cap 3.

Hoje

Ele me puxa pelos braços.

— Temos que voltar, ou então vossa alteza poderá ser condenada, mesmo sendo princesa.

— Não podemos deixá-la aqui! — grito, a voz embargada.

Ele, já com a paciência por um fio, segura meu queixo com firmeza — não o suficiente para ferir, mas o bastante para que eu o encare.

— Olhai-me nos olhos, sim?

Tento desviar o olhar, mas ouço o som impaciente de seus beiços estalando. Obedeço. Encaro-o.

— Vamos deixá-la aqui.

Abro a boca para protestar, mas ele ergue o indicador e o pousa suavemente sobre meus lábios.

— Assim será melhor. Pode fingir que nada sabe, chorar o quanto desejar... ninguém irá suspeitar. Pode ser?

Com gesto delicado, limpa minhas lágrimas com os dedos.

— Como pôde ela...? Depois de tantos anos de amizade... de lealdade...

Não resisto. Enterro o rosto em seu pescoço. O calor de sua pele, o cheiro de terra e couro. Não importa se sequer sei quem ele realmente é.

Ele é o único que viu o que aconteceu. O único que compreende.

--

Alguns minutos se passam enquanto tento recompor-me. Ainda que ele saiba da minha fragilidade, não devo confiar assim tão facilmente em qualquer um.

Quando ergo a cabeça, ainda próxima de seu pescoço, percebo o quanto ele se mostra desconfortável com tamanha proximidade.

— Devemos regressar, antes que algum mal lhe suceda — diz ele, por fim, tomando minha mão com firmeza e guiando-me de volta ao salão.

Ao adentrar novamente o recinto, meu pai logo se aproxima com expressão ligeiramente ansiosa.

— Oh, minha querida, estive à sua procura. Desejava apresentá-la ao Lorde Emris, mas ao que tudo indica, já o conheceis.

— Ah, sim — respondo, com leveza — ele me convidou para dançar.

Meu pai então se inclina discretamente até meu ouvido e sussurra, apenas para que eu o escute:

— Escolha-o. Além de vastas riquezas, é belo e cortês.

Volto meu olhar ao homem loiro à minha frente. De fato, ele é belíssimo — e, além disso, salvou-me de Merin. Contudo... meu coração ainda não deseja o laço do matrimônio.

Ainda assim, lembro-me da promessa de meu pai: se eu tivesse um pretendente, me permitiria treinar com os cavaleiros ao amanhecer.

Curvo-me diante do lorde com toda a graça que consegui reunir.

— Senhor, vós sois o escolhido. Espero que tenhamos um bom início juntos.

Vejo seu sorriso alargar-se em um gesto quase vitorioso.

Mas então, ao permitir que meus olhos vagueiem pelo salão, ali está ele — o lorde estrangeiro que desde o início capturara minha atenção. Qual será sua real função aqui?

Seu olhar pousa sobre meu parceiro, e é como se

visse a mais desprezível das criaturas. Um

inseto.

O salão permanece envolto na dança e na música, mas para mim tudo se torna um borrão indistinto. Meus passos seguem os de Emris, e ainda assim... meu corpo está aqui, mas algo dentro de mim parece preso àquele olhar distante.

O estrangeiro não se move. Não ousa atravessar a multidão. Mas seus olhos — esses me seguram como correntes finas, invisíveis, impossíveis de romper.

Sinto-o. Mesmo à distância.

A maneira como se recosta contra a coluna, a sombra engolindo parte de seu rosto. As chamas das tochas dançam em sua pele como se o mundo inteiro tentasse iluminá-lo — e falhasse. Ele é o único ser neste salão que não brilha. Ele absorve.

Emris continua falando ao meu lado. Palavras gentis, talvez elogios, talvez promessas. Mas tudo o que escuto é o eco surdo do meu próprio coração.

— Está pálida — diz ele, com um traço de preocupação — Quer que a leve para seus aposentos?

— Não. Ainda não — respondo, com um sorriso apaziguador.

Mas eu sei o que sinto. Sei que alguém me observa. Que há um peso no fundo da minha alma que se agita sempre que seus olhos tocam os meus, ainda que não troquemos sequer uma palavra.

E então, por um instante, ele desaparece. Sumido entre as tapeçarias e as sombras, como se jamais houvesse estado ali.

Meu peito se aperta.

O que é isso?

Esse vazio repentino... Essa ausência que se arrasta pelos meus pensamentos como névoa fria ao amanhecer.

A dança termina. A multidão aplaude. E Emris, sorrindo, me conduz a uma das mesas.

Mas enquanto ele fala sobre terras, heranças, e os nomes que eu deveria conhecer, tudo o que consigo pensar é:

Quem é ele?

Por que parece que carrega dentro de si um segredo que pode me destruir — e que mesmo assim, eu anseio descobrir?

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Comments

Jiraiya

Jiraiya

Esse livro me deixou acordada a noite toda! Valeu a pena!

2025-05-21

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