Na manhã seguinte ao evento, a mansão parecia mais silenciosa do que o normal. Um silêncio carregado, como se alguém houvesse apagado as cores da casa e deixado só os contornos. O jantar da noite anterior fora um sucesso, pelo menos diante das câmeras e dos acionistas. Eu havia sorrido tanto que sentia dor no rosto, e Damon, embora distante, mantivera a postura de noivo atento. Tudo funcionara. Ou, ao menos, parecia ter funcionado.
Até eu ouvir as vozes.
Estava descendo as escadas em direção à biblioteca quando escutei a primeira palavra mais alta. Vinha do corredor sul, uma ala que eu ainda não explorara. Hesitei por um momento, mas a curiosidade venceu. E a curiosidade sempre cobra um preço.
A porta estava entreaberta. Do outro lado, Damon e Tristan discutiam — não como irmãos, mas como inimigos velhos e exaustos.
— Você passou dos limites ontem — rosnou Damon, com a voz baixa e ameaçadora.
— E você continua tratando tudo como se fosse propriedade sua — rebateu Tristan, com um tom carregado de desprezo. — A fundação, o nome da família... até ela.
— Ela é parte do contrato.
— Ela é uma pessoa.
Um silêncio se impôs entre os dois. Eu me encolhi atrás da parede, prendendo a respiração.
— Só estou avisando — disse Tristan, mais baixo. — Isso vai estourar. E quando estourar, você vai precisar mais do que controle para sair ileso.
— E você vai ficar assistindo, não é?
— Talvez.
A porta se fechou com força, abafando o restante da conversa. Me afastei rápido, voltando para o corredor principal antes que percebessem minha presença. O coração batia no ritmo de uma confissão proibida. Damon e Tristan... havia algo ali que ia além da rivalidade fraterna. Algo não resolvido. Perigoso.
Na sala de café da manhã, a governanta me recebeu com um sorriso educado e me serviu chá e croissants como se eu fosse, de fato, a noiva do herdeiro. E, por alguns segundos, tentei fingir que aquela era minha vida. Uma farsa bem montada. Mas ainda assim, farsa.
Damon entrou pouco depois, impecável como sempre. Sentou-se à minha frente e começou a ler o jornal como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse discutido com o próprio irmão como quem troca ameaças veladas.
— Dormiu bem? — ele perguntou, sem tirar os olhos das páginas.
— Maravilhosamente. Nada como um teatro social para acalmar os nervos — respondi, mordendo o croissant com sarcasmo.
Ele ergueu os olhos por cima das folhas.
— Está com aquela energia espirituosa de novo.
— É que estou começando a achar que a parte mais real desse acordo é a tensão entre você e seu irmão.
Um músculo saltou em sua mandíbula.
— Cuidado com o que ouve, Clara. Nem tudo que parece... é.
— E nem tudo que se esconde... está resolvido.
Por um segundo, achei que ele fosse retrucar. Mas, em vez disso, fechou o jornal com calma e se levantou.
— Hoje você tem uma aula de etiqueta com a senhora Donatelli. Ela vai prepará-la para o jantar com o conselho, daqui a dois dias.
— Estou adorando ser moldada como uma boneca.
— Não quero que pareça uma boneca — disse ele, parando à porta. — Quero que pareça convincente.
Ele saiu sem esperar resposta.
A aula de etiqueta foi um tormento, equilíbrio de taça, postura de princesa, sorrir sem mostrar os dentes, conversar sem opinar demais. A senhora Donatelli era uma águia de cabelos brancos e palavras afiadas, que corrigia cada gesto meu como se a etiqueta fosse uma questão de honra nacional. Quando terminou, eu mal conseguia sentir as bochechas de tanto forçar expressões neutras.
Fugi para os jardins, atrás de ar fresco, ou de qualquer lugar onde ninguém me dissesse como cruzar as pernas.
Foi lá que encontrei Tristan novamente.
Ele estava deitado na grama, olhos fechados, fones nos ouvidos, como se o mundo não lhe exigisse nada. Quando me viu, ergueu um dos braços como se me saudasse da própria preguiça.
— A futura senhora Valmont, em fuga?
— Em pausa — respondi, sentando perto dele. — Você sempre parece fora de lugar, sabia?
— Porque estou.
— E por que fica?
Ele olhou para o céu, como se buscasse ali a resposta.
— Talvez porque ainda não sei pra onde ir.
— Ou talvez porque ainda não terminou o que começou aqui.
Ele virou o rosto para mim, sério pela primeira vez.
— Damon tem o controle, Clara. Mas isso não significa que ele esteja certo.
— E você está?
— Eu só não finjo tão bem quanto ele.
Ficamos em silêncio. O sol filtrava-se pelas folhas, e por um instante o mundo pareceu simples. Dois estranhos dividindo uma sombra.
— Você gosta dele? — Tristan perguntou, de repente.
— Damon?
Assenti, surpresa com a própria hesitação.
— Não sei. Às vezes acho que ele é só um papel bem interpretado. Outras vezes... vejo rachaduras.
— Rachaduras podem esconder segredos. Ou cicatrizes.
— E você? Tem os dois?
Ele sorriu, mas não respondeu.
Naquela noite, fui para o quarto com a cabeça latejando. A tensão entre os irmãos era real, profunda, construída em anos de feridas abertas. E eu, mesmo como peça temporária, estava no centro de algo que ia muito além de um contrato.
A mentira era simples, fingir ser a noiva de um bilionário.
A verdade?
Estava ficando cada vez mais difícil distinguir.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Dulci Oliveira
só espero que ela não se apaixone pelos dois aí vai ficar muito difícil
2025-05-08
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Vera Lucia Berlanda de Andrade
eu vou esperar anciosa pelos capitulos porquê já me apaixonei pela história
2025-05-07
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Cristiane F silva
Tô nessa expectativa dela não se apaixonando pelos dois
2025-05-08
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