silêncios que dizem muito

Capítulo 2 — Silêncios que Dizem Muito

Ela passou pela porta como se já conhecesse cada canto daquela casa — e, de certo modo, conhecia mesmo. Helena tinha sido presença constante por anos. Festas, aniversários, domingos preguiçosos. Só que agora era diferente. Agora, ela estava ali para morar. E eu... eu não sabia como me mover com ela tão perto.

— Sua casa continua cheirando a lavanda. — disse, largando a mala no chão da sala. — Ainda odeio isso.

— Eu gosto. — rebati, meio automática, meio provocação.

Ela sorriu, daquele jeito torto, como se estivesse se divertindo mesmo quando não dissesse nada engraçado.

— Claro que gosta. Você sempre gostou das coisas mais... suaves. — Ela me olhou por cima do ombro, como se quisesse confirmar que eu ainda era a mesma garotinha que ficava quieta num canto observando tudo.

Mas eu não era.

— Quer um chá? — perguntei, antes que o silêncio ficasse grande demais.

— Aceito. Desde que não seja lavanda.

Fui até a cozinha, e ela veio atrás. Não falou nada, mas também não precisava. Helena tinha esse dom irritante de estar em todos os espaços mesmo quando estava calada.

— Como você tá? — perguntou, depois de um tempo.

Poderia responder mil coisas. Confusa. Curiosa. Um pouco nervosa. Mas só dei de ombros.

— Bem. E você?

— Tentando respirar. — Ela pegou a caneca que eu ofereci e ficou olhando o vapor subir. — Às vezes, recomeçar é como reaprender a andar. A gente se sente meio ridícula no começo.

Assenti, mesmo sem saber exatamente do que ela falava. Ou talvez soubesse, de um jeito diferente.

Ela se encostou na bancada e ficou ali, me olhando. De um jeito que não era indecente, mas também não era neutro. Tinha algo nos olhos dela... uma espécie de ternura curiosa, misturada com cansaço do mundo.

— Você cresceu, pirralha. Tá com cara de "mulher" agora.

Aquele comentário me atravessou mais do que deveria. E, por um instante, não soube onde colocar as mãos.

— E você continua se achando demais né helena. — rebati, sem graça.

Ela riu. E o som da risada dela foi o primeiro som verdadeiramente confortável que ecoou naquela casa o dia inteiro.

— Dá pra parar de me chamar de pirralha? — falei, tentando parecer irritada, mas sem muito sucesso.

Helena arqueou uma sobrancelha, fingindo surpresa.

— Ué... sempre te chamei assim.

— É, mas eu cresci desde a última vez que você me viu. — Dei um gole no chá só pra ter o que fazer com a boca. — Já passei da fase de pular corda e assistir desenho animado.

— Bom ponto. — Ela sorriu, encostando a xícara na boca. — Ok... sem "pirralha". Vou tentar. Mas sem promessas.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. O tipo de silêncio que não era desconfortável, mas também não era exatamente confortável. Até que eu resolvi perguntar:

— E... por que você e a Marina se separaram?

Ela não respondeu de imediato. Girou o chá devagar, como se estivesse esperando as palavras se ajeitarem na língua.

— Porque às vezes amar não é o suficiente. — respondeu, enfim. — A gente se gostava muito, mas queríamos coisas diferentes. E, talvez, em algum momento, tenhamos começado a nos esquecer uma da outra no meio da rotina. Quando percebi... já tinha virado distância.

— Sinto muito. — murmurei.

— Eu também. Mas não me arrependo. Às vezes, a gente precisa se perder pra se reencontrar. — Ela me olhou com mais atenção. — E você? Tá namorando?

Engasguei um pouco com o chá.

— Mais ou menos. — respondi, sem encarar diretamente.

— Isso é um sim ou um não?

— É um “não é da sua conta”.

Ela riu.

— Justo. Mas agora fiquei curiosa.

Abri a boca pra responder algo sarcástico, mas fui interrompida pelo som do meu celular vibrando na bancada.

"Amor", dizia o nome na tela.

Atendi sem pensar, virando de costas pra Helena.

— Oi... já tô quase pronta. Só vou trocar de roupa. Me espera na esquina, tá bom? — pausei, rindo. — Eu sei, eu sei... eu não demoro tanto assim. Juro.

Desliguei com um sorriso involuntário e só então percebi que Helena me observava com os olhos semicerrados.

— Então... era um namorado? — perguntou, como quem tenta montar um quebra-cabeça de cabeça pra baixo.

Assenti, simples assim.

— Ela tá me esperando lá fora. Vou sair um pouco.

Peguei a bolsa e caminhei até a porta. Antes de sair, me virei por um segundo.

— Se quiser pedir alguma coisa pra comer, o cardápio da lanchonete tá na gaveta da cozinha. Boa sorte com a lavanda.

Fechei a porta antes que ela respondesse.

Do lado de dentro, Helena ficou parada no meio da sala, olhando pro nada. O sorriso sumido, os olhos surpresos.

— "Ela" hm ela namora com uma garota... — murmurou, pra ninguém ouvir.

E ali, no silêncio daquela casa que agora era meio dela também, Helena teve a primeira certeza: aquela menina de dezessete anos havia crescido mais do que ela imaginava

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