SHATTERED ROSES

SHATTERED ROSES

A noite de caos

Caminhava por uma via escura, onde a névoa, densa e sombria, tornava difícil ver além de poucos passos. Sentia no peito o peso do silêncio, quando ouvi — passos apressados, algo corria em minha direção.

Deveria fugir? Ou apenas esperar e aceitar o que vier? Confiei à sorte o meu destino.

Mas eis que a criatura passou por mim, sem sequer tocar-me. Por que razão? Virei-me, o coração ainda aos saltos — e ali estava Ártemis. Seus olhos mostravam o mesmo temor que os meus. Contudo, não se movia.

— Correi, Ártemis! — gritei, a voz falhando. Mas ela quedava-se imóvel, como se o medo a houvesse enraizado ao chão...

Eis que desperto. A pele, úmida de suor; o semblante, pálido; os cabelos, em desalinho. O mesmo sonho de sempre...

Solto um suspiro e ergo-me, cansada de tal tormento. Preciso ver se Ártemis se encontra bem.

Caminho até seus aposentos, e com a mão trêmula, bato à porta, temendo o que possa encontrar.

Ártemis é minha irmã de sangue — gêmea, nascida no mesmo alvorecer que eu. Porém, há entre nós uma diferença que o espelho jamais deixaria negar: seus cabelos são tão escuros quanto a própria noite, ao passo que os meus possuem a alvura da neve recém-caída.

Ela abre a porta. Está já vestida, os cabelos bem postos, o olhar calmo.

Terei eu esquecido de alguma ocasião? Algum dia marcado.

— Precisas de algo? — pergunta-me ela, revirando os olhos com desdém fraterno.

— Nada... — respondo, hesitante. — Por acaso há alguma ocasião de importância neste dia?

Ela me fita como se a resposta fosse mais que evidente.

— Ora, irmã... hoje é o dia de tua escolha de pretendente!

Reviro os olhos — gesto que, aliás, já se me tornou hábito — e nada respondo.

Ignoro tudo quanto posso ouvir — sua voz comentando sobre minha aparência e vestimenta, o riso das crianças que brincam no jardim.

Detenho-me de súbito, e quase a faço tropeçar sobre mim.

— Papai está em casa? — pergunto, virando-me ligeira.

— Não, mas... — começa ela.

Arfo, sem dar-lhe tempo de concluir, e sigo adiante, descendo as escadas com o coração apertado.

Nosso pai não é homem de muitas presenças, ainda que habite sob o mesmo teto que nós. Mas já me acostumei a tal ausência.

Dirijo-me à cozinha, disposta a preparar meu pão.

— O que fazes? — pergunta minha irmã. E desta vez, é minha vez de fitá-la como se fosse óbvio.

— Verídia já pôs a mesa.

Lanço-lhe um olhar de relance.

— Nada ali me interessa.

Mentira. E aposto que minha gêmea sabe — conhece-me mais do que qualquer outro.

— Os meninos já comeram. Podes comer também. Não vai faltar, bem o sabes.

— Não, não tenho fome. — digo, já com as mãos na massa.

A questão não é faltar.

Preciso manter postura. Aqueles pratos gordurosos não me servem.

Se quero tornar-me uma cavalheira, hei de provar que sou capaz.

Nasci como herdeira do trono — destino traçado desde o berço.

Mas não desejo ser apenas isso.

Anseio por travar batalhas, enfrentar elfos em campo aberto… e ter um dragão só meu.

Obviamente, não é algo que se espere de mim — não por minha família.

Nos últimos meses, meu pai tem fechado inúmeros acordos sob o pretexto de “negócios”. Mas sei bem: tudo gira em torno de encontrar-me um pretendente.

E eis que hoje chegou — o tal grande dia em que deverei escolher.

— Irmã... — digo, engolindo o bolo de palavras que ameaça escapar-me da garganta.

— Sim? — responde ela, sem demora.

— Deixa estar. Irei treinar um pouco.

Quando dou um passo para retirar-me, sinto sua mão a agarrar meu braço. Pela primeira vez, não sou capaz de ler-lhe os olhos. Nenhuma mensagem clara se revela neles — apenas algo que me escapa.

— Apenas hoje. Fica sem treinar, só por hoje. Importa-te, ao menos um pouco, com esta noite. Por mim.

Minha irmã é a única que sabe o que de fato faço quando digo que vou “tomar um ar”. É ela quem conhece meu verdadeiro sonho. E confio nela — de todo o coração.

— Apenas por hoje. — murmuro, afastando-me em seguida.

Dirijo-me ao quintal, onde vejo as crianças correndo e brincando sob o sol. Ao todo, somos cinco.

Eu e Ártemis somos filhas da mesma mãe — que, infelizmente, já partiu deste mundo. Erin, Erios e Ael são filhos da mesma mulher... nossa madrasta.

Avisto Erin, com os lábios lambuzados de doce, sua boca um retrato da travessura.

Aproximo-me, tirando um lenço do bolso, e agacho-me à sua frente.

— Estás todo sujo! Já tomaste banho?

— Julie ainda não chegou. — responde, inocente.

Suspiro.

Hoje é nosso primeiro dia de aula. Sempre recebemos ensino no seio do lar, mas meu pai dissera que, para que eu me tornasse rainha, haveria de conhecer a realidade do mundo.

— Vai atrás de Ártemis. Ela te dará banho.

Acaricio os cabelos de Erin com leveza, e logo o vejo correr para dentro de nossa casa.

— Ei! — grito aos meus outros dois irmãos.

Ambos se viram de imediato.

— Banho! Agora!

Mais uma vez, vejo os pequenos correndo em disparada, rindo e tropeçando uns nos outros.

Espreguiço-me, já prevendo que terei de me arrumar às pressas. Recolho as espadas de madeira com as quais estavam a brincar.

— Crianças são difíceis, sim? — ouço uma voz familiar às minhas costas, embora eu não consiga lembrar de quem se trata.

Viro-me com rapidez, apontando uma das espadas em defesa, por instinto.

Um rapaz — parece-me um pouco mais velho — ergue os braços, em gesto de rendição.

— Perdoai-me, senhorita, se a assustei. Apenas vim informar que conseguimos nos acertar com os bruxos da área norte. — diz ele, com certo deboche na voz.

— E por que me dizes isso? Não deverias informar meu pai?

— São ordens de vosso pai, raio de sol.

— Ah, sim... — começo a virar-me, mas me detenho. — O quê? Nunca mais repitas isso! — brado em alto e claro tom.

Ele se assusta.

— M...me perdoe, senhorita. — diz, curvando-se com pressa.

Os rapazes deste lugar aparentam ser gentis, mas conheço bem a natureza dos olhares prolongados e dos gestos suaves demais. Não posso permitir que se prevaleçam. Primeiro, vêm com um sorriso, depois um apelido... e em breve, te esperam em um beco escuro.

Amanhã será meu primeiro dia treinando com os rapazes — e sei bem que terei de manter-me atenta.

Enquanto preparo o leite de meus irmãos, ouço o som da porta sendo aberta.

Já sei quem é.

A costureira chegou com nossos vestidos.

Não nutro grande afeto pela senhora Judith, mas tampouco a trato com desrespeito.

Aliás, falando nisso... preciso me aprontar.

Visto-me com um vestido vermelho escuro — divino em sua forma. Sobre os ombros, repousa uma capa de tom mais profundo, adornada com detalhes alvos como neve, para aquecer-me na noite fria.

A festa está esplêndida. Faltam-me palavras para descrever tamanha beleza.

Adentro o salão ao lado de minha irmã.

— Disseram-me que papai estaria aqui. Onde? — pergunto-lhe em sussurro.

— Não te preocupes com isso agora.

A música já soa suave pelas cordas e flautas, e os cavalheiros começam a chamar suas damas para dançar.

Eu, porém, sigo imóvel no meio do grande salão, uma taça de vinho na mão.

Nem papai vejo... tampouco os criados com os aperitivos.

Diversos pretendentes já se aproximaram — rostos bem-postos, falas ensaiadas. Mas, sinceramente, nenhum me prendeu o olhar por mais que um instante.

Procuro Merin com o olhar, quando, de súbito, meus olhos repousam sobre um cavalheiro, sentado entre os demais.

Seus cabelos são negros, um tanto desgrenhados — mas há beleza neles. Traz óculos baixos sobre o nariz e os dedos ornados com diversos anéis. Uma das sobrancelhas arqueadas, o olhar fixo em mim. Os olhos — negros e puxados — denunciam: creio que não és deste reino.

Sinto que preciso ir até ele.

Dou um passo em sua direção, mas algo me segura pelo braço.

— Estás linda, doçura! — diz uma voz que reconheço de imediato.

— Merin! Que saudades!

— Milady. — ela se curva com elegância teatral.

— Confesso que estava à tua procura... mas acabei me distraindo com a mesa de doces.

— Pois encontraste o que buscavas! — digo, com um sorriso.

— Então vamos atrás do verdadeiro tesouro!

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