Chapter 2

Capítulo 2

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O sol mal surgia por trás das nuvens pesadas, tingindo o céu de um cinza ácido que combinava com o clima interno de Liora. A noite passada ainda pairava sobre ela como uma névoa densa, e, por algum motivo que não conseguia compreender, os pensamentos sobre Celeste se recusavam a ceder espaço a qualquer outra coisa. Havia algo naquelas mãos delicadas, no sorriso hesitante, no olhar que parecia perscrutar camadas invisíveis, que a deixava inquieta. Um tipo de fome silenciosa que não podia ser saciada com comida, nem com companhia casual.

Liora se levantou do parapeito da janela, os pés descalços afundando no tapete felpudo. Cada movimento parecia medir a distância entre ela mesma e aquilo que começava a se formar dentro dela: uma urgência que não era apenas desejo, mas algo mais antigo, mais insistente. Algo que se agarrava à mente e à pele.

A cidade despertava lentamente. O som de carros passando na rua principal misturava-se ao canto distante de pássaros urbanos. Liora observava, silenciosa, a movimentação que começava a surgir na estalagem. Havia turistas chegando para o fim de semana, moradores fazendo suas rotinas. Mas ela não conseguia se interessar pelo mundo ao redor. Só por Celeste.

Lembrava-se do toque leve, quase instintivo, que sentira na mão da jovem ao oferecer-lhe o chá. Lembrava-se da maneira como ela inclinava a cabeça ao ouvir as palavras de Liora, como se estivesse tentando decifrar um código invisível. Havia beleza ali, sim, mas não era apenas estética; era algo que penetrava o corpo e a mente de Liora, uma espécie de vertigem silenciosa.

O celular vibrou sobre a mesa da suíte. Liora pegou-o e viu uma mensagem que a fez hesitar por um instante: era de uma amiga distante, querendo saber se havia chegado bem. Ela ignorou. Não havia espaço para mais ninguém na madrugada de seus pensamentos. Celeste ocupava cada canto de sua atenção, cada respiração. Era um efeito silencioso, quase cruel.

Ao se aproximar da cozinha da estalagem, Liora encontrou Celeste organizando algumas xícaras de café sobre a bancada. A luz amarelada da manhã iluminava o rosto da jovem, destacando os traços suaves e a pele que parecia ter absorvido toda a luminosidade do dia anterior.

— Bom dia — disse Celeste, sorrindo de forma tímida, mas ainda assim confiante. — Dormiu bem?

Liora hesitou, tentando organizar as palavras, mas o coração insistia em acelerar.

— Mais ou menos — respondeu, com a calma de quem esconde algo profundo. — E você?

Celeste riu levemente, e Liora percebeu que aquele som tinha o poder de fazer seu peito doer de uma forma que ela não conseguia explicar. Era prazer e aflição ao mesmo tempo, uma mistura perigosa que a deixava alerta e vulnerável.

— Eu… durmo melhor quando a casa está quieta. Mas você chegou durante a tempestade. — Celeste ergueu as sobrancelhas, ainda sorrindo. — Parecia que a chuva queria te expulsar.

Liora não respondeu imediatamente. Observou os movimentos da jovem, a forma como as mãos se moviam com delicadeza, mas sem hesitar. Cada gesto parecia calculado, mas ao mesmo tempo natural, como se cada detalhe tivesse sido ensaiado e, ainda assim, espontâneo.

— A tempestade não me assusta — disse finalmente. — Mas algumas pessoas sim.

Celeste parou, o sorriso vacilou por um instante, e Liora percebeu o efeito que suas palavras causavam. Era uma mistura de curiosidade e cautela, algo que a fascinava e a deixava inquieta. Ela precisava ver até onde aquela tensão poderia ir, sentir até onde a proximidade poderia ser levada sem romper a frágil barreira de segurança que Celeste ainda mantinha.

O café estava pronto. Sentaram-se em silêncio à mesa da cozinha, o aroma forte e doce preenchendo o espaço entre elas. Liora mexia a colher no copo de maneira mecânica, mas seus olhos não se desviavam de Celeste. Cada gesto da jovem parecia amplificado em sua percepção: o modo como ela respirava, como inclinava levemente o corpo para frente, como seus olhos escuros a observavam sem parecer acusatórios, mas intensos, como se pudessem entrar em sua pele.

Liora queria mais. Queria entender, precisava sentir, precisava consumir aquele olhar, aquela presença. Mas não podia admitir isso para si mesma. Era uma fome que se escondia sob o véu da curiosidade, da atração, da obsessão silenciosa.

Mais tarde, quando Celeste foi atender hóspedes que chegavam para o café da manhã, Liora permaneceu na sala comum, observando. Cada movimento da jovem parecia hipnótico. A forma como cumprimentava, ajudava, sorria. Era impossível desviar o olhar. Liora sentia um calor crescente no peito, um fogo que não podia apagar. Cada gesto da jovem era uma fagulha acesa sobre a própria pele de Liora, cada palavra não dita era um convite para perder o controle.

O telefone tocou, interrompendo sua observação. Liora atendeu sem pensar. Era uma ligação do trabalho, exigindo relatórios, presença, tarefas pendentes. Ela desligou antes que a voz do outro lado pudesse penetrar em sua mente com cobranças. O mundo real parecia distante, irrelevante. Celeste ocupava cada espaço, cada pensamento, cada desejo silencioso que ela tentava controlar.

Quando Celeste retornou, carregando uma bandeja com café fresco, Liora se levantou, aproximando-se lentamente. O aroma do café misturava-se com o perfume natural de Celeste, um cheiro que Liora não conseguia nomear, mas que parecia enraizar-se profundamente em suas memórias.

— Está melhor? — perguntou Celeste, colocando a xícara diante de Liora.

— Sim — respondeu Liora, a voz baixa, quase um sussurro. — Mas… sinto que ainda há algo que preciso entender.

Celeste ergueu os olhos, surpresa. — O que quer dizer?

Liora não respondeu imediatamente. Em vez disso, aproximou-se mais, o suficiente para sentir a presença da jovem de maneira quase física. — Não sei… é como se cada gesto seu, cada sorriso, cada palavra, deixasse uma marca que eu não consigo apagar.

Celeste recuou levemente, mas não havia medo em seus olhos. Havia curiosidade, talvez até fascínio. — Isso é… intenso.

— Sim — disse Liora, a intensidade da voz traindo o esforço de manter a compostura. — E perigoso.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Havia eletricidade no ar, uma tensão quase palpável. Celeste parecia medir cada passo, cada respiração, cada gesto de Liora, como se soubesse que qualquer movimento errado poderia incendiar tudo. E, de fato, Liora sentia isso — como se a própria presença de Celeste pudesse acender uma chama que não poderia ser controlada.

Durante o restante da manhã, Liora manteve-se próxima, observando cada detalhe, cada gesto. Cada palavra de Celeste era absorvida com uma atenção quase obsessiva, cada sorriso era registrado, cada hesitação anotada em silêncio. Era um jogo silencioso, uma dança de proximidade e contenção, desejo e risco. Liora sabia que poderia perder-se, e, paradoxalmente, essa possibilidade a atraía ainda mais.

Quando o almoço se aproximou, Liora finalmente se afastou, voltando para o quarto. Mas mesmo ali, em silêncio, com a porta fechada, não havia descanso. Cada lembrança da jovem, cada gesto, cada olhar penetrante, permanecia como uma marca na pele, queimando silenciosamente, lembrando-a de que aquela obsessão não era apenas física, mas emocional.

Liora sentou-se na cama, observando o reflexo no espelho. Viu nos próprios olhos a intensidade de um desejo que não podia nomear, que não podia controlar. Não havia malícia, nem intenção consciente. Havia apenas uma necessidade silenciosa de possuir, de conhecer, de sentir, de ser sentida de volta — mesmo que apenas um instante, mesmo que apenas um sopro.

E assim passou a tarde, cada minuto um teste de resistência, cada respiração uma batalha contra a urgência crescente. Liora sabia que não podia ceder completamente, não ainda. Mas também sabia que Celeste já havia plantado uma semente que, com o tempo, cresceria silenciosa, insistente, impossível de ignorar.

Quando a noite caiu novamente, Liora saiu para caminhar pelas ruas ainda úmidas do vilarejo. A luz dos lampiões refletia no chão molhado, e a brisa trazia o cheiro de terra e folhas molhadas. Cada passo era um lembrete de que não podia escapar do que sentia, de que aquela obsessão silenciosa já estava enraizada, crescendo, alimentando-se da proximidade, do olhar, do toque quase imperceptível.

Liora parou diante da estalagem, observando Celeste na varanda, cumprimentando um hóspede. E, naquele instante, algo se quebrou. Não havia mais distância suficiente para conter o que crescia dentro dela. Não havia mais sombra suficiente para esconder o que desejava.

E, silenciosa, quase sem pensar, Liora se aproximou.

Porque, no fim, o desejo não era apenas um pensamento. Era uma chama que precisava ser sentida. E a obsessão… a obsessão não conhece limites.

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