Sala dos Sussurros
O relógio marcava 3h33 da madrugada quando Clara despertou com um sobressalto. O som que a despertara era indefinido, como se mil vozes cochicham todas ao mesmo tempo, sem formar nenhuma frase compreensível. Ela sentou-se na cama, ainda no quarto velho do hospital psiquiátrico abandonado, onde decidiu passar a noite para investigar os acontecimentos inexplicáveis que assombram aquele lugar.
O ar estava frio e úmido. As paredes pareciam pulsar com uma energia invisível, e o papel de parede descascado parecia se mover sutilmente sob a fraca luz da lanterna ao lado da cama. Clara respirou fundo e pegou seu gravador de voz. Ligou o aparelho e murmurou:
— Terceira noite no Hospital Sanatório de Barrowfield. Acordei às 3h33 com sons indistintos. Vozes... Sussurros. Estou indo investigar.
Ela se vestiu rapidamente e seguiu pelos corredores empoeirados. Seus passos ecoavam pelo prédio como se anunciasse sua presença aos fantasmas do passado. À medida que avançava, os sussurros pareciam crescer em intensidade. Não era imaginação — algo ou alguém estava chamando por ela.
Chegou até uma porta semiaberta no terceiro andar, marcada por símbolos riscados à faca. Pareciam runas antigas misturadas a desenhos infantis. Ela empurrou a porta lentamente, revelando uma sala envolta em sombras. No centro, uma cadeira de rodas enferrujada estava posicionada diante de um grande espelho trincado.
Clara entrou e sentiu uma súbita tontura, como se tivesse atravessado uma barreira invisível. A lanterna falhou por alguns segundos e depois voltou a acender, revelando as paredes da sala cobertas por inscrições feitas com algum tipo de tinta escura — ou sangue seco. Os escritos variavam entre frases em latim e mensagens desesperadas, como "NÃO OUÇA", "ELES MENTEM" e "TUDO COMEÇA COM AQUELE NOME".
Ela se aproximou do espelho. O vidro refletia seu rosto de forma distorcida, como se sua imagem estivesse sendo puxada por dentro da superfície. Ao tocar o espelho, uma onda gelada percorreu seu braço e a lanterna apagou-se completamente.
Foi então que ouviu claramente:
— Clara...
Ela recuou imediatamente, batendo as costas na cadeira de rodas, que girou sozinha, emitindo um rangido metálico estridente. A respiração dela ficou curta. Ligou o gravador novamente com mãos trêmulas.
— Eu ouvi meu nome... Uma voz infantil, feminina. Mas estou sozinha aqui. Repetindo: estou completamente só...
Uma risada aguda ecoou pela sala, vinda de todos os cantos ao mesmo tempo. Clara caiu de joelhos, com as mãos tapando os ouvidos, tentando conter a dor provocada pelos sons que se tornavam cada vez mais agudos e caóticos.
De repente, silêncio.
A sala estava vazia novamente. A lanterna acendeu, revelando que o espelho agora refletia um corredor que não estava atrás dela. Era como uma janela para outro espaço. Nesse reflexo, uma menina de cabelos longos e escuros andava de costas, segurando um urso de pelúcia com os olhos arrancados. Ela parou, virou-se lentamente e olhou diretamente para Clara. Mesmo através do espelho, seus olhos estavam mortos — vazios como um abismo.
Clara gritou.
Quando piscou, o espelho havia voltado ao normal. A cadeira estava no lugar, as inscrições nas paredes começaram a desaparecer diante de seus olhos como se jamais tivessem existido. Só a voz da menina ficou, repetindo uma única frase:
— Ajude-me a sair da sala dos sussurros...
Clara tropeçou para fora do cômodo, ofegante, com o coração acelerado. Precisava entender o que estava acontecendo. Voltou correndo ao andar inferior, onde montou seu pequeno acampamento improvisado com equipamentos de gravação, notas e livros antigos sobre o hospital.
Passou horas revirando os arquivos históricos até encontrar algo peculiar: uma referência a um tratamento experimental conduzido em 1947 por um médico chamado Dr. Aulus Reinhardt. Tratava-se de uma prática obscura e não documentada oficialmente — o “Método da Vocalização Inversa”. A ideia, supostamente, era extrair traumas através de sessões em que pacientes eram forçados a repetir frases ditas por vozes que ouviam em suas mentes. Muitos enlouqueceram após poucas sessões. Outros desapareceram. Um nome se repetia em diversos relatórios ilegíveis: Eliza Moura, 9 anos, “comportamento considerado perigoso e instável”.
Clara soube, naquele instante, que era o nome da menina do espelho.
Determinada a descobrir mais, desceu até o antigo porão do hospital, onde os arquivos confidenciais eram armazenados. O local fedia a mofo e esgoto, e estava coberto por poeira e teias de aranha. Entre estantes tombadas e caixas rasgadas pelo tempo, encontrou um fichário com o nome "Moura, Eliza" em uma etiqueta desbotada.
Dentro, recortes de jornal, fotos em preto e branco de sessões com a criança, sempre com olhos vendados e bocas costuradas — literalmente. Os médicos haviam costurado a boca de Eliza para impedir que falasse. Um bilhete amarelado estava anexado:
"Ela nos ouve mesmo em silêncio. O que quer que fale através dela... não deve escapar."
Clara sentiu náuseas.
De volta ao acampamento, colocou os fones e ouviu a última gravação feita na sala dos sussurros. A princípio, silêncio. Depois, distorções. Finalmente, a voz:
— Ele abriu a porta. Ela não sabe que está presa. Mas agora você ouviu. Agora... ela sabe quem você é.
A gravação terminou com um grito — dela mesma.
O sangue de Clara gelou. Ela sabia o que isso significava. A menina — ou o que quer que fosse aquela presença — a havia marcado. De alguma forma, Clara se tornará uma parte do ciclo.
Deitou-se, exausta, mas o sono não veio. Ao fechar os olhos, a imagem da menina surgia com clareza, sussurrando, sussurrando, sem parar.
E em algum lugar distante — ou bem ali, dentro dela — as vozes riam.
Continua...
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Silva Writer
A atmosfera passa uma angústia, aquela sensação claustrofóbica do personagem. Muito bom!
2025-05-27
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Silva Writer
Arrepiante 😮
2025-05-27
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