaram a ela.
Quando voltou a olhar, ela estava chorando.
— Você… você guardou todas elas? — a voz dela saiu num sussurro. — Todas as cartas que eles me mandaram?
Ele não respondeu.
Porque a culpa era maior do que qualquer resposta.
Ela o encarou com os olhos rasos.
— Por quê?
Ele quis dizer mil coisas: que a amava, que a protegia, que tinha medo, que perdeu o controle. Mas tudo que conseguiu dizer, com a voz sufocada, foi:
— Eu... não sei mais como te alcançar.
Ela então fez algo que o desmontou: tocou o próprio ventre com uma das mãos, como num gesto de súplica muda.
E saiu.
Sem mais palavras.
Tharion ficou sozinho no salão, com a carta de Dimitry tremendo entre os dedos… e o gosto amargo da distância que ele mesmo cavou.
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Atualizado até capítulo 41
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