Mapa do Sanatório
A manhã amanheceu coberta por uma neblina tão espessa que parecia sólida. Ravenshade permanecia mergulhada em um silêncio opressor, quebrado apenas pelo rangido ocasional das árvores tocando umas às outras no vento gélido. Laura despertou com a sensação de que alguém a observava. Os olhos se abriram devagar, o corpo ainda preso à tensão do pesadelo que havia tido — se é que realmente foi um sonho.
Levantou-se em silêncio, sentindo o assoalho frio sob os pés. O espelho do banheiro ainda estava embaçado, mas agora limpo. A mensagem havia desaparecido. “Ele já acordou.” Aquelas palavras ecoavam na mente como um aviso que não deveria ser ignorado.
No andar de baixo, encontrou Gabriel já acordado, sentado à mesa do saguão com uma pilha de papéis antigos, mapas e documentos digitalizados. Estava absorto em um diagrama complexo que mostrava a estrutura interna do sanatório.
“Você dormiu?” ela perguntou, servindo-se de um café amargo que parecia mais tinta do que bebida.
“Mais ou menos,” ele respondeu. “Mas olha isso. Consegui algo interessante. Um antigo mapa do Sanatório de Delling — antes do incêndio de 1971.”
Ela se aproximou e viu o papel envelhecido. Era um esboço detalhado com anotações manuscritas e símbolos estranhos. Havia cinco alas principais: Psiquiatria Geral, Terapia Experimental, Confinamento Especial, Arquivos Clínicos e o Porão Técnico. No centro, um grande pátio circular com um símbolo desenhado à mão: três círculos interligados por uma espiral central. A legenda apenas dizia: “Nó da Loucura”.
“O que é isso?” perguntou Laura, apontando para o símbolo.
“Não sei. Mas encontrei em outros documentos também. Parece ter ligação com os experimentos do Dr. Halberd.” Gabriel passou outra folha para ela, onde se lia: ‘O nó é a ligação entre os níveis de consciência e o plano latente. É por onde a entidade se manifesta quando há brechas cognitivas.’
Laura franziu o cenho. “Entidade? Isso já está começando a ultrapassar os limites da ciência.”
Jonas apareceu no saguão com olheiras profundas e a câmera na mão. “Tive um sonho bizarro essa noite. Uma criança me olhava no pé da cama. Ela dizia meu nome sem mexer os lábios.” Ele não riu, não brincou. A expressão em seu rosto era séria — e isso dizia muito.
“Temos que ir até lá hoje,” disse Laura. “O sanatório fica a três quilômetros da cidade, na direção leste. Devemos encontrar a entrada pelos fundos, segundo os moradores... os poucos que falam sobre ele.”
Jonas suspirou. “Vamos mesmo fazer isso? De verdade? Porque... cara, eu tenho um mau pressentimento.”
“Se quiser ficar, fique,” respondeu Gabriel. “Mas vamos com ou sem você.”
Pouco depois, com lanternas, câmeras, mochilas e os mapas em mãos, o trio seguiu pela estrada de terra que levava até o sanatório. A vegetação parecia crescer de forma anormal naquela área. Galhos se entrelaçavam como veias negras, o solo era úmido e afundava sob os passos. O ar cheirava a mofo, e o céu parecia permanentemente coberto por nuvens.
A construção logo surgiu entre as árvores: uma estrutura gótica, com torres retorcidas e janelas partidas. O tempo e o abandono haviam corroído a fachada, mas ainda era imponente. A entrada principal estava bloqueada por escombros, mas a lateral oferecia uma abertura, quase como um convite.
Gabriel foi o primeiro a entrar. Um cheiro nauseante de podridão antiga tomou conta dos sentidos. O som dos próprios passos ecoava de forma descompassada, como se alguém caminhasse logo atrás. No salão principal, as paredes estavam cobertas de símbolos riscados à faca, quase todos parecidos com o do mapa. Círculos, espirais, olhos abertos.
“É aqui,” murmurou Laura. “Esse é o pátio central.”
No chão, o símbolo do Nó da Loucura estava gravado com precisão. Mas agora, havia algo mais: marcas de unhas ao redor do desenho, como se alguém tivesse tentado apagá-lo — ou saído de dentro dele.
“Essas marcas são recentes,” disse Gabriel, ajoelhando-se. “Alguém esteve aqui. Alguém... ou algo.”
Jonas apontou a câmera para o chão. “Isso não está certo. Nenhum símbolo fica tão preservado depois de cinquenta anos.” De repente, sua câmera travou. A tela ficou preta, depois acendeu novamente — mas a imagem estava distorcida. Havia uma figura atrás de Laura, imóvel, olhando.
Ele olhou para trás. Nada.
“Tem alguém aqui,” murmurou Jonas. “Acabei de filmar.”
“Revisamos depois. Agora, vamos aos arquivos clínicos,” ordenou Laura, tentando manter a calma.
Caminharam pelos corredores escuros, com móveis tombados, portas semiabertas e espelhos quebrados. O ambiente inteiro parecia exalar uma presença que observava de cada canto. Ao abrirem a porta dos arquivos, depararam-se com centenas de pastas jogadas no chão. Algumas ainda estavam legíveis, outras queimadas ou comidas por insetos.
Laura pegou uma delas. “Paciente 142 – Diagnóstico: Esquizofrenia Paranoide. Tratamento: Sessões de Isolamento Sensorial. Observações: O paciente alega ouvir o som do véu. Recusa-se a dormir. Riscou a própria pele com símbolos circulares.”
“Olha isso,” disse Gabriel, pegando outra pasta. “Paciente 118 – afirma que há uma escada invisível no pátio que leva a outra dimensão. Diz que o Dr. Halberd o fez subir uma vez, mas que ele voltou com algo dentro dele.”
Jonas parou de filmar. “Esses relatos... eles são similares. Todos falam de vozes, de símbolos, de... véus, portais, entidades. Não é só loucura. É quase como um ritual coletivo.”
Foi então que ouviram um som vindo do corredor. Um arrastar suave. Como tecido sendo puxado pelo chão. As luzes das lanternas tremeluziram.
“O que foi isso?” perguntou Gabriel, apontando para a porta.
“Não vamos esperar pra descobrir,” disse Laura. “Hora de sair daqui.”
Ao voltarem ao pátio, o símbolo no chão agora estava diferente. Parecia... molhado. Como se tivesse acabado de ser desenhado com sangue fresco.
Uma voz infantil, fraca, surgiu atrás deles. “Vocês não deveriam ter entrado... Ele já sabe de vocês agora.”
Viraram-se. Nada.
A respiração dos três ficou ofegante. Laura apontou para a saída. “Vamos. Rápido.”
Ao saírem do sanatório, o ar parecia mais leve — mas dentro deles, algo havia mudado. Eles sabiam que o que viram ali dentro era mais do que loucura. Era uma presença real. Um elo invisível que os conectava agora àquele lugar.
E o símbolo do Nó da Loucura... havia ficado gravado em suas memórias como um selo.
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Silva Writer
Arrepiante!
A tensão só vai aumentando. Os relatos dos pacientes, os sonhos dos personagens, os acontecimentos no sanatório, o tal símbolo no chão...
É melhor correr pessoal 👀
2025-05-27
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