Capítulo 1

O quarto em que acordou não era uma cela, mas poderia ser.

As paredes eram cobertas de veludo vinho, com um espelho grande que dominava a frente da cama. A mobília era elegante demais para um cativeiro: poltronas de couro, uma penteadeira com perfumes importados, uma banheira de mármore branco no canto. Era bonito, sim. Mas não havia janelas.

Bonito como uma armadilha. Como um caixão caro.

Ayla despertou com o som de uma fechadura eletrônica. A porta se abriu suavemente, como se o luxo pedisse silêncio. Uma mulher entrou, impecável — tailleur preto, cabelos presos com perfeição, expressão dura como aço.

Ela carregava uma prancheta. E uma caixa.

— Você tem dez minutos para se levantar, usar o banheiro, escovar os dentes e vestir isso.

A caixa foi deixada aos pés da cama. Dentro: um vestido de seda preta, curto, justo. Transparente. Sem calcinha. Sem sutiã.

Ayla não se moveu.

A mulher ergueu os olhos da prancheta, impassível.

— Seu corpo agora é parte do acervo do Clube Vênus. Obediência não é uma escolha. É cláusula contratual. Falhas serão punidas.

Ayla quis gritar. Correr. Esconder-se.

Mas o grito morava tão fundo dentro dela que já parecia morto. E as pernas? Fracas. Inúteis. Tudo doía — não por agressões físicas diretas, mas pela humilhação contínua, pelo pavor silencioso que drenava suas forças.

Ela se levantou.

No banheiro, as toalhas eram brancas e felpudas. A pia de mármore refletia um rosto que ela quase não reconhecia: olheiras escuras, olhos desesperados, a boca trêmula.

Ela vestiu o vestido.

Sentiu-se exposta. Suja. Cada centímetro de pele parecia gritar “propriedade”.

No corredor, outras garotas caminhavam em fila. Algumas sorriam. Outras, como ela, só olhavam para o chão. O lugar era silencioso e opulento, como se um bordel tivesse se disfarçado de palácio.

Espelhos dourados, lustres de cristal, quadros de corpos nus em posições artísticas. E os clientes? Ainda não estavam visíveis. Mas ela os sentia. No ar. Na pressão.

— Seu nome de apresentação será Eva. Você será treinada para entreter. Para obedecer. Para satisfazer. O que quer que os membros do clube exijam — desde que estejam dentro dos termos do contrato assinado por seu responsável.

— Eu não assinei nada… — Ayla murmurou, a voz quase apagada.

— Seu pai assinou por você. Uma venda legal. Juridicamente documentada. O Clube Vênus opera acima da lei comum. Aqui, nós somos a lei.

Eva.

Era isso agora?

O treinamento começou no segundo andar.

Era um salão amplo, com chão de madeira e espelhos de parede inteira, como uma sala de dança. Mas ali não havia música. Havia comandos.

—Agacha. Abre as pernas. Levanta o queixo. Olha nos olhos dele como se estivesse pedindo mais.

A instrutora andava entre elas com uma vara fina de madeira. Tocava, corrigia posturas, batia nas coxas, nos ombros, nos quadris. Nada que deixasse marcas. Tudo técnico. Calculado.

Elas eram moldadas.

Ayla queria desaparecer. Mas também sabia: quem chorava demais, apanhava. Quem falava alto, era punida. Quem ousava dizer "não", sumia.

À noite, foi levada ao Salão de Observação.

Clientes podiam assistir às novatas em apresentações “seguras”. Só dança. Olhar. Talvez beijos. Mas nunca mais que isso — ainda.

Era a vitrine.

Ayla entrou descalça, com um robe transparente que deixava os seios e as coxas quase expostos. Ao redor, sofás de couro preto ocupados por homens em ternos caros, charutos acesos, olhos famintos.

Ela sentiu os olhares. Como facas afiadas. Como mãos invisíveis apertando sua garganta.

— Lembra o que eu disse —, sussurrou a instrutora. — Você dança para viver. Seduz para respirar.

Ayla dançou.

Desajeitada no começo. Depois, entregue à vergonha. O corpo sabia o que a alma se recusava a aceitar: ali, beleza era sobrevivência. E prazer... era moeda.

Na saída, ouviu o sussurro entre dois homens:

— A número quarenta e sete tem fogo nos olhos.

— Quero ela. Em breve.

Depois da apresentação, a instrutora deu-lhe novas ordens, e ela sentiu que algo estava errado na forma como a instrutora a vestiu com um cuidado inédito — um espartilho de renda preta que marcava sua cintura, salto alto, meias com liga e um batom vinho que a fazia parecer... perigosa. Mesmo tremendo por dentro.

— Você deu muita sorte, garota! Você tem uma sessão privada esta noite —, disse a mulher, com voz baixa. — Sala preta. Cliente exclusivo. Um dos fundadores do clube. Escolheu você. Só você.

Ayla engoliu seco.

— E se eu disser não?

A mulher parou de ajeitar seu cabelo. O silêncio durou tempo suficiente para doer.

— Então você será enviada ao Subsolo. E lá... não há espelhos. Nem regras.

Ayla fechou os olhos. Respirou fundo.

Ela já não sabia o que era pior: ser usada por um desconhecido ou desaparecer na sombra do que chamavam de Subsolo — um lugar que só existia em murmúrios entre as meninas, sempre associado a dor, castigo e fim.

— Boa escolha, Eva.

A Sala Preta era exatamente isso: um espaço onde tudo parecia veludo e escuridão. Apenas uma única luz iluminava o centro — uma poltrona de couro e, à frente dela, um tapete onde a submissa deveria se ajoelhar.

Ela entrou e foi deixada sozinha por alguns minutos.

O silêncio era torturante.

Até que a porta se abriu.

E ele entrou.

Ayla não viu seu rosto de imediato. Só o vulto alto, firme, envolto num terno perfeitamente cortado, o som sutil de sapatos italianos no piso de mármore negro. Ele fechou a porta com uma calma que parecia premeditada.

Ela tentou levantar o rosto. Ele não deixou.

— Olhos no chão —, disse ele. A voz era baixa, rouca, firme.

Seu corpo congelou. O tom não era de um homem testando limites. Era de alguém que estava acostumado a ser obedecido.

Ayla obedeceu.

Ele andou ao redor dela, devagar. Como um predador examinando sua presa. Cada passo era calculado, quase sensual. O cheiro dele — âmbar, couro e algo amargo — invadiu suas narinas. Ela não sabia por que, mas seu corpo reagiu. Calafrios. Coração acelerado. Calor nas coxas.

— Você é bonita —, ele disse, finalmente. — Mas isso o espelho já mostra. Quero saber se é obediente.

Ayla não respondeu.

Ele se aproximou por trás. Seus dedos tocaram levemente a nuca dela, subindo até prender o cabelo em um coque improvisado. Ela estremeceu. Não de dor — mas de algo mais perigoso: o instinto de querer agradar.

Ela odiou isso.

— Nome?

Ela hesitou.

— Eva.

Silêncio.

— Mentira. Seu nome real.

— Eu não...

Sua mão pousou sobre o ombro nu dela, apertando com força suficiente para avisar que ele não repetia ordens. Mas não era brutal. Era um aviso.

— Ayla —, ela sussurrou. Quase uma traição a si mesma.

Ele soltou o ar devagar. Como se saboreasse o som.

— Bonito. Ayla. Um nome que não combina com esse lugar.

Ela não respondeu.

— Levanta.

Ela levantou. Devagar. Olhos ainda no chão. Mas sentia o olhar dele em cada pedaço da sua pele. Como uma língua invisível. Como posse.

— Você sabe quem eu sou?

Ela balançou a cabeça.

— Não.

Ele sorriu, pela primeira vez. Ela não viu, mas sentiu.

— Ótimo. Assim não precisa fingir que não tem medo.

E então ele disse:

— Eu sou Dante Morelli. Don da família Morelli e Cosa Nostra. Sócio majoritário do Clube Vênus.

Ayla sentiu o mundo girar.

Morelli.

O nome que ecoava nos corredores. O mais temido. O mais respeitado. O mais perigoso. Diziam que ele não amava. Não repetia mulheres. Que transformava as favoritas em viciadas — em prazer, em dor, nele.

Ela tremia agora.

— Você é minha esta noite —, ele disse. — Mas se eu gostar... será minha por mais tempo. Não como cliente. Como proprietário.

Ela levantou os olhos, encarando-o pela primeira vez.

E se perdeu.

Ele era belo, mas não como nos filmes. Era beleza sombria. Queimava. Olhos de aço, mandíbula marcada, barba curta. Um lobo em pele de realeza.

— Por que eu? — ela sussurrou.

— Porque você ainda tem resistência nos olhos. E isso me excita.

Ele se aproximou mais.

— Deite no tapete. De costas. Mãos sobre a cabeça. Quero ver como você entrega o corpo sem perder a alma.

Ela hesitou.

Mas se deitou.

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