Chapter 1

Capítulo 1

🪻

A chuva não dava trégua. As gotas finas batiam nas ruas escuras, formando pequenos riachos que serpenteavam entre as calçadas de paralelepípedos e se juntavam nas bocas de lobo. Liora caminhava sob o capuz do casaco pesado, sentindo a água escorrer pelo pescoço e se misturar aos cachos que insistiam em escapar do tecido. Cada passo fazia o barulho abafado dos tênis molhados ressoar pelo bairro quase deserto.

O vento carregava um frio cortante, daqueles que entram nos ossos e fazem a pele arrepiar. Mas não era o frio que a incomodava — era a própria urgência de chegar ali, de sentir de perto algo que ela não conseguia nomear, algo que queimava como brasa dentro do peito.

Celeste estava na porta da pequena cafeteria, abrindo espaço para ela entrar. A luz amarelada dentro contrastava com a escuridão lá fora. O cheiro de café recém-passado e pão quente invadiu Liora como um abraço silencioso, mas não foi suficiente para aquecer o frio que corria por suas veias.

— Boa noite — disse Celeste, a voz leve, quase tímida, mas firme o suficiente para se impor na quietude do lugar.

— Boa noite — respondeu Liora, tentando soar calma, embora sentisse o coração bater mais rápido do que deveria.

Celeste tinha algo em seu olhar que não podia ser ignorado. Não era apenas simpatia, mas uma espécie de luz que parecia atravessar tudo, que enxergava até onde Liora não queria que ninguém chegasse. Seus olhos eram janelas silenciosas para mundos que Liora há muito evitava.

Ela se sentou em uma das mesas perto da janela, sentindo a madeira fria contra a pele, enquanto Celeste servia duas xícaras fumegantes. O vapor subia devagar, misturando-se ao cheiro da chuva, e Liora sentiu uma pontada de ansiedade — algo antigo, difícil de controlar. Um desejo que não precisava de toque, apenas da proximidade, apenas da atenção que se concentrava nela.

— Você mora por aqui? — Celeste perguntou, os olhos fixos na dela, buscando uma resposta que talvez Liora não estivesse pronta para dar.

— Não exatamente — respondeu, desviando o olhar para a rua molhada. — Estou apenas passando.

A sinceridade na resposta não a protegia. A verdade é que Liora sempre passava, sempre fugia, sempre se escondia. Mas havia algo em Celeste que desafiava isso, que a fazia hesitar, que despertava uma necessidade que ela não podia ignorar. O olhar da jovem não pedia nada, mas exigia tudo.

Celeste se sentou em frente a Liora, apoiando os cotovelos na mesa. O gesto era simples, mas carregava um peso inesperado. Era como se cada centímetro de espaço compartilhado aumentasse a tensão no ar, como se a proximidade fosse ao mesmo tempo tentadora e perigosa. Liora sentiu o calor de sua própria respiração acelerar, e algo dentro dela se apertou com uma mistura de fascínio e frustração.

— A chuva parece que nunca vai parar — disse Celeste, e sua voz tinha um timbre que se infiltrava na mente de Liora, provocando um formigamento que ela não podia controlar.

— Gosto da chuva — respondeu, sem saber se falava da água ou da sensação que Celeste provocava. — Ela deixa tudo mais claro. Mais… intenso.

Celeste sorriu, e naquele sorriso Liora percebeu o que não podia admitir: que estava sendo puxada, irresistivelmente, para algo que ela mesma não conseguia nomear. Algo que era mais forte que qualquer prudência, mais intenso que qualquer cautela. Um desejo que queimava silencioso, que transformava cada gesto, cada olhar, em uma arma e em um convite ao mesmo tempo.

Quando Celeste se levantou para recolher algumas xícaras usadas, Liora a seguiu com os olhos. Cada movimento era hipnótico, cada gesto calculado sem parecer. A jovem não fazia esforço para seduzir, e mesmo assim Liora sentiu uma urgência dentro de si que não podia ignorar. Um impulso que a empurrava para frente, que alimentava uma obsessão silenciosa.

Depois de Celeste retornar, algo mudou. A proximidade não era mais apenas física — era emocional, quase dolorosa. Cada sorriso, cada inclinação da cabeça, cada palavra pronunciada com suavidade penetrava em Liora como agulhas finas, impossíveis de remover. O mundo ao redor desapareceu, e tudo que restava era a presença de Celeste, carregada de uma energia que queimava e consumia sem tocar fisicamente.

Liora saiu da cafeteria sem saber exatamente por que. A rua estava molhada, o ar frio e pesado, mas nada disso importava. Cada passo parecia guiado por uma força invisível, cada sombra parecia esconder segredos e promessas. Ela caminhava sem rumo definido, apenas deixando que o desejo a conduzisse, uma obsessão silenciosa que não tinha nome e que não precisava de justificativa.

No caminho, ela parou diante de uma parede grafitada, observando os desenhos borrados pela chuva. As cores desbotadas pareciam dançar sob a luz dos lampiões, mas tudo que Liora via era Celeste — o sorriso, os olhos, a leve inclinação da cabeça, a força silenciosa que fazia seu coração disparar. Era quase cruel, a maneira como a presença de alguém podia consumir outra pessoa tão completamente, sem sequer tocar.

Ela sentou-se na mureta fria, abraçando os joelhos, sentindo o vento umedecer o cabelo. A chuva havia diminuído, mas a tempestade dentro dela não. Cada batida do coração era um lembrete de que aquela obsessão não seria esquecida facilmente, que cada lembrança de Celeste era um combustível silencioso que mantinha o fogo aceso.

A madrugada avançava e Liora permanecia ali, observando as sombras das árvores e os reflexos da luz nos paralelepípedos molhados. Tudo ao redor parecia um palco, e ela era apenas uma espectadora, mas uma espectadora dominada pelo próprio desejo. Não havia pressa, não havia escolha — apenas a intensidade de uma atração que queimava silenciosa, inexorável.

Quando finalmente retornou à pousada, sentou-se à janela do quarto, abraçando os joelhos. Lá fora, a cidade dormia, mas dentro dela, cada memória do olhar de Celeste pulsava como se tivesse vida própria. O calor de sua presença, a luz que irradiava sem esforço, a maneira como cada gesto parecia tocar partes dela que ela acreditava enterradas — tudo isso a deixava inquieta, fascinada, perdida.

Liora respirou fundo, sentindo o frio do vidro contra as costas como um lembrete da realidade. Mas a realidade não podia apagar o que havia sido aceso dentro dela. A obsessão não era apenas pensamento — era corpo, era mente, era presença constante, quase física. A tempestade lá fora era nada comparada à tempestade que queimava em seu interior.

E, pela primeira vez em muito tempo, Liora compreendeu que havia algo que não poderia controlar. Que não havia fuga. Que cada passo, cada lembrança, cada suspiro compartilhado ou imaginado com Celeste era combustível para um desejo que não diminuiria. E mesmo assim, havia beleza nessa destruição silenciosa, nesse fogo que consumia sem se ver, nessa obsessão que não tinha forma e, ainda assim, existia com uma intensidade brutal.

A madrugada avançava, e Liora permaneceu ali, imóvel, sentindo o peso da própria atração, da própria obsessão, da própria humanidade que era ao mesmo tempo frágil e incontrolável. Ela não sabia se aquilo era certo ou errado — só sabia que era inevitável. E, de certa forma, isso bastava.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!