Júlia saiu, deixando Helena mergulhada em pensamentos profundos. Seu olhar permaneceu fixo no teto por alguns segundos, antes de fechá-los, tentando afastar o turbilhão de memórias que surgiam como uma tempestade. Era impossível esquecer o que tinha vivido — ou, melhor, sofrido. As lembranças da traição forjada por Samantha, o sequestro, a dor, o medo, a sensação de impotência… e, por fim, a morte. Helena Smith havia sido assassinada de forma fria, cruel, pelas mãos de uma mulher movida pela inveja e pela obsessão.
Se não fosse pela jovem senhora que surgira da lâmpada mágica, ela não estaria ali, respirando novamente. Ainda assim, não era mais Helena. Seu corpo, sua identidade, haviam sido deixados para trás. Agora, era Kyla Thompson.
No silêncio do quarto, Helena pressionou a mão contra o peito, tentando acalmar o coração acelerado. Ver Júlia, sua melhor amiga da vida passada, havia mexido profundamente com ela. A vontade de abraçá-la, de contar tudo, era quase insuportável.
— Queria saber o que realmente aconteceu... — murmurou para si mesma, a voz quase inaudível.
De repente, uma luz intensa iluminou o quarto, preenchendo cada canto com um brilho dourado.
— Você? Como... — exclamou Helena, sentando-se de súbito.
A jovem senhora da lâmpada apareceu diante dela, serena como da primeira vez.
— Vim te explicar uma única vez o que aconteceu e dizer algo que esqueci. Helena Smith está morta. Eu a vi morrer bem diante dos meus olhos, pelas mãos daquela assassina.
— E quanto à Kyla? Eu... eu não posso roubar a vida de outra pessoa. Isso não é justo.
— Você não está roubando nada — respondeu a senhora com calma. — Kyla teve que partir. Ela também cometeu muitos erros. Agora, você tem a chance de transformar a dor em algo bom. Tem a oportunidade de mudar a vida de uma família que sofreu muito por causa dela. Entenda, Helena não existe mais. A senhorita agora é Kyla Thompson. Mas preste atenção: apenas duas pessoas poderão saber a verdade. Se outras pessoas souberem... você morrerá pela segunda vez. E não haverá outro pedido. Adeus, e boa sorte.
— Ei! Espere! — chamou Helena, estendendo a mão, mas a figura já havia desaparecido, como poeira ao vento.
Helena ficou parada, encarando o vazio, o coração apertado. Então, respirou fundo. Uma decisão nascia dentro dela, com força e convicção. Iria viver como Kyla. Abraçaria essa nova chance. Não para repetir erros do passado, mas para, talvez, pela primeira vez, construir algo real. Uma vida que valesse a pena.
Tão absorta estava em seus pensamentos, que não notou quando duas mulheres entraram no quarto.
— Está se sentindo melhor? — perguntou Laura, com um tom ainda cauteloso.
— Sim... eu... não sinto mais dores — respondeu Helena, recuperando-se do susto.
— Bem, o doutor explicou que sua perda de memória é algo raro após uma cirurgia, mas, logo poderá voltar ao normal — comentou a mulher mais velha, com um olhar gentil.
— Ou nunca mais voltará. Você poderá não lembrar de nada para sempre — retrucou Laura, com frieza.
— Laura! — repreendeu a mãe.
— Kyla precisa saber a verdade, mamãe.
— Não agora. Deixe-a se recuperar.
Helena observava o diálogo em silêncio. Aquela era sua família agora. Mas tudo era tão distante, tão estranho. Ainda assim, sentia um desejo crescente de fazer parte daquilo.
— Eu sinto muito. Onde está o meu pai e o meu irmão? Gostaria de conhecê-los — disse ela, suavemente.
Laura a olhou, desconfiada.
— Sério? Você perdeu a memória mesmo? Ou é só mais um jogo? — questionou, firme.
— Desculpe... — sussurrou Helena, abaixando o olhar.
— O papai não quer te ver agora. O Eduard teve alta ontem. Eles foram para casa. Pela segurança do nosso irmão, ele precisa ficar longe de você — disse Laura, magoada.
— O que eu fiz? Fui uma pessoa tão ruim assim? — questionou Helena, com um nó na garganta.
A mãe, Abigail, se aproximou e segurou sua mão.
— Filha...
— Mamãe, ela perdeu a memória, mas precisa saber — insistiu Laura.
— Não, Laura. Agora não.
— Está bem. Vou esperar a minha irmã se recuperar — respondeu, com um suspiro impaciente.
Logo em seguida, o telefone de Abigail tocou. Ela atendeu, falou algumas palavras, e se despediu.
— Preciso ir. Seu pai e seu irmão precisam de mim. Laura, fique com ela. — Abigail beijou a testa de Helena e saiu do quarto.
— Laura... eu quero saber de tudo — disse Helena, encarando a irmã.
— Você ouviu a mamãe.
— Por favor. Eu preciso saber quem fui. O que fiz no passado.
Laura hesitou. Respirou fundo, então sentou-se ao lado da cama.
— Tudo bem. Mas lembra que você pediu. Não sei por que, mas... você sempre detestou nosso irmão. E a mim. O pai e a mãe adotaram você. Seu pai biológico morreu, e sua mãe estava muito doente. Usuários de drogas. Moravam a poucos metros da nossa casa. A mamãe sempre ajudava. Ela se apaixonou por você à primeira vista. E quando a sua mãe ficou sem condições de cuidar, passou a guarda definitiva pra eles. Pouco tempo depois, Emma faleceu.
— Eu não sou filha deles... de sangue? — perguntou Helena, com um aperto no peito.
— Foi adotada. Mas sempre foi amada. Éramos uma família. Mas tudo mudou.
— Mudou?
— Quando você fez vinte e dois anos, descobriu que era adotada. Se revoltou. Começou a sair com más companhias, a beber, usar drogas. Fazia questão de roubar tudo que eu tinha. Até os meus namorados. Um dia... pegou o carro do pai escondido. Eduard foi atrás, preocupado. Você estava com uns amigos... estavam drogados. Quando ele tentou te tirar de lá, foi agredido. Você... não fez nada para impedir.
Helena escutava em silêncio. Cada palavra de Laura era como uma punhalada. Não parecia com ela… mas era o passado que agora a pertencia.
— Ele se recuperou… mas por pouco. Quase o perdemos — continuou Laura, com a voz embargada. — Depois disso, você sumiu por um ano. E quando voltou… discutiu com o Eduard bem na frente de casa. Estava fora de si. Entrou no carro... e o atropelou.
Helena arregalou os olhos, em choque.
— Nosso irmão não quis te denunciar. Teve que implorar ao papai para não chamar a polícia. Helena levou a mão à boca, em choque.
— Muitos acham que o Eduard é um idiota. Mas eu... eu vejo um homem com um coração gigante. Ele dizia que entendia. Que você tinha vivido uma mentira por tanto tempo... e agora não sabia quem era.
Silêncio.
— Ele... ele morreu? — sussurrou Helena, com os olhos marejados.
Laura demorou a responder. Respirou fundo, e seus olhos se encheram de lágrimas antes de encarar a irmã.
— Não. Mas quase. E mesmo assim... ainda quis te proteger.
Helena fechou os olhos com força. A dor era insuportável. Não pela culpa que não sentia, mas pela dor de carregar um passado que não era seu — e ainda assim, era.
Talvez aquela fosse sua missão. Consertar o que Kyla destruiu. Reconstruir laços, curar feridas.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
bete 💗
complicado ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-05-08
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