Se eu soubesse que planejar um casamento com a sogra Ayla Vólkov seria uma prova de resistência psicológica nível Guerra Fria, teria trazido um terço, um calmante e uma garrafa de tequila.
Às dez da manhã, fui convocada — não convidada, convocada — para um chá formal de alinhamento matrimonial. Sabe o que é isso? Eu também não. Descobri na marra.
A sogra — que parece ter saído diretamente de um filme da máfia russa com sotaque de tribunal — estava sentada em uma poltrona gigante, vestida toda de bege como se fosse comandar um ritual, e com uma xícara de porcelana na mão como se fosse um cetro de julgamento.
— Yarin, querida — disse ela, sem sorrir, o que me assustou mais do que o rifle pendurado na parede. — Temos muito o que resolver antes do enlace.
Enlace. Até as palavras aqui parecem saídas de um livro de tortura romântica do século XIX.
As cunhadas chegaram logo em seguida.
Aruna, perfeita até a alma.
Elena, que me olhou como se eu fosse uma bomba com pernas.
Serena, que é tão linda que até meu reflexo ficou sem autoestima.
Sofia, a única que parece gostar de mim de verdade — provavelmente porque gosta de ver o caos acontecendo de camarote.
— Você já pensou no vestido? — perguntou Aruna, delicada como um tapa de luva de veludo.
— Sim. Quero algo que me permita correr, rolar no chão se necessário e dar uma voadora em possíveis atentados.
Silêncio.
Sofia tossiu pra esconder a gargalhada.
Elena me encarou como quem calcula a dose certa de veneno.
Aruna... sorriu. Um sorriso perigoso.
— Perfeito — ela disse. — Podemos trabalhar com isso.
Duas horas depois, estávamos cercadas por amostras de renda, tecidos, véus, adereços, joias e... um livro gigante com 37 páginas de protocolos matrimoniais mafiosos. Eu juro, vi a capa: “O Casamento Vólkov Morelli – Honra, Tradição e a Ordem do Chá Russo-Italiano”.
Trinta e sete. Páginas.
— Isso aqui é um casamento ou a coroação da rainha da Inglaterra? — perguntei, folheando as regras.
— É a união entre duas famílias que controlam meio mundo, querida — respondeu minha sogra, com um leve tom de ameaça passiva-agressiva.
— E eu achando que era só dizer “sim” e não tropeçar no altar.
Serena me lançou um olhar cúmplice.
— Pode tropeçar. Desde que caia com estilo.
Nisso, um costureiro tentou tirar minhas medidas e acabou levando um tapa com a fita métrica. Não foi por mal. Eu apenas achei que ele era um dos russos infiltrados.
(Ninguém me avisou que ele era francês. E cego de um olho.)
No fim da tarde, depois de provar dez vestidos, três coroas, um par de luvas de pele de urso siberiano (???) e ouvir uma dissertação de Elena sobre alianças de poder através da história, eu estava quase fugindo pela janela do banheiro com meu vestido semiaberto e um croissant escondido no sutiã.
Mas então...
Vi o reflexo no espelho.
Eu. Vestida como uma princesa da máfia.
Descabelada, suada, rindo sozinha.
Ridícula. Confusa. Meio feliz.
E pensei em Leonardo.
O idiota gelado, controlado, tenso.
O homem que me olha como se quisesse me esganar e me beijar na mesma respiração.
E, pela primeira vez, me perguntei:
Será que esse casamento maluco vai mesmo acontecer...?
Porque, se acontecer,
vai ser um espetáculo.
E eu?
Eu vou estar no palco principal.
Depois de sobreviver à Operação: Casamento Imperial com a matriarca e suas filhas treinadas pela KGB, achei que merecia ao menos um dia de paz. Talvez um banho de espuma. Um chá com bolacha. Um cochilo sem tiroteio.
Mas Deus não descansa no mundo da máfia, e nem o demônio que escreve minha vida.
E lá estava ela.
Valentina.
Toda bronzeada, com um vestido que parecia ter sido costurado direto na pele e aquele andar de quem nunca pisou no próprio orgulho. Dona do título: "Mulher que Mais Queria Estar no Meu Lugar".
E cá entre nós… ela definitivamente tinha mais preenchimento que empatia.
— Yarin — disse ela, aparecendo na varanda como uma cobra que usa salto alto. — Que surpresa te encontrar aqui.
— Surpresa mesmo seria você me encontrar na fila da comunhão, Valen. Mas o mundo gira, né?
Ela sorriu.
Um daqueles sorrisos que precedem assassinatos sociais.
— Estávamos justamente falando sobre você.
— “Estávamos” quem? O eco e sua autoestima?
A matriarca apareceu no exato momento, com seu andar digno de trono e xícara de porcelana (sempre).
— Bom dia, meninas. Espero que estejam mantendo a civilidade.
— Sempre, dona Ayla — respondi, toda polida, com um sorriso que dizia “aguarde o fogo de artifício”.
— Estava elogiando o bom humor de Yarin — mentiu Valentina, piscando. — Ela é tão autêntica.
— Verdade. Eu sou igual meus cílios: 100% real e às vezes colada com raiva.
Ayla tossiu.
Juro por tudo que é sagrado, ela estava segurando o riso.
Valentina continuou o teatrinho:
— É difícil, não é? Se adaptar a esse... universo. Pessoas educadas. Comporte refinado. Estilo europeu.
— Ah, claro. Porque etiqueta se mede pelo tamanho do lábio superior. Você aplicou o curso ou foi direto no ácido?
BOOM.
Silêncio.
Sofia deixou cair o garfo.
A matriarca… riu.
Disfarçado, um “hmm-hmm” bem elegante — mas que eu vi.
— Yarin... você é impossível — disse ela, finalmente com um sorriso nos olhos.
— Obrigada, sogrinha. Impossível, imprevisível e inadiável.
Valentina fez menção de sair, e nesse momento, como cereja do bolo, eu tropecei no próprio vestido, agarrei a cortina pra não cair, levei a cortina junto e fui parar no chão com dignidade zero — mas com um braço esticado pra cima e o grito:
— Tô bem! Isso aqui é ensaio pro dia do casamento! Já vou cair no altar pra ver se Leonardo me pega no colo. Ou na unha.
Ayla gargalhou.
Sofia se jogou no sofá.
Até Elena soltou um sorrisinho torto.
E Valentina?
Saiu com cara de Botox ofendido e sem entender se estava num filme de comédia ou sendo exorcizada.
Missão cumprida.
Estava eu, esparramada no chão da varanda, vestida num conjunto de linho que mais parecia uma cortina de hotel cinco estrelas, segurando a barra de tecido como se fosse minha dignidade... quando ouvi o som dos sapatos.
Não qualquer som.
Aquele som.
Preciso. Ritmado. Letal.
Leonardo estava se aproximando.
Levantei os olhos devagar, como quem se prepara pra uma sentença de morte. Ele parou ao meu lado. Alto, impecável, gelado como sempre.
E eu ali.
Entre o tapete, a cortina arrancada e um biscoito mordido.
Ele olhou.
Olhou pra mim.
Depois olhou pra própria mãe, que estava... rindo.
Sofia parecia uma hiena do Discovery Channel. Elena bebia chá pra não cuspir. E Valentina... sumida, provavelmente tentando reabsorver o ego por osmose.
Leonardo passou a mão no rosto devagar, como quem calcula os pecados do universo.
— Yarin. O que você está fazendo?
— Inspeção de segurança da varanda. Apoiando o combate à má arquitetura.
— Você caiu.
— Eu tropelhei com propósito, se não se importa.
Ele piscou devagar.
Tão devagar que parecia estar reiniciando o sistema nervoso.
— E a cortina?
— Tentativa de voo panorâmico. Falhou.
— E o biscoito?
— Último pedido antes da queda.
— E a Valentina?
— Foi visitar o bom senso dela. Ainda tá em busca.
Sofia explodiu. Elena bufou. A matriarca riu mais.
E Leonardo...
Ele abaixou. Se ajoelhou. Pegou minha mão.
E riu.
Riu. Baixo. Sincero.
— Você é uma desgraça, sabia?
— Sim. Mas uma desgraça com carisma.
Ele puxou minha mão com força delicada e me levantou.
Eu estava tão perto dele que senti o perfume. Aquele cheiro de cedro, perigo e café caro. Me olhou nos olhos como quem quer me engolir — ou me trancar num cofre.
— E pensar que ainda nem estamos casados.
— Imagina na lua de mel.
Ele segurou o riso. De novo.
Virou o rosto e disse, em tom grave, mas com canto de boca traidor:
— Vem. Vamos conversar.
— Sobre o quê?
— Sobre como você vai parar de me envergonhar publicamente.
— Ah, amorzinho… isso é meu charme natural. Vem no pacote.
Saí com ele, de braços dados, com a cortina arrastando atrás da minha sandália.
Parecia uma dama da máfia.
Ou a palhaça preferida do Don.
E pela primeira vez, vi algo nos olhos dele.
Não era raiva.
Não era julgamento.
Era diversão.
Perigo misturado com curiosidade.
E... um toque de admiração. Disfarçada, claro. Mas ali.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Ely Ana Canto
to rindo muito ,ela é muito autentica, natural ela e demais 🤣🤣🤣🤣🤣🤣
2025-07-15
1
Viviane Araujo
não consigo parar de rir....
2025-06-24
0
Viviane Araujo
não consigo parar de rir....
2025-06-24
0