Cinco anos.
Cento e oitenta e dois domingos olhando para a mesma parede, tentando entender como a vida podia mudar tanto de uma hora para outra.
Quando deixei Daniel naquela noite, meu mundo desabou junto com o dele. Ele só não sabia que, enquanto eu o deixava de pé no meio da estrada, eu mesma desmoronava por dentro.
Durante todos esses anos, a dor nunca me deixou completamente. Mas eu não tive o luxo de me permitir fraquejar.
Minha mãe precisava de mim. Ela ainda precisa.
O câncer, silencioso e cruel, não deu trégua.
Depois da primeira cirurgia, vieram os tratamentos intermináveis, os altos e baixos, os momentos de esperança misturados com medo. As contas médicas se acumulavam como tijolos construindo uma muralha intransponível.
O dinheiro que recebi da mãe do Daniel, embora sujo de culpa, salvou a vida dela naquela época. E eu carreguei sozinha o peso de cada centavo.
Me vi obrigada a abrir mão de sonhos, de estabilidade, até mesmo de dignidade em certos momentos.
Trabalhei como vendedora, atendente de cafeteria, assistente de loja de departamento... tudo para pagar a clínica onde minha mãe ainda luta com uma força que me inspira e me parte ao meio todos os dias.
Mas no meio desse caos, uma parte de mim se recusou a morrer.
O amor por desenhar sempre esteve comigo, desde pequena, quando rabiscava cadernos escolares com anéis, brincos e colares que eu inventava. Era meu refúgio. Meu esconderijo secreto quando o mundo lá fora parecia grande demais.
Com o tempo — nas poucas horas livres que tinha entre um emprego e outro — comecei a estudar.
Fiz cursos online gratuitos de design de joias, assisti a vídeos, li livros emprestados de bibliotecas públicas. Treinava até tarde da noite, caindo de sono sobre esboços inacabados.
E foi assim, no meio de noites e dias exaustivos, que me tornei designer de joias.
Nada renomado, nada que me colocasse nas vitrines da fama. Mas suficiente para ter orgulho de cada linha traçada, de cada metal imaginado, de cada pedra lapidada no papel.
Quando senti que estava pronta, montei meu portfólio com muito cuidado. Escolhi os melhores desenhos, criei apresentações simples, mas feitas com paixão. E comecei a enviar currículos. Um a um. Empresa por empresa. Cidade por cidade.
Na maioria das vezes, nem resposta eu recebia. Em outras, um breve e polido "agradecemos seu interesse, mas no momento escolhemos outro candidato".
A esperança foi se tornando pequena, frágil, como uma chama ameaçada pelo vento. Mas eu continuei tentando. Porque, se havia algo que eu aprendera nesses anos, era que desistir nunca seria uma opção.
Até que, numa tarde qualquer, enquanto terminava de alimentar a minha mãe no quarto da clínica, o telefone tocou. Peguei o aparelho com uma mão, equilibrando tudo com dificuldade.
— Alô?
— Senhorita Dupont? — a voz era firme, profissional.
— Sim, sou eu.
— Falo da Moreau's Jewels. Informamos que seu currículo foi selecionado para um projeto especial. Sua presença é requerida na sede principal amanhã às nove horas. Mais detalhes serão fornecidos pelo seu e-mail.
Fiquei muda por alguns segundos, tentando absorver aquelas palavras. A Moreau’s Jewels. Uma das maiores empresas de joias do mundo.
Eu quase deixei o telefone cair.
Consegui balbuciar um "muito obrigada" e desliguei com a mão trêmula.
Sentei na beira da cama da minha mãe, o telefone ainda apertado contra o peito.
— Conseguimos, mamãe — sussurrei, os olhos marejando. — Conseguimos...
Ela sorriu fraco para mim, com aquele olhar cansado, mas cheio de orgulho, que me fazia querer vencer o mundo inteiro.
...🌸🌸🌸🌸🌸🌸...
Agora, sentada na pequena mesa improvisada do meu apartamento — um estúdio simples, com paredes descascadas e um cheiro constante de mofo —, eu trabalhava nos três modelos de alianças de casamento que a empresa solicitou por e-mail.
Três. Três oportunidades para mostrar do que era capaz.
Espalhei meus lápis, papéis e amostras ao redor.
Olhava para a folha em branco e tentava imaginar a história de quem usaria aquelas alianças.
Diziam que eram para o CEO da empresa.
Um casamento importante. Um símbolo eterno.
Queria que minhas peças carregassem mais do que beleza. Queria que tivessem alma.
A primeira aliança desenhei pensando na força. Linhas marcantes, ousadas, com detalhes geométricos gravados no ouro branco.
Era uma aliança que dizia: "Somos fortes juntos. Somos inquebráveis."
A segunda, mais delicada, desenhei para o amor. Ouro rosa, detalhes sutis de pequenos diamantes lapidados como gotas de chuva ao redor da peça.
Queria que ela sussurrasse promessas em silêncio. Que representasse a ternura escondida sob a dureza da vida.
A terceira... A terceira fiz para a eternidade.
Um anel de platina pura, simples e ao mesmo tempo imponente. Sem pedras, sem brilhos exagerados. Apenas a pureza do metal perfeito, eterno.
Enquanto traçava as últimas linhas, senti algo estranho no peito. Como se, de alguma forma, cada uma daquelas alianças carregasse também a história que eu nunca vivi. A história que sonhei um dia. De casar com Daniel, de construir uma vida ao lado dele, de ser feliz sem medo. Mas os sonhos, como as joias, exigem sacrifícios para serem lapidados. E o meu se desfez antes mesmo de começar.
Olhei para o relógio. Já passava da meia-noite. Fechei os olhos por um momento, deixando o silêncio do quarto me envolver.
Amanhã eu entregaria aqueles desenhos.
Amanhã, uma nova chance se abriria.
Amanhã, quem sabe, a vida começasse a mudar.
Não sabia quem era o CEO que se casaria.
Não sabia para quem eu desenhava. Mas sabia que, dessa vez, não ia falhar.
Peguei os esboços prontos, revisei cada traço com olhos atentos. Meu coração batia forte, misturando ansiedade, medo e esperança. Guardei tudo com cuidado na pasta preta, coloquei o material dentro da mochila e me levantei.
Caminhei até a pequena foto emoldurada da minha mãe sorrindo, ainda jovem e cheia de vida, e beijei a imagem.
— Por você, mamãe. Sempre.
Apaguei a luz do quarto, respirando fundo antes de me deitar.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Leila Dias
Até aqui amei os capítulos que já li, e mesmo sem terminar quero dar os meus parabéns à Autora pelo livro que até agora está interessante de ler.
2025-06-07
1
Maria Sena
Eu creio que ela vai passar pelo deserto sozinha, mas no final ela vai superar tudo e o amor vai brilhar pra ela. Amo os trabalho da Naira, pois falam da mulher forte, decidida, guerreira, sofredora mas forte. Parabéns Naira, por mais uma mulher de fibra. 👏👏👏👏🥰🥰🥰♥️
2025-06-10
0
Adriane Alvarenga
A história é linda....só que ele vai fazer de tudo para humilhar ela....já estou sofrendo junto com ela por antecipação.....😢😢😢😢😢😢
2025-06-14
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