As luzes da cidade se apagavam atrás do carro preto que cruzava a estrada sinuosa. Isabella mantinha os olhos fixos na janela, o coração apertado. Adriano, antes seu porto seguro, agora era um estranho. Silencioso, frio. A sensação de alívio que sentira ao fugir da mansão de Nério evaporava a cada quilômetro.
— Adriano... pra onde estamos indo? — ela perguntou, tentando disfarçar o medo.
— Um lugar onde ele não vai te encontrar — respondeu seco, sem desviar os olhos da estrada.
— Ele quem?
— Nério. Você está longe de imaginar o tipo de homem que ele é.
Ela franziu a testa. Algo na voz dele não soava como preocupação. Era posse. Controle.
— E quem é você, Adriano? — arriscou, virando-se para ele.
Adriano deu um leve sorriso, mas seus olhos estavam frios.
— Alguém que sempre soube jogar melhor que Nério.
O carro parou numa chácara afastada, envolta por árvores e silêncio. O cenário era mais assustador que a mansão onde Isabella estivera presa. Adriano saiu e abriu a porta para ela.
— Desça.
— Eu quero saber o que está acontecendo! — ela recuou no banco.
— Nério precisava de uma noiva pra herdar a liderança da máfia. Uma mulher sem laços, sem poder, fácil de controlar. Você era perfeita.
— Como assim...? Você me tirou de lá pra me proteger. Não foi?
Adriano riu.
— Que doce ilusão. Eu te tirei de lá porque cansei de ser sombra. Se ele não casar com você, perde o trono. E eu assumo.
Isabella empalideceu. Tinha fugido de um cativeiro para cair em outro.
Antes que pudesse gritar, faróis cortaram a escuridão. Um carro preto surgiu. Nério saiu de dentro como uma tempestade, os olhos chamejando de ódio.
— Solta ela, Adriano!
Adriano puxou Isabella para junto de si e sacou uma arma.
— Um passo a mais, e ela morre!
— Covarde... — murmurou Nério. — Sempre foi.
— E você sempre foi o protegido! O queridinho da máfia brasileira! Só herdou o cargo porque nasceu com o sobrenome certo!
Nério cerrou os punhos, mas manteve a calma.
— Você tá jogando sujo.
— E você não? Vai me dizer que sequestrar uma moça inocente pra garantir um trono é justo?
Nério não respondeu. Seu olhar caiu sobre Isabella, que tremia nos braços do traidor.
— Eu nunca quis isso pra você — disse, baixo. — Nunca quis te arrastar pra esse mundo.
— E por que me escolheu? — perguntou ela, com a voz embargada.
Ele hesitou.
— Porque eu não podia ter quem eu realmente queria.
Silêncio.
— Cristina — completou, quase como uma confissão. — Ela é filha do Dom francês. Um amor proibido entre duas máfias rivais. Se eu me casasse com ela, daria início a uma guerra.
Isabella sentiu o peito apertar. Era só uma peça no tabuleiro. Um substituto.
— E eu? O que sou?
— Uma saída. Um acordo. Mas não imagine que isso me dá o direito de permitir que outro homem toque em você.
Num movimento rápido, Isabella mordeu o braço de Adriano e se soltou. Nério correu e a puxou para trás de si, enquanto os dois homens lutavam. A arma caiu. Nério foi mais ágil. Dominou Adriano no chão e sussurrou:
— Você cavou sua própria cova.
Minutos depois, seguranças armados chegaram. Adriano foi rendido e levado, gritando.
— Isso não vai ficar assim, Nério! Um dia vão ver quem você realmente é!
O silêncio caiu.
Isabella, ainda trêmula, encarava o homem à sua frente. Nério limpou o sangue do canto da boca e a olhou de volta.
— Está ferida?
Ela negou com a cabeça, embora o coração doesse.
— Então por que voltou por mim? — sussurrou.
— Porque, mesmo sem te amar... eu não suportaria ver você machucada. Eu já perdi Cristina. Não vou perder mais ninguém por minha culpa.
Ela sentiu um arrepio. Pela primeira vez, não viu o monstro que a comprou. Viu um homem dividido entre o passado e algo novo.
Talvez ele ainda não soubesse... mas algo dentro dele já começava a mudar.
A estrada de volta foi silenciosa. Isabella se encolheu no banco do carro, tentando absorver tudo o que tinha acabado de acontecer. A traição de Adriano ainda ecoava em sua mente, como uma faca cravada em suas costas. Do outro lado, Nério dirigia em silêncio, os olhos fixos na estrada, a mandíbula cerrada.
— Então... Cristina — ela disse, sem conseguir conter a amargura na voz. — Você estava apaixonado por outra. E mesmo assim me comprou.
Nério respirou fundo, mas não desviou o olhar da estrada.
— Não é tão simples.
— Parece bem simples pra mim. Você não podia ter a mulher que amava, então arrumou uma substituta.
— Você não é uma substituta.
— Não? — Ela soltou uma risada seca. — Então o que sou, Nério?
Ele finalmente a encarou por um instante. Nos olhos dele, havia cansaço... e algo mais. Um peso antigo, que parecia esmagá-lo por dentro.
— Quando eu vi você pela primeira vez, naquela agência de modelos, achei que era só uma solução. Mas você... você me confundiu.
— Confundi? — ela repetiu, num sussurro.
— Você é diferente de tudo o que eu conheci. Te trouxe pra perto por necessidade, sim. Mas manter você por perto... não foi por isso.
Isabella virou o rosto, os olhos marejados. Estava farta de promessas partidas, de verdades pela metade.
O carro parou diante da mansão. Nério saiu primeiro e deu a volta para abrir a porta. Ela hesitou por um segundo, depois desceu. O ar da noite estava frio, e ela sentiu um arrepio. Nério notou.
— Vou pedir que preparem um quarto novo pra você. Mais arejado. Com janela.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— Agora quer me tratar bem?
— Eu devia ter feito isso desde o início.
Os olhos de Isabella se fixaram nos dele. Por trás da postura dura, ela enxergava as rachaduras. Não sabia se era real, mas pela primeira vez, queria acreditar.
Foram recebidos por Carla, a governanta, que observou Isabella com um misto de surpresa e alívio. Nério deu instruções rápidas e subiu para o segundo andar. Isabella foi levada para um quarto espaçoso, com uma grande janela de vidro que dava para o jardim. As cortinas balançavam com o vento, e o cheiro de lavanda preenchia o ambiente.
Ela sentou-se na cama, os pensamentos em turbilhão.
Nério. Cristina. Adriano.
Como tudo tinha se transformado tão rápido?
Horas se passaram. Ela não conseguia dormir. Levantou-se e caminhou até a varanda do quarto. O jardim estava iluminado por postes baixos. Ao longe, ela viu Nério, sozinho, sentado num banco de pedra, um copo na mão. Parecia derrotado.
Movida por um impulso, Isabella desceu as escadas em silêncio e atravessou o jardim. Quando se aproximou, ele não se virou.
— Não consegue dormir? — ele perguntou, como se soubesse que era ela.
— Não.
— Eu também não.
Ela sentou-se ao lado dele, mantendo certa distância. Ficaram alguns segundos em silêncio, até que Isabella falou:
— Me diz... por que Cristina?
Ele sorriu, amargo.
— Ela foi o meu primeiro amor. Crescemos juntos, mesmo de longe. Toda vez que havia uma negociação com a máfia francesa, eu dava um jeito de vê-la. Ela era corajosa, inteligente... e filha do nosso maior inimigo.
— Nunca pensaram em fugir?
— E abandonar tudo? Minha família? Meu legado? — Ele riu, sem humor. — Não tínhamos esse luxo. Nossos nomes sempre falaram mais alto que nossos desejos.
— E agora?
— Ela se casou com outro. Um aliado político. Uma união estratégica.
— E você ficou com o trono... e uma garota ingênua que sonhava em ser modelo.
— Eu sei que não posso pedir perdão.
— Não, não pode.
Isabella o encarou. Por mais que quisesse odiá-lo, não conseguia. Havia algo quebrado em Nério... e essa ferida o tornava mais humano.
— Você ainda ama Cristina?
— Sim. — Ele respondeu sem hesitar. Mas depois acrescentou: — Só que hoje... esse amor parece muito distante. Como uma lembrança de outra vida.
Isabella olhou para o céu. As estrelas estavam escondidas pelas nuvens.
— Então talvez haja espaço pra algo novo — murmurou.
Nério a olhou, surpreso. Ela se levantou e voltou para dentro, deixando-o sozinho.
Naquela noite, ele não dormiu. Pela primeira vez em anos, não pensava em Cristina. Pensava nos olhos castanhos que o desafiaram desde o começo. Na coragem de Isabella. E se perguntou: o que seria mais perigoso... perder o poder ou se permitir amar de novo?
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Atualizado até capítulo 31
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