Leonardo.

Eu nasci em meio ao som de um disparo.

Pelo menos, foi assim que meu pai contou a história. Enquanto minha mãe gritava no parto, no andar de cima, ele calava um traidor no porão da mansão em Palermo. Vida e morte. Sempre lado a lado. Um entrando, o outro saindo. É assim que funciona no nosso mundo.

Sou o primogênito.

O herdeiro.

O que nunca teve o direito de errar.

Aprendi a falar antes de andar, a atirar antes de beijar uma garota, e a comandar antes mesmo de saber exatamente o que era ter medo. Cresci entre homens que falavam baixo e matavam alto. Com doze anos, já lia relatórios de importação ilegal e compreendia as rotas marítimas melhor do que geografia escolar. Com quinze, meu pai me fez escolher entre uma juventude ou um trono. Escolhi o trono. E nunca olhei pra trás.

Meus irmãos...

Eles são as bordas da lâmina que é a nossa família. Cada um afiado de um jeito. Aruna é o veneno doce. Lorenzo, o sorriso que disfarça intenções. Elena, o silêncio antes da execução. Caius, o cérebro frio por trás de bilhões. Serena, a sombra que escuta o que ninguém confessa. Thaddeus, o espectro da justiça. Sofia... Sofia é fogo, e Malik e Louise são os resgates que o mundo tentou roubar da gente — e falhou.

E eu?

Eu sou o peso.

Sou o nome.

Sou o legado.

E por isso aceitei.

Mesmo odiando cada detalhe do pacto.

Uma aliança com os Mancini.O meu pai e o velho Arturo Mancini apertaram as mãos sobre séculos de sangue. Uma guerra de gerações enterrada com promessas escritas à bala e seladas por um casamento. Meu casamento. Com a filha dele.

O jantar foi servido com toda a formalidade digna de um tratado de paz medieval. Prata polida, velas que pareciam castiçais de um funeral vitoriano, e arranjos florais tão grandes que parecia que alguém arrancou metade de um jardim botânico para colocar no centro da mesa. A sala de jantar da mansão Morelli cheirava a vinho caro, desconfiança e flor de laranjeira. Maldita flor de laranjeira.

De um lado, minha família — rostos esculpidos em gelo, postura de esfinge. Do outro, os Mancini — todos com a mesma cara de “não confiaria nem em mim mesmo”.

E no centro... eu.

E ao meu lado... o caos com batom vermelho.

— Leonardo, você já comeu carne de lhama? — Yarin soltou isso enquanto se servia como se estivesse num self-service de beira de estrada. O garfo dela bateu no prato com um estrondo que fez minha avó morta se revirar no túmulo.

— Não — respondi, já prevendo o desastre. — E não pretendo.

— Tsc. Você não vive, Leonardo. Você calcula. Que tipo de mafioso nunca comeu uma carne exótica? — Ela mordeu uma azeitona e fez uma careta. — Essa aqui tem gosto de traumas de infância.

Dante tossiu tentando disfarçar a risada. Lorenzo fingiu que derrubou o guardanapo só para rir embaixo da mesa. Arturo Mancini parecia ter engolido um limão inteiro. E eu? Eu amaldiçoava cada decisão que me levou até esse momento. Inclusive o espermatozoide que decidiu correr mais rápido.

— Yarin, por favor — sussurrou a mãe dela, vermelha até a raiz do cabelo.

— Que foi? Só estou tentando me enturmar! Alguém aqui precisa quebrar esse clima de enterro, né? — Ela pegou o copo de vinho, cheirou como se fosse um perfume, e fez um gesto de aprovação. — Pelo menos, vocês sabem beber.

— Yarin — murmurei com a mandíbula trincada. — Menos.

Ela me olhou com aquele olhar de “eu sou a tempestade”, e sorriu com malícia.

— Tá bom, noivo gelado. Prometo ficar boazinha. Mas se eu soltar um pum de nervoso, não me julga, tá? Minha digestão não lida bem com tensão.

Sofia engasgou com o vinho. Serena tossiu de rir. Elena, que sorri menos que um guarda de prisão russa, estava com os olhos brilhando. Thaddeus… arqueou uma sobrancelha. Um milagre.

— Você é o justiceiro, né? — Yarin apontou o garfo para Thaddeus como se estivesse num interrogatório da CIA. — O cara do sumiço misterioso? Você fez aquele escroto que batia na mulher evaporar? Muito bom. Super apoio sumiços seletivos.

— Foi um acidente. — Thaddeus respondeu, impassível.

— Claro. Ele tropeçou e caiu em cima de uma pá. Várias vezes. Acidentalmente.

Thaddeus… sorriu.

O mundo não estava pronto.

Ela então se virou para Elena, animada:

— Elena, você parece ser das facas, né? Posso ver seu arsenal depois? Juro que não roubo nenhuma. Talvez só uma faquinha de bolso. Sou fascinada por venenos também. Você tem um manual?

Elena deu um sorrisinho psicopata.

A mesa estava se abrindo em pequenas rachaduras de caos encantado. Meus irmãos, que já assistiram execuções como quem assiste novela, estavam... rindo. E não só rindo. Estavam se divertindo com ela.

E eu?

— Você está se esforçando pra sabotar tudo, não está? — sibilei entre os dentes enquanto ela colocava duas azeitonas em forma de olhos no pão.

— Sabotar? Imagina. Tô florindo o ambiente, noivo. Cês são tudo muito travado. Tem mais movimento num enterro de freira.

— Você foi uma freira.

— E fui expulsa. Tá vendo como sou coerente?

Suspirei, profundamente. O tipo de suspiro de quem considera, mesmo que por um segundo, fingir um sequestro internacional pra fugir do jantar.

— Garçom, algo mais forte, por favor.

Yarin piscou.

— Viu? Já estamos falando a mesma língua. Até o fim desse jantar, você vai sorrir. Aposta?

Eu não respondi.

Não dei o braço a torcer.

Mas ela já tinha vencido a primeira batalha.

Porque, por dentro... eu ri.

E isso era o começo da minha ruína.

Ou da pior decisão da minha vida.

Ou, quem sabe… do melhor caos que já entrou por aquela porta com um joelho ralado e um sorriso debochado.

O vinho estava fazendo efeito — ou talvez fosse o caos.

Meus irmãos riam. Meus pais estavam chocados em silêncio controlado. E eu... estava me perguntando se casar com Yarin seria uma punição divina ou a única forma de manter essa família acordada por dentro.

Foi aí que o destino — aquele desgraçado sarcástico — decidiu acrescentar mais um ingrediente na receita do desastre.

— Leonardo! — a voz veio antes da presença. Doce, arrastada, com um sotaque treinado para seduzir banqueiros e ameaçar esposas. — Não sabia que teríamos companhia tão tradicional.

Todas as cabeças viraram ao mesmo tempo. E lá estava ela. Valentina De Luca. Filha de um velho aliado do meu pai. Em tempos passados, um capricho recorrente nas minhas noites. Alta, loira, olhos de serpente e boca de quem sempre quer mais.

Literalmente.

Yarin parou de mastigar. Azeitona ainda na bochecha.

Olhar fixo.

Merda.

— Valentina — murmurei, erguendo um pouco o corpo da cadeira. — Achei que estivesse em Florença.

— Eu estava. Mas soube que os Morelli estariam reunidos com os Mancini... e quis prestigiar o momento. Família, né?

Ela me lançou um sorriso como quem lambia a borda de uma taça de veneno. Depois olhou diretamente para Yarin.

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Comments

Bell Belmonte

Bell Belmonte

eita que só tem gente bonita nesta família Morelli

2025-07-16

0

Ely Ana Canto

Ely Ana Canto

cadê a foto da yarim

2025-07-15

0

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