O Herdeiro Anônimo.
Eu estava a três dias do despejo, com dois pacotes de macarrão instantâneo na despensa, quando recebi a proposta mais absurda e tentadora da minha vida.
A mensagem chegou por e-mail, entre um spam de desconto em lingerie e outro de cursos milagrosos de inglês. O título chamava atenção: “Oferta Confidencial – Urgente”. Meu primeiro impulso foi apagar. Mas algo me deteve. Talvez o desespero. Talvez o instinto. Talvez a forma elegante como o remetente assinava, C. Donatti, Advocacia Privada.
Abri.
"Prezada Srta. Clara Medeiros,
Seu nome foi sugerido para um contrato de representação confidencial de caráter temporário. A proposta envolve discrição, boa comunicação, e participação em um evento familiar de alto padrão. Caso aceite discutir, compareça amanhã, às 10h, no endereço abaixo.
O comparecimento não implica aceitação. Confidencialidade é obrigatória."
Confidencialidade? Evento familiar? Contrato de representação?
Soava como se alguém estivesse procurando uma atriz... ou uma cúmplice. Fechei o notebook, com a cabeça fervendo. Mas àquela altura, o que eu tinha a perder? Minha reputação? Já estava enterrada. Meu orgulho? Estava na fila do INSS com um papel de "volte outro dia".
Na manhã seguinte, vesti minha melhor blusa a menos desbotada , prendi o cabelo num coque profissional e segui para o endereço. Era um prédio comercial espelhado no centro da cidade, do tipo que cheira a dinheiro. O elevador tinha carpete. O corredor, silêncio de biblioteca. Quando cheguei na recepção, uma mulher de terninho bege me examinou dos pés à cabeça com a neutralidade de quem avalia uma estátua rachada.
— Srta. Medeiros? Por aqui.
A sala de reuniões era toda em tons cinza e madeira escura. Três pessoas estavam à minha espera. Um homem com gravata vinho e olhos de falcão claramente o líder. Uma mulher de cabelo curto e postura militar. E um terceiro, sentado mais afastado, que parecia estar ali por acidente, paletó aberto, olhar distraído, como se estivesse entediado com a própria existência.
— Clara Medeiros — disse o homem da gravata, se levantando. — Sou Carlo Donatti. Agradeço por vir.
— Vim mais pela curiosidade. O e-mail parecia... digamos, suspeito.
Um canto de sua boca se curvou, ligeiramente.
— Entendemos. É por isso que preferimos conversar pessoalmente.
Ele gesticulou e a mulher entregou uma pasta preta. Dentro, havia um contrato de três páginas, um folder com fotos de uma mansão em estilo europeu, e uma cláusula destacada em amarelo “A contratada deverá assumir o papel de noiva do Sr. Valmont em aparições públicas e eventos previamente estipulados, pelo prazo de três semanas.”
Eu ri. Um riso breve, alto demais.
— Isso é... sério?
— Extremamente.
— Vocês querem que eu finja ser noiva de um homem que eu nem conheço?
— Não é um homem qualquer, Srta. Medeiros — respondeu Carlo. — É o herdeiro da holding Valmont Industries. E neste momento, ele precisa de uma noiva — ou pelo menos, da ilusão de uma.
Aquilo parecia saído de um roteiro de novela ruim. Mas eles estavam sérios. Sérios até demais. A mulher com postura militar me observava como se calculasse minha pressão arterial.
— Por quê? — perguntei. — Qual o objetivo dessa encenação?
— O Sr. Valmont deve apresentar uma parceira estável ao conselho de acionistas para manter o controle de sucessão. Um capricho do pai falecido. É um evento simbólico, mas de grande impacto.
— E por que eu?
— Você escreve bem, fala com clareza, é discreta, tem aparência comum o suficiente para não chamar atenção, mas charmosa o bastante para convencer — disse a mulher pela primeira vez. — Além disso, está em situação financeira... vulnerável.
Aquilo doeu.
— Vocês investigaram minha vida?
— Fizemos uma verificação básica de perfil. Não a julgamos por sua situação. Apenas a reconhecemos como alguém que pode se beneficiar — respondeu Carlo.
— E o herdeiro? Ele aprova isso?
— Ele mesmo aprovou seu nome — disse Carlo, e então fez um gesto para o homem entediado no canto da sala.
Ele se levantou lentamente. Não era o tipo clássico de bilionário, sem arrogância explícita, sem sorriso encantador. Seus olhos eram um cinza profundo, tão impassíveis quanto aço molhado.
— Prazer, Clara — disse ele, estendendo a mão. — Sou Damon Valmont.
Minha mão hesitou por um segundo. A pele dele era quente, firme, segura.
— Você leu meu perfil e ainda assim me escolheu?
— Li seu blog. Antes de você apagá-lo. Você sabe escrever, sabe improvisar. E tem cara de quem mente bem quando precisa.
— Isso é um elogio?
— Para essa função, é um requisito.
Eu o encarei por um longo momento. Tudo em mim gritava para recusar, fugir, voltar para casa e recomeçar minha vida do zero. Mas minha conta bancária sussurrava outra coisa. E, sinceramente? Eu estava cansada de dizer "não" para tudo que parecia perigoso. Só me restavam os riscos.
— Três semanas? — confirmei. — E o pagamento?
Carlo respondeu, com a precisão de quem fala sobre transações bancárias:
— Cinquenta mil reais ao final do contrato, com bônus de vinte mil se a imprensa aceitar a relação como real. Mais despesas de hospedagem, roupas, alimentação e transporte.
Eu respirei fundo. O contrato estava ali, me esperando. Uma assinatura. Uma caneta. Um sim.
E então, assinei.
Sem saber que aquele era o início do maior teatro da minha vida e que, no palco onde entrei como figurante, eu sairia… despida de todas as minhas certezas.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Vera Lucia Berlanda de Andrade
comecei a ler dia 07/05/2025 mesmo sabendo que não está concluído e já gostei da história espeto não né arrepender por que se não tiver final vou ficarmuito frustada. vamos lá
2025-05-07
1
Dulci Oliveira
acho que esse contrato vai ter uma duração longa Clara
2025-05-08
1
Marta Augusto da Silva
Bora lá pra mais uma história dessa autora maravilhosa começando 08/05/2025
2025-05-09
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