O quarto que me foi designado era maior que meu antigo apartamento inteiro. Tinha uma cama com dossel branco, lençóis de linho, uma varanda com vista para o jardim geométrico e uma lareira que soltava estalidos suaves. Mas, apesar de toda a beleza, o ambiente era estéril. Não havia fotografias, livros ou qualquer traço de personalidade. Tudo parecia meticulosamente calculado, como se até o aconchego fosse um produto controlado.
Havia roupas no armário. Roupas caras, novas, com etiquetas ainda presas. Sapatos alinhados em uma estante de vidro, bolsas de grife organizadas por cor e tamanho. Um closet inteiro montado para uma mulher que não existia. Era como se tivessem montado um figurino para o papel que eu deveria interpretar.
Passei o resto da tarde tentando me sentir parte daquilo, sem sucesso. Cada passo ecoava como se denunciasse minha presença. À noite, vesti um robe de seda que me parecia mais uma fantasia do que roupa de verdade, e me sentei na cama, relendo o contrato. Três semanas. Sete eventos sociais. Três aparições com imprensa. E uma cláusula que me deixou inquieta: “Convívio mínimo com membros da família Valmont, a menos que solicitado.”
Solicitado por quem? Damon? Ele mal falara comigo desde minha chegada. A casa era grande demais, e a ausência de calor humano tornava tudo mais sombrio do que eu imaginava.
Na manhã seguinte, a governanta, a mesma mulher de semblante gelado que me recebera no dia anterior, apareceu com um cronograma. Havia horário para tudo, café, aula de etiqueta, consultoria de imagem, ensaio de postura. Eu era oficialmente uma personagem sendo moldada para entrar em cena.
Depois do segundo ensaio com uma mulher chamada Celine, especialista em “interpretação emocional discreta”, pedi um tempo sozinha para respirar. Saí pelos corredores da mansão, com passos contidos, e encontrei um atalho que levava a um jardim interno escondido por colunas cobertas de hera. Foi ali que ouvi a risada.
Uma risada masculina. Calorosa. Autêntica.
Parei. A risada vinha de uma varanda acima. Curiosa, segui o som e encontrei uma escada estreita que levava ao segundo andar. Quando alcancei o topo, vi uma porta de vidro entreaberta. Atrás dela, um homem estava recostado numa espreguiçadeira, lendo um livro e sorrindo sozinho.
Ele não me viu de imediato. Parecia completamente à vontade, com os pés descalços apoiados na madeira, o cabelo um pouco bagunçado pelo vento e uma xícara de café esquecida ao lado. A cena contrastava com tudo o que eu tinha experimentado ali. Aquilo era… humano.
Então ele me viu.
— Você deve ser a noiva do meu irmão.
A voz dele era suave, mas havia uma pontada de ironia nela. Meus pés se firmaram no chão.
— E você deve ser o outro herdeiro — respondi, sem saber muito bem como reagir.
Ele riu, se levantando com movimentos lentos, felinos. Quando ficou de pé, pude ver melhor o rosto dele, os olhos escuros, intensos, mas com um brilho divertido. Diferente de Damon, esse homem tinha expressão, carisma. Mas havia algo por trás daquele sorriso. Algo que ele fazia questão de esconder.
— Tristan Valmont — disse, estendendo a mão.
— Clara Medeiros.
— Sei quem é você. Damon me mostrou seu perfil. — Ele se aproximou um pouco. — Mas vendo pessoalmente, não esperava que fosse tão… real.
— E o que você esperava?
— Alguém mais... plástica. Inventada. Você tem um quê de desespero honesto que não se encontra facilmente por aqui.
Eu deveria ter me ofendido. Mas por alguma razão, sorri.
— E você? É o irmão esquecido ou o rebelde?
Ele ergueu uma sobrancelha, surpreso.
— Ah, ela é rápida. Gosto disso. — Tristan deu de ombros. — Sou o irmão que não sorri nas fotos oficiais. O que não usa gravata. O que não queria fazer parte do império, mas teve que voltar quando nosso pai morreu.
— E agora mora aqui? Com o irmão e a… noiva de mentira?
— Por pouco tempo — ele respondeu, olhando para o jardim com uma expressão distante. — Só até decidir para onde ir. Ou até que meu irmão decida que já fingiu o suficiente.
O comentário me gelou por dentro. Havia algo ali. Uma rixa não dita. Uma disputa silenciosa.
— Vocês se dão bem? — perguntei, testando os limites da conversa.
— Como se dá bem com alguém que cresceu para herdar tudo enquanto você foi criado à margem? — Ele se virou para mim. — Não se preocupe. Não estou amargo. Só... lúcido.
Antes que eu pudesse responder, passos ecoaram no corredor. Tristan deu um meio sorriso e voltou a se sentar.
— Isso é um aviso? — perguntei.
— É um lembrete. Aqui, Clara, ninguém é o que parece. Nem mesmo quem sorri para você.
Ele então voltou a abrir o livro como se a conversa tivesse acabado.
Saí dali com o coração batendo mais rápido. Tristan era o oposto de Damon. Ou talvez... apenas soubesse atuar melhor. De qualquer forma, naquele instante, eu soube que estava cercada por mais do que um teatro. Estava cercada por histórias não contadas, ressentimentos velados, e um jogo de aparências que poderia destruir mais do que reputações.
Poderia destruir corações.
E eu já não sabia se o meu era forte o bastante para resistir.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Cristiane F silva
Ainda tá meio confuso mais ainda vou continuar lendo pra entender melhor o desenrolar da história
2025-05-08
0
Claudia
A cada capítulo uma nova emoção e uma descoberta 🧿♾
2025-05-08
0
Mclaudia Oliveira
Nossa que mistério 👀👀
2025-05-09
1