Crônicas da Loucura
A Chegada em Ravenshade
A névoa rastejava pela estrada como dedos espectrais, envolvendo os pneus do carro em silêncio. Os galhos nus das árvores tocavam uns aos outros, rangendo ao sabor do vento cortante que parecia carregar sussurros. Era fim de tarde quando o veículo preto cortou os limites da cidade de Ravenshade. Nenhuma recepção calorosa, nenhuma placa de boas-vindas. Apenas um breve sinal enferrujado balançando em meio ao matagal: "Bem-vindo a Ravenshade – fund. 1882".
No banco do motorista, Laura Mendez ajeitou os óculos e consultou o GPS pela quinta vez. Sem sinal. Bufou. Atrás dela, Gabriel digitava algo em seu tablet, sem dar atenção ao caminho, enquanto Jonas, o mais inquieto do grupo, filmava o ambiente com o celular, narrando como se estivesse apresentando um programa sensacionalista. “Estamos aqui, finalmente, a caminho do lendário Sanatório de Delling. Dizem que quem entra não volta...”
Laura lançou-lhe um olhar firme pelo espelho retrovisor. “Jonas, corta isso. A gente está aqui pra um projeto sério.”
Ele encolheu os ombros, ainda sorrindo. “Sério pra você. Pra mim é conteúdo.”
Ravenshade era uma cidade esquecida pelo tempo. As casas, em sua maioria de madeira escurecida pelo mofo, estavam afundadas no abandono. Algumas lojas tinham vitrines quebradas, outras estavam simplesmente fechadas, como se tivessem sido evacuadas às pressas. Os moradores que se viam pelas janelas olhavam com desconfiança para o carro estranho, mas nenhum se aproximava.
“Esse lugar parece um túmulo,” murmurou Gabriel, finalmente levantando os olhos da tela. “A cidade inteira está morta.”
Laura não respondeu. Ela sentia a mesma coisa. Havia algo de errado naquele silêncio absoluto, como se o próprio ar estivesse suspenso, vigiando, esperando.
O carro parou em frente ao que restava do antigo hotel municipal. Segundo as poucas informações disponíveis, era o único lugar com quartos disponíveis. A fachada estava parcialmente coberta por heras ressecadas, e a porta principal gemia como uma alma ao vento quando Laura a empurrou.
O saguão cheirava a papel velho e madeira úmida. Uma senhora idosa, de cabelos brancos presos num coque apertado, surgiu de trás de um balcão coberto de pó. Seu olhar era fixo e inexpressivo, como se tivesse sido arrancado de um quadro antigo.
“Quartos?” ela perguntou, a voz arranhada pelo tempo.
“Sim, três,” respondeu Laura. “Por três noites.”
A mulher deslizou um caderno de registros e três chaves enferrujadas. “Segundo andar. Evitem o sótão.”
Gabriel riu nervosamente. “Claro, porque isso não parece suspeito.”
A velha não sorriu. Seus olhos permaneceram duros, imóveis. “Ele não gosta de barulho lá em cima.”
Jonas fingiu tossir para esconder o riso, mas Laura sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Quando subiram as escadas estreitas e rangentes, ela não pôde deixar de lançar um último olhar para a recepcionista. A mulher ainda estava lá, imóvel, observando como uma pintura viva.
Os quartos eram simples, antigos, mas limpos. Laura largou a mochila na cama e abriu o notebook, verificando os arquivos que havia trazido. Mapas do sanatório, imagens antigas dos internos, registros médicos que sobreviveram ao incêndio parcial de 1971. O Projeto Delling seria seu grande trabalho de conclusão — e talvez sua porta de entrada para um mestrado em neuropsiquiatria.
Do outro lado da parede, Jonas já havia começado a transmitir uma live. “Gente, esse lugar é real! Se liga nisso aqui!” Ele mostrava fotos emolduradas na parede: retratos dos fundadores da cidade, médicos com expressões austeras. Um deles, o Dr. Halberd, destacava-se com seus olhos fundos e um sorriso perturbador.
“Dizem que ele enlouqueceu no fim da vida,” comentou Jonas. “E que...”
Um estrondo cortou o ar. Algo pesado caiu no corredor, fazendo Gabriel sair do quarto em um pulo.
“Foi você?” ele perguntou a Jonas.
“Não. Tava aqui o tempo todo.”
Laura saiu, o coração batendo forte. No corredor, uma moldura estava caída no chão, o vidro estilhaçado. Era o retrato do Dr. Halberd. Mas o mais estranho era a marca no chão — como se dedos encharcados tivessem arrastado a imagem para fora da parede.
“O hotel é velho, essas coisas acontecem,” tentou justificar Laura, embora sua voz estivesse tremendo.
Nessa noite, enquanto o grupo jantava no restaurante local — um pequeno e estranho estabelecimento chamado “Sombras da Colina” —, tentaram interagir com alguns moradores. Mas a cidade parecia feita de fantasmas. Ninguém queria falar sobre o sanatório. Quando Jonas mencionou o nome “Delling”, uma mulher deixou cair o copo que segurava. Um homem velho saiu do restaurante imediatamente, murmurando orações.
“Esse lugar é amaldiçoado,” disse a garçonete, baixinho. “Vocês não deviam ir lá.”
“Mas por quê?” Laura insistiu.
Ela olhou para os lados, certificando-se de que ninguém mais ouvia, antes de sussurrar: “O sanatório... ele ainda vive. Vocês vão ver. Ou pior... ele vai ver vocês.”
Na madrugada, Laura acordou com um som distante. Uma música de caixinha. Fraca. Lenta. Familiar. Ela se levantou e abriu a porta do quarto, mas o corredor estava escuro. Quando deu um passo à frente, viu uma sombra no fim do corredor. Pequena. Agachada. Tremendo. Com um som metálico ecoando...
Ela acendeu a lanterna do celular. Nada.
A música parou.
Laura voltou para o quarto trêmula, com a respiração presa. Ao fechar a porta, notou que havia algo escrito no espelho do banheiro.
Trêmula, ela se aproximou. As letras estavam desenhadas no vapor:
"Ele já acordou."
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Silva Writer
Wow! Nossa, eles se meteram numa fria daquelas...
Só pelas histórias do sanatório eu já tinha metido o pé desse lugar kkk
Gostaria de elogiar sua escrita, a leitura é bem fluida, com ótimas descrições e uma tensão palpável. A cena do retrato, o espelho... tenso! 👀
2025-05-27
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