A dança e os segredos.

Passamos algum tempo entre petiscos simples e vinho generoso, até que a corneta soou, anunciando que me cabia escolher um cavalheiro para dançar comigo nesta noite — e, quem sabe, conhecê-lo por mais tempo. Meus olhos logo buscaram aquele que despertara minha atenção, embora ele parecesse tão alheio à celebração quanto eu. Perfeito — dois desinteressados, sem pressa alguma de encontrar par ou romance.

Aproximei-me devagar, inclinei-me até seu ouvido, toquei-lhe o ombro com leveza e sussurrei:

— Somos dois desinteressados, cansados e prontos para retornar a nossos aposentos e nos lançarmos ao leito. Convida-me para uma dança, e encerremos este teatro.

O cavalheiro, sorri de canto, inclinando-se.

— Tenho a impressão de que sou apenas um fantoche em suas mãos, senhorita — disse ele, segurando minha mão e puxando-me para a dança.

— Acho que, no fundo, nós dois só queremos ir embora — respondi, deixando que nossos passos seguissem o compasso da música lenta.

Ele sorriu de lado, e por um momento, aquelas covinhas me desconcertaram.

— Deveria cuidar melhor com quem anda.—

Ele muda de assunto de repente.

— Do que está falando?

— Não me parece surda.

— Não sou. Só... não entendi.

Ele me puxou para mais perto, colando nossos corpos. Dançávamos em sintonia, como se só existíssemos nós dois naquele salão.

— As florestas estão cheias de monstros. Lobos selvagens... Mas o que poucos sabem é que os piores se escondem sob a pele de coelhos.

Sua voz rouca fez minha pele se arrepiar. O que ele queria dizer com aquilo?

— Com licença — murmurei, me afastando e indo até o banheiro.

As palavras dele ainda ecoavam na minha mente. Molhei o pescoço, sem tocar no rosto por causa da maquiagem. Meu reflexo me encarava, e então, vi Merin atrás de mim.

— Procurei por você em todo lugar — disse ela, com aquele sorriso que sempre me desarmava.

— Estava linda, como sempre.

Tentei acalmar minha respiração. Não... ela não seria capaz. Eu queria acreditar.

Abracei-a, apertando-a contra mim.

— Como posso te duvidar... — sussurrei.

Ela retribui o abraço com força, como se quisesse proteger algo frágil entre nós. Por um momento, o mundo pareceu calar. Apenas nossos corações, batendo em ritmos ansiosos, preenchiam o silêncio.

— Você está tremendo — disse ela, afastando-se só o suficiente para olhar nos meus olhos. — O que aconteceu?

— Nada... — menti, tentando afastar o receio que ainda latejava em meu peito. — Só foi uma conversa estranha.

— Com ele? — Seus olhos estreitaram-se. — O lorde estrangeiro?

Assenti levemente.

Ela suspirou, como se aquela confirmação fosse um peso já esperado.

— Ele não devia estar aqui. Há algo nele que me perturba — murmurou, olhando para o chão por um instante. — Mas ele não faria mal a você. Não sem pagar caro por isso.

Sua voz soava firme agora, quase como uma promessa.

— Mas... o que ele quis dizer com "lobos disfarçados de coelhos"? — perguntei, mais para mim mesma do que para ela.

Merin hesitou. Vi seus dedos se contraírem em minha manga.

— Nem todos neste salão são quem dizem ser — ela respondeu, por fim. — E há muitos olhos sobre você esta noite.

Meu estômago se revirou.

— Merin, o que está acontecendo?

Ela olhou para a porta, como se pressentisse algo. Depois, de volta para mim.

— Se confiar em mim, apenas fique ao meu lado até a festa acabar.

Eu queria respostas. Queria entender aquele aviso, aquela dança, aquele olhar que ele me lançara antes de desaparecer entre os convidados. Mas mais do que isso, queria estar segura.

Assenti.

— Estou com você.

Ela sorriu, embora seus olhos ainda escondessem sombras.

— Então vamos voltar. Antes que notem nossa ausência.

Dei-lhe o braço, e juntas saímos do aposento. Mas agora, cada passo parecia mais lento, cada olhar que cruzava o salão, mais afiado.

E no fundo, eu sabia: aquela noite estava longe de acabar.Voltamos ao salão, mas tudo parecia diferente agora. As velas tremeluziam com mais força, como se o vento sussurrasse segredos entre as paredes de pedra. Merin não largava meu braço — seu toque era quente, firme, quase protetor. Mas havia algo nos olhos dela... algo que eu não conseguia nomear.

— Está tudo bem — ela disse, como se lesse meus pensamentos. — Você precisa de ar. Venha comigo, conheço um lugar calmo nos jardins de trás. Poucos têm acesso... é seguro.

— Os jardins? Agora? — hesitei, mas seu sorriso me envolveu como um feitiço.

— Confie em mim — disse ela, com ternura.

Caminhamos por um corredor estreito, longe da música e das vozes. As pedras sob nossos pés estavam frias, cobertas por musgo. As tochas iam rareando, e logo, apenas a luz da lua nos guiava. Passamos por uma porta de madeira velha, escondida atrás de tapeçarias — claramente um caminho que poucos conheciam.

Do lado de fora, um pequeno jardim murado se abria. Árvores retorcidas cobriam o céu, e flores que jamais vi floresciam com um brilho sutil, como se respirassem magia. No centro, uma fonte antiga jorrava água cristalina que reluzia em tons de azul.

— Aqui ninguém nos encontrará — ela sussurrou.

Sentei-me na borda da fonte, tentando acalmar o turbilhão dentro de mim. Merin ficou de pé, observando o céu por um instante, depois retirou algo do interior de sua capa: um pequeno frasco, envolto em couro, com símbolos élficos gravados ao redor.

— O que é isso? — perguntei, tentando não soar desconfiada.

— Apenas um chá para acalmar os nervos. Eu sabia que essa noite te faria mal... — ela se ajoelhou à minha frente, desenrolando o frasco com delicadeza. — Tome só algumas gotas. Vai te ajudar a dormir. Só por um tempo. Depois, conversamos melhor.

Ela me ofereceu o líquido, e algo no cheiro doce e floral quase me convenceu. Quase.

Mas lembrei das palavras dele: "Os piores monstros se disfarçam de coelhos."

— Merin... — comecei, tentando entender o que sentia — ...por que você tinha isso com você?

Ela congelou por um instante. Só um instante. Mas foi o suficiente.

— Por precaução — respondeu, sorrindo de novo, mas seus olhos não sorriram juntos.

O frasco tremia levemente em sua mão.

Algo estava errado. Eu só não sabia o quê — ainda

Quando vou tomar o chá, um cavalheiro de antes que me cortejava, surge das sombras, acertando Merin na cabeça com um pedaço de madeira qualquer.

Eu grito, horrorizada.

— Merin! Não!

O frasco escapa de minhas mãos, e o chá derrama-se no chão. Onde toca, a grama começa a queimar, secando e murchando até restar apenas terra morta.

Corro até ela e a abraço, sentindo seu corpo ainda quente.

— Deve ter sido um engano...

O cavalheiro engole seco, com um ar despreocupado.

— Se não fosse por mim.— diz, esticando os braços numa espreguiçada preguiçosa.

 

Dez anos antes

Finalmente consegui despistar minha família. Já não suportava mais os olhares, as ordens, os salões abafados. Precisava respirar.

Andava pelo bosque proibido, despreocupada, sentindo a liberdade bater contra o peito. Foi quando ouvi um estalo de madeira seca. Parei. Engoli em seco.

Senti uma presença. Virei-me.

Diante de mim estava uma menina de cabelos ruivos como chamas e cachos feitos de ondas selvagens. Segurava uma espada apontada direto para mim.

— Quem és tu? — perguntou, com a lâmina firme.

— Sou a princesa Éris. E tu?

Ela me olhou com desconfiança, os olhos semicerrados.

— Merin.

Sorri, e com cuidado, empurrei a espada para baixo.

— Queres brincar?

Seu rosto suavizou-se. A espada baixou.

— Claro.

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Comments

Cata_UchihaUzumaki

Cata_UchihaUzumaki

Arrepiante demais!

2025-05-20

1

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