Em outro lugar, distante dali...
O toque suave dos lençóis sob sua pele trouxe uma falsa sensação de paz. Helena se espreguiçou lentamente, deixando escapar um suspiro aliviado, como se despertasse de um pesadelo. Talvez tivesse sido apenas isso — um sonho terrível. Mas, ao abrir os olhos, tudo o que viu foi um quarto desconhecido, pequeno e simples. Nada lembrava o ambiente luxuoso onde costumava acordar.
O teto era branco e rachado em um canto. O chão de madeira rangia sob os móveis envelhecidos. À sua volta, uma cama de solteiro, um guarda-roupa antigo e uma mesinha de cabeceira com um despertador e um porta-retrato. Curiosa, virou-se para a foto: um casal sorridente com três filhos. Aquela imagem familiar e estranha ao mesmo tempo a fez estremecer.
Tentou se sentar, mas uma dor aguda percorreu seu corpo, como se seus ossos estivessem sendo acordados à força. Gemeu baixo. Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, a porta se abriu com brusquidão.
— Olha só! A Bela Adormecida acordou! — disse uma jovem, parando na soleira.
Helena a encarou, confusa.
— Eu... — tentou falar, mas foi cortada.
— Escuta aqui, Kyla! Essa vai ser a última vez que você faz nossa família sofrer desse jeito!
— Kyla? — repetiu, franzindo a testa.
— Sei que o que passou foi difícil, mas a vida te deu uma nova chance. E, desta vez, vai ficar longe do nosso irmão!
Helena sentiu como se fosse afogada por palavras que não faziam sentido. Tentou entender. Tentou falar. Mas tudo parecia desconectado.
— O quê? Eu... eu não sou... O que está acontecendo? Quem é você?
A jovem a olhou, surpresa.
— Vai dizer que perdeu a memória? Nunca mais dirija embriagada! E... essa foi a última vez que tentou contra a vida do Eduard! Sabe o quanto foi difícil pra mim vê-lo ferido e depois ver os médicos te reanimando naquele hospital? Pensei que ia perder vocês dois! — disse a mulher, com a voz embargada, aproximando-se e abraçando-a.
— Quem é você? Eu não entendo...
— Kyla, o que está acontecendo? Você perdeu a memória? Sou eu, Laura, sua irmã! Está brincando comigo? — disse ela, já em lágrimas.
— Me desculpe... Eu não sei quem é você...
O silêncio que se seguiu foi desconcertante. Laura se afastou lentamente.
— Apenas descanse. Você recebeu alta hoje, mas voltaremos ao hospital amanhã. Isso não está certo. Só saiba que o Eduard não quis envolver a polícia. Mamãe e papai estão com ele no hospital. Todos estamos preocupados com você. E, apesar das suas loucuras, não queremos o seu mal. Vou buscar algo para você comer — disse ela, beijando a testa de Helena antes de sair.
Helena ficou ali, paralisada. Sentia-se sufocada por uma realidade que não reconhecia. Caminhou com dificuldade até o banheiro. Cada passo era um desafio.
Ao se aproximar do espelho, sentiu um arrepio. E então, viu. O reflexo.
Congelou.
A mulher no espelho não era ela. Ou melhor, era — mas em outro corpo. Os olhos tinham a mesma tristeza profunda. Mas os traços eram diferentes. Ela levou a mão ao rosto, como se pudesse arrancar aquela imagem e revelar a sua verdadeira forma por baixo.
— O que está acontecendo? Não sou eu... Que pesadelo maluco é esse? Sou eu... mas no corpo de outra pessoa? Acorda, Helena! Você precisa acordar! — sussurrou, desesperada, beliscando o próprio braço.
A dor foi real.
E então, tudo voltou.
A lembrança da lâmpada mágica. Da mulher de olhos dourados. Do desejo sussurrado entre a vida e a morte:
"Eu quero viver outra vida e ter a oportunidade de ter tudo o que você me roubou de volta. Esse é o meu pedido."
— Não! Isso não pode estar acontecendo! Eu quero meu corpo de volta! Minha vida de volta! — gritou, afundando no chão frio do banheiro.
Foi então que sentiu uma quentura estranha em seu abdômen. Baixou os olhos. Estava sangrando.
O susto, a emoção... Os pontos da cirurgia haviam se rompido.
— Kyla?! O que você fez?! Fique onde está! Eu... eu vou chamar ajuda! — gritou Laura, que surgira na porta em pânico ao ouvir o grito.
Sem pensar duas vezes, correu pelos corredores, gritando por socorro. O sangue se espalhava no chão, enquanto a consciência de Helena esvaía pouco a pouco. O som ao redor se tornava distante mais uma vez.
O resgate chegou em minutos. Rapidamente, a colocaram na maca e a levaram para o hospital. Após os procedimentos de emergência, ela foi levada, ainda inconsciente, para o quarto 232.
No dia seguinte...
A claridade suave da manhã invadia o quarto. O som do monitor cardíaco e dos aparelhos médicos preenchia o silêncio. Helena abriu os olhos com esforço. O teto era branco. O ar, levemente gelado.
Ao seu lado, uma mulher sorria com ternura. Tinha os olhos marejados e a expressão de alívio.
— Filha! Que bom que acordou! Estávamos tão preocupados com você! — disse a mulher, emocionada, aproximando-se e passando os dedos entre seus cabelos antes de beijar-lhe a testa.
Helena a encarou, atônita. Aquela mulher a chamara de... filha?
— Desculpe... Eu... não me lembro...
A mulher conteve as lágrimas, tentando parecer forte.
— Então é verdade. Você perdeu a memória... Não se preocupe, estamos aqui agora: eu, seu pai, seu irmão e sua irmã. Vamos cuidar de você. Vai ficar tudo bem. Vou chamar o médico — disse, com a voz embargada, antes de sair do quarto.
Helena fechou os olhos por um instante. Estava presa em uma realidade que não compreendia. Seu corpo era estranho. Sua história, um mistério. E, acima de tudo, seu coração... doía.
Minutos depois, uma enfermeira entrou para aplicar a medicação. Mas ao vê-la, Helena arregalou os olhos.
— O que vai fazer? Você! — exclamou, surpresa, a voz embargada pela emoção.
A jovem enfermeira parou no meio do passo, franzindo a testa.
— Desculpe? Me conhece?
Helena a encarou, o coração disparado. Era impossível não reconhecer aquele olhar gentil, o jeito cuidadoso, a presença que tantas vezes a confortara em outra vida. Era Júlia. Sua melhor amiga. Seu porto seguro. Mas ali, naquela nova realidade, ela não sabia quem Helena — agora Kyla — era.
Ela quis chorar. Gritar. Abraçá-la. Mas se conteve.
— Não... desculpe. Eu... confundi você com alguém — respondeu com a voz trêmula, desviando o olhar.
Júlia sorriu com doçura, como sempre fazia, e se aproximou com delicadeza.
— É comum nesse estágio. A memória às vezes prega peças — disse, enquanto preparava a medicação.
Helena observou cada movimento da amiga com o peito apertado. Era um alívio vê-la viva, perto... mas também uma tortura fingir que não a conhecia. Enquanto a agulha tocava sua pele, ela fechou os olhos, sentindo mais do que a picada — sentindo o peso de um reencontro silencioso, marcado por segredos que ainda não podiam ser revelados.
Quando Júlia saiu do quarto, Helena deixou uma lágrima escorrer.
Nada daquilo fazia sentido. Estava em outro corpo, em outra vida. Mas o destino, caprichoso como sempre, colocara à sua frente um pedaço do que ela havia perdido.
E naquele instante, compreendeu:
A vida lhe dera uma nova chance.
E, desta vez, ela faria tudo diferente. Lutaria, em silêncio, se preciso fosse — mas lutaria.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 60
Comments
bete 💗
❤️❤️❤️❤️❤️
2025-05-08
0