As nuvens carregadas no céu já anunciavam que aquela noite não seria tranquila. Era como se o próprio colégio sentisse que algo estava prestes a acontecer.
Depois do episódio no pátio, Lia ficou com o coração pesado. As palavras de Yuri ecoavam na cabeça dela como um mantra sem sentido.
"Ainda não."
Sempre ele com os segredos, os medos, as recusas. Mas Lia sentia… que tinha algo maior por trás.
E naquela noite, ela ia descobrir.
Tudo começou no dormitório.
Mita estava fora, Helo também. Só Lia e algumas meninas que nem falavam com ela direito.
Ela se enfiou no quarto, cansada do dia, mas antes que pudesse deitar, o celular vibrou.
Mensagem anônima:
“Quer saber a verdade sobre Yuri? Vai até o depósito atrás do ginásio às 22h.”
Lia franziu a testa.
"Deve ser o Noah." Ela pensou.
Mas a curiosidade venceu.
22h.
Chovia fino. O vento frio fazia Lia arrepiar.
Ela deu a volta no colégio, passando pelo ginásio, e parou em frente ao depósito. A porta estava entreaberta.
"Alô?"
Nenhuma resposta.
Empurrou devagar, entrando.
A luz fraca de um poste do lado de fora mal iluminava o ambiente. Caixas velhas, vassouras, uniformes esquecidos.
E ali, no canto, Yuri, de costas, tirando a blusa suada da academia.
O choque veio imediato.
Ao invés dos músculos definidos que Lia imaginava, ela viu cicatrizes finas… e seios.
Yuri congelou ao perceber a presença dela.
"Lia."
O nome escapou num sussurro desesperado.
"Você… Yuri…" Lia gaguejou, sem saber onde olhar.
Yuri puxou a blusa de volta com pressa.
"Você não devia estar aqui."
"Por quê não me contou?"
A voz de Lia tremeu. Não era raiva. Era… decepção? Medo? Confusão? Nem ela sabia.
"Porque eu sabia que se você soubesse… tudo ia mudar."
"O que isso tem a ver com a gente brigar, com você me odiar… com tudo?"
Yuri ficou em silêncio, encostado na parede, os olhos brilhando pela primeira vez.
"Porque eu não me odeio mais, Lia. Mas eu odeio o medo que os outros têm de quem eu sou. Odeio o jeito que olham. Odeio o jeito que tentam me diminuir. E eu… eu tinha medo que você fizesse isso também."
Lia respirou fundo, o coração acelerado.
"Eu nunca te odiei, Yuri."
O silêncio caiu pesado de novo.
"Foi o Noah, né? Que mandou a mensagem."
Yuri mordeu o lábio.
"Ele descobriu. Me ameaçou. Disse que se eu não sumisse de perto de você, ele contaria tudo."
"E você ficou se afastando por isso?"
"Eu queria te proteger, Lia."
Ela deu um passo à frente.
"E quem te protege, Yuri?"
A pergunta ficou no ar, como um soco.
Yuri desviou o olhar, mas não conseguiu impedir o leve sorriso triste.
"Eu aprendi a fazer isso sozinho."
Lia sentiu o peito apertar. A vontade era de abraçar ele, de dizer que não importava, de arrancar aquele peso do peito dele.
Mas a coragem travou.
"Eu preciso de um tempo pra processar." Lia murmurou.
Yuri assentiu.
"Eu entendo."
Ela deu meia-volta, saindo do depósito, a respiração descompassada.
A chuva engrossou.
Enquanto caminhava de volta pro dormitório, Lia percebeu… que o problema não era Yuri.
Era o medo dela mesma.
O medo de gostar tanto de alguém que quebrava todas as regras que ela tinha imposto pro próprio coração.
E talvez, só talvez… ela já estivesse ferrada há muito tempo.
O dia seguinte foi um caos silencioso.
Lia não conseguiu dormir. A imagem do Yuri naquele depósito, o jeito que ele olhou pra ela, o que confessou — tudo ficou preso na cabeça dela feito nó.
Ela sempre foi boa em ignorar sentimentos.
Sempre foi boa em fingir que não ligava.
Mas agora…
Agora era diferente.
Na hora do almoço, Mita apareceu no dormitório com a bandeja dela.
"Cê tá viva?"
Lia, jogada na cama, encarava o teto.
"Uhum."
"Mentira." Mita sentou ao lado dela.
"Quer me contar ou vai continuar se fazendo de durona?"
Lia suspirou, sentindo um aperto no peito.
"Eu descobri um negócio ontem… sobre o Yuri."
Mita arregalou os olhos.
"CÊ FICOU COM ELE?!"
"Não, idiota." Lia soltou um riso fraco.
"É sério. Descobri o que ele esconde. E não mudou nada. Pior… acho que só fez eu gostar mais."
O silêncio foi estranho.
Mita nunca tinha visto Lia falar assim.
Frágil. Confusa. Sem máscara.
"Caralho, Lia."
De repente, as lágrimas que Lia segurava começaram a escorrer.
Sem aviso. Sem controle.
Mita arregalou os olhos.
"Vey… cê tá… CHORANDO?!"
Ela tocou o rosto da amiga, completamente chocada.
"Mano… você nunca chorou por ninguém. Nem quando aquela desgraçada da sua ex te fez de otária."
Lia respirou fundo, enxugando as lágrimas rápido, mas já era tarde.
Mita viu.
"Que porra o Yuri fez com você?!" Mita sussurrou, assustada.
"Você nunca demonstrou sentimento nenhum… e agora tá assim."
Antes que Lia respondesse, a porta do dormitório se abriu.
Yuri.
Parado na porta, todo molhado da chuva fina, os olhos cansados.
"Eu… desculpa, eu só queria falar com você." Ele disse, a voz baixa.
Mita se levantou rápido.
"Mano, olha o estado da Lia! Você tá mexendo com a cabeça dela!"
Yuri olhou pra Lia, as lágrimas ainda nos olhos dela, e se sentiu a pior pessoa do mundo.
"Eu não queria isso."
"Então por que veio?" Lia perguntou, a voz embargada.
"Porque eu não aguento mais ficar longe. Porque eu… eu gosto de você, porra!"
Mita travou.
"Que…"
Yuri deu um passo à frente.
"Mas eu entendo se você não quiser. Entendo se isso te assusta. Só… não finge que nada disso aconteceu."
Lia ficou em pé, caminhou até ele.
O quarto ficou em silêncio.
Ela levantou a mão, tocou o rosto dele — um toque leve, tremido.
Yuri prendeu a respiração.
"Você é o idiota mais corajoso que eu já conheci."
E então, sem aviso, Lia encostou a cabeça no ombro dele.
Yuri, devagar, passou o braço ao redor dela.
Mita olhou aquilo como se visse um fantasma.
"QUE PORRA TÁ ACONTECENDO AQUI?!"
"ELA NUNCA DEMONSTROU SENTIMENTO ASSIM, QUE MERDA CÊ FEZ COM ELA, YURI?!"
Ninguém respondeu.
Porque, pela primeira vez, Lia não queria fugir
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Atualizado até capítulo 31
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