Até Você Chegar Aqui

Até Você Chegar Aqui

antes da partida

Júlia 17 anos

Capítulo 1 — Antes da Partida

— Tem certeza que vai ficar bem sozinha?

Revirei os olhos, tentando esconder o aperto no peito.

— Pai, tenho 17 anos. Não sou mais uma criança.

Ele me lançou aquele olhar que sempre me desmontava, o mesmo desde que eu tinha oito anos e dizia que podia atravessar a rua sozinha. Agora, ele estava com a mala pronta na porta e o passaporte na mão, mas a expressão era igualzinha.

— Eu sei disso. Mas ainda é minha filha. E deixar você aqui, mesmo por algumas semanas, não é fácil pra mim.

Fiquei em silêncio. A verdade era que também não era fácil pra mim. Desde que ele e o Pedro se casaram, tudo ficou mais leve, mais alegre. Eu me acostumei com a rotina dos três — eu, ele e o Pedro. E agora os dois iam passar um tempo fora do país, numa viagem de trabalho que podia durar meses.

— Por isso... — ele continuou, com cautela — pedi pra alguém vir morar aqui enquanto estou fora. Só por segurança. E porque sei que vocês vão se dar bem.

Ergui uma sobrancelha, desconfiada.

— Quem?

Ele sorriu de lado, como se soubesse que minha reação viria.

— A Helena.

— A Helena? — repeti, surpresa. — Sua melhor amiga?

— Ela mesma. Se separou recentemente e está precisando de um recomeço. Achei que seria bom pra vocês duas.

Cruzei os braços, tentando esconder o turbilhão de sentimentos. Helena era uma lembrança vívida na minha memória: o cheiro de perfume forte, as gargalhadas ecoando pela casa, os olhos intensos demais para se esquecer. Ela sempre me pareceu uma mistura de tempestade e aconchego.

— Você vai gostar, filha. Ela é divertida, gentil... e sabe cuidar de quem ela ama. — Ele me encarou por um segundo. — E eu sei que ela vai cuidar de você.

Suspirei.

No fundo, sabia que ele só queria o melhor. Mas alguma coisa dentro de mim dizia que aquela história ainda ia bagunçar muita coisa. E eu não fazia ideia do quanto.

FLASHBACK ON

---

Eu me lembro da primeira vez que vi Helena com a ex-esposa. Elas chegaram juntas num almoço de domingo na nossa casa, conversando baixinho e rindo como se compartilhassem um mundo inteiro onde ninguém mais entrava. Helena usava um vestido vinho, colado no corpo, e um batom vermelho que parecia perigoso demais para o meio-dia.

Eu tinha uns treze, talvez catorze anos, mas nunca esqueci aquela imagem. Não porque era algo grandioso — era só uma visita qualquer —, mas porque Helena ocupava os espaços de um jeito que ninguém mais conseguia. Ela não falava alto, mas todo mundo prestava atenção quando ela dizia qualquer coisa. Tinha um jeito lento de olhar para as pessoas, como se pudesse ver dentro delas. E mesmo ali, de mãos dadas com outra mulher, com um sorriso tranquilo e maduro, era nela que meus olhos voltavam, de novo e de novo.

A ex — Marina, acho que era esse o nome — era bonita também. Elegante, polida. Mas Helena... Helena era viva. Cheia de gestos espontâneos, piadas tortas, olhos que riam antes da boca. E havia algo no modo como ela mexia o cabelo, como tirava os óculos para falar com mais firmeza, como escutava cada um na mesa com atenção de verdade. Eu me peguei observando-a mais do que deveria, sem entender o porquê.

Naquela época, achei que era só admiração. Hoje, olhando pra trás, percebo que já era outra coisa. Uma semente plantada sem permissão. Um desejo ainda sem nome.

---

FLASHBACK OFF

Ele me abraçou por tempo demais. Do tipo que a gente sente no osso. E eu deixei. Porque, no fundo, eu sabia que estava tentando guardar esse momento como se fosse um último.

— Qualquer coisa, me liga. A qualquer hora, tá? — disse ele, a voz um pouco rouca.

Assenti, sem responder. Às vezes, a gente ama tanto alguém que não quer abrir a boca com medo de chorar.

Vi o carro se afastando devagar, como se também tivesse dificuldade de ir embora. Quando ele virou a esquina, o silêncio caiu sobre a casa com o peso de um cobertor molhado.

Subi pro meu quarto e fiquei sentada na beira da cama, ouvindo o tic-tac do relógio da parede e o som do próprio coração batendo. Uma hora. Sessenta longos minutos entre o "tchau" e o "agora o que eu faço?".

Desci, coloquei água pra ferver, mas esqueci do chá. Liguei a TV, mas o barulho parecia gritante. Era estranho como tudo soava mais alto quando a gente estava sozinha.

Foi quando a campainha tocou.

Meus ombros deram um salto, e por um segundo, desejei que não fosse ninguém. Ou melhor — desejei que não fosse ela.

Mas era, claro.

Foro da Helena :

Abri a porta devagar, o coração dando voltas no peito. E ali estava Helena. Com uma mala na mão, uma bolsa caída no ombro e um sorriso que misturava cansaço e alívio.

— Oi, pirralha. — disse, com a voz baixa, quase doce. — Pronta pra me aguentar?

Eu não soube o que responder. Só fiquei ali, olhando pra ela. Pro cabelo solto com algumas mechas brancas que ela nunca tentava esconder. Pro casaco grande demais. Pro jeito de existir que parecia bagunçar qualquer tentativa de rotina.

Ela era exatamente como eu lembrava. Mas, de algum jeito, ainda mais bonita.

E eu sabia, naquele instante, que nada na minha vida voltaria a ser como antes.

continua

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Comments

Ana Faneco

Ana Faneco

Já amando autora querida 😍❤️❤️❤️❤️❤️ continuaaaaaaaaaaaaa

2025-05-16

0

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