ciúmes

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Mais tarde Helena estava na cozinha, lavando a louça devagar. O som da torneira correndo parecia um disfarce para o silêncio que tomava conta da casa. Ou talvez fosse só a tentativa de se manter ocupada depois da surpresa.

Júlia entrou com a namorada pela porta da frente, rindo de algo que só elas duas entendiam.

— Fica à vontade, amor. — disse, jogando a chave na mesinha de centro da sala.

As duas se sentaram no sofá. A outra garota — de olhos escuros, riso fácil e jeito provocador — cruzou as pernas no encosto do sofá, como se já estivesse ali há anos.

— Você viu o jeito que a Bianca falou com a livia? — a namorada soltou de repente, com um sorriso que não era exatamente inocente.

— Ai, lá vem você com essa história. — Júlia bufou, rolando os olhos.

— Mas ela falou com intenção. Aposto que se eu não existisse, ela já teria te chamado pra sair.

— Não viaja. — vivian cruzou os braços, num gesto automático de defesa. — E mesmo se tivesse... você acha que eu ia olhar pra alguém com você do meu lado? sorriu, inclinando-se pra frente, mais perto.

— Você fica muito bonitinha quando finge que tá brava.

Júlia empurrou de leve o ombro da garota, fingindo impaciência. Mas estava sorrindo também.

Na cozinha, Helena continuava em silêncio, mas agora a torneira estava fechada. Ela não se mexia. Só ouvia — mesmo que não fosse sua intenção no começo.

— E essa babá? — a namorada perguntou, depois de um tempo, num tom casual demais pra ser realmente despreocupado. — Já conheceu?

— Não é babá, tá? — Júlia respondeu, fazendo uma careta. — É só a Helena. Uma amiga do meu pai... ele confia nela. — fez uma pausa. — Mas não confia tanto em mim, aparentemente.

— Hum. — a outra levantou uma sobrancelha. — Bonita?

— É... sei lá. — Júlia mordeu o lábio, um pouco sem jeito. — Acho que sim. Mas é tipo... mais velha, sabe? Recém separada. Nada a ver comigo.

A namorada a olhou por um instante longo demais.

— "Nada a ver", hein... pelo oq eu me lembre vc tinha suas fantasias cpm mulheres amais velhas

— Ei. — Júlia segurou o queixo dela com carinho. — Não começa.

A garota sorriu, mas havia um pontinho de desconfiança ali. Mesmo assim, se aproximou e beijou livia com calma, como se quisesse selar uma trégua silenciosa.

— Eu te ligo depois, tá?

— Tá bom.

A namorada se levantou, pegou a bolsa e foi até a porta. Júlia ficou ali, olhando o vazio por um momento, o gosto do beijo ainda na boca. Sentia um tipo de inquietação que não sabia nomear. E não era por causa da livia.

Ela afundou no sofá, deixando a cabeça tombar pro encosto. Do nada, um som metálico veio da cozinha — como se algo tivesse caído da pia.

— Escutar conversa alheia é feio, viu? — gritou, com um tom debochado.

Do outro lado da parede, a resposta veio com um riso abafado.

— Eu não ouvi nada... juro.

— Sei.

Sem esperar mais, Júlia se levantou e subiu as escadas, deixando Helena sozinha, de novo, na cozinha. Mas agora com a cabeça cheia demais pra fingir que o barulho foi só distração.

Ela se encostou na pia, ainda com a mão molhada, e olhou para o corredor por onde a menina tinha passado.

Aquela casa estava cheia de silêncios. Mas, como Júlia bem sabia, alguns silêncios diziam muito.

No quarto, Júlia fechou a porta com mais força do que pretendia. Encostou as costas na madeira e respirou fundo. Podia sentir o perfume da namorada ainda grudado na roupa, mas a cabeça estava a quilômetros de distância daquele beijo.

Deitou na cama, olhos no teto, tentando ignorar a sensação incômoda que crescia no peito. Era só paranoia, certo? Helena era uma adulta, amiga do pai, separada, velha demais pra ela — velha no sentido em que adolescentes definem o que é "fora do alcance".

Mas então... por que sentia que cada movimento de Helena pela casa parecia arranhar o ar ao redor?

Lá embaixo, Helena secava os pratos com mais calma do que o necessário. Podia ouvir o ranger dos passos no andar de cima. Imaginava Júlia jogada na cama, de olhos abertos, como costumava fazer quando era mais nova e queria evitar o mundo. Quase sorriu ao lembrar, mas o sorriso murchou depressa.

A Júlia de agora não era mais aquela menina de pulseiras coloridas e olhar curioso. Era uma garota com um relacionamento, beijos com gosto de dúvida, e olhos que, às vezes, a olhavam como se procurassem algo que não sabiam se podiam encontrar.

Helena se odiava um pouco por perceber essas coisas.

Mais tarde, já de pijama, Júlia desceu em silêncio, descalça, arrastando os dedos pelas paredes do corredor. Encontrou Helena sentada no sofá, um livro aberto no colo, mas os olhos não liam.

— Você sempre ouve as conversas que não são suas? — perguntou, encostando-se na porta da sala com um copo d'água na mão.

Helena levantou os olhos devagar, sem surpresa.

— Só quando estão muito perto da cozinha.

— A casa inteira é perto da cozinha. — Júlia retrucou, bebendo um gole.

— Pois é.

Um silêncio de novo. Helena virou a página sem ler, só pra fazer algo com as mãos.

— Ela é legal... — disse, por fim.

— A Livia? — Júlia perguntou, meio desafiadora.

— É. Tem um sorriso esperto. Mas tem ciúmes de você... dá pra ouvir.

— E você? — A pergunta escapou sem freio, sem filtro.

Helena a encarou, a expressão mudando por um segundo. Não era choque. Nem reprovação. Só um leve susto. Depois, se recompôs.

— Eu não tenho esse direito. — respondeu, simples.

— Não foi isso que perguntei.

Helena fechou o livro. Respirou fundo. E respondeu, olhando direto nos olhos de Júlia:

— Eu não deveria. Mas tenho.

Júlia não disse nada. Só ficou ali, de pé, imóvel, como se qualquer movimento pudesse fazer aquela conversa escorregar pelos dedos.

— Boa noite, Helena. — murmurou, por fim, virando-se para subir.

— Boa noite, Júlia.

Mas nenhuma das duas dormiu rápido naquela noite.

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