Capítulo 2 A promessa do silêncio

O salão era repleto de luzes e sorrisos ensaiados. Um perfume doce e enjoativo pairava no ar, misturado ao cheiro de dinheiro e poder. Isabella sentia-se fora de lugar, como se estivesse vestindo uma fantasia que não lhe pertencia. O vestido preto colado ao corpo e o salto alto faziam-na parecer confiante, mas por dentro, cada passo era como caminhar sobre cacos de vidro.

Ela observava tudo com olhos atentos. Cada rosto, cada gesto. Sabia que estava sendo testada. Nério não faria tudo aquilo à toa. Ele a expunha de propósito, como se quisesse moldá-la diante daqueles homens. O olhar dele, distante e calculista, a observava de longe — como um domador examinando uma fera prestes a ser domada.

Mas Isabella não era fácil de quebrar.

No canto do salão, o homem de olhar sereno ainda a observava. Seus olhos não a despiam como os outros. Havia algo de diferente neles. Algo inquietante, mas ao mesmo tempo... seguro. Ela desviou o olhar, tentando não chamar atenção. Não podia confiar em ninguém. E ainda assim, aquele estranho fez seu coração bater num compasso diferente.

Marta, sempre firme e direta, a conduzia de um grupo a outro, apresentando Isabella como "a nova aquisição de Nério". As palavras eram ditas com naturalidade, como se ela fosse um objeto caro em exposição. Isabella sorria, apertava mãos, fingia. Aprendeu rapidamente o jogo da aparência.

— Mantenha o sorriso. Sempre — sussurrou Marta, apertando-lhe o braço.

Por dentro, Isabella gritava.

Horas se passaram até que ela foi levada para uma área mais reservada, uma varanda envidraçada com vista para o skyline da cidade. A noite estava clara, e o brilho da cidade a fazia lembrar de tudo que perdera: liberdade, inocência, segurança.

Ela se encostou na grade, respirando fundo. Precisava manter a mente firme. Não era hora para desespero. Ainda podia escapar. Precisava apenas do momento certo.

— Não gosta de festas?

A voz a pegou de surpresa. Virou-se rapidamente. Era ele. O homem do olhar sereno.

— Não estou exatamente em uma festa — respondeu, seca, mas sem conseguir esconder a curiosidade.

— Entendo. — Ele deu um passo mais perto. — Não parece feliz em estar aqui.

— Por que diz isso?

— Porque sei reconhecer quando alguém está em silêncio por dentro. E você está gritando.

Isabella engoliu seco. Quem era ele?

— Me desculpe, mas eu não deveria estar conversando com você.

— Meu nome é Adriano — disse ele, estendendo a mão. — E você?

Ela hesitou por alguns segundos.

— Isabella.

— Um nome bonito para alguém que não sabe a força que carrega nos olhos.

Ela desviou o olhar, desconfiada.

— Você trabalha com Nério?

— Já trabalhei. Hoje... não mais. Mas continuo preso a este mundo, de certa forma.

— Então sabe quem ele é.

— Todos sabem.

O silêncio se instalou entre os dois. Isabella sentia algo diferente na presença dele. Era como se, por alguns segundos, ela não estivesse em uma prisão, mas em algum lugar seguro.

— Você quer fugir, não quer? — ele perguntou, em voz baixa.

Ela arregalou os olhos.

— O que você está dizendo?

— Eu vi. Seus olhos estão procurando saídas desde que entrou. Você está procurando uma chance.

— E se estiver?

— Estou dizendo que... talvez eu possa te ajudar.

Ela recuou um passo, desconfiada.

— Por que faria isso?

— Porque eu já fui preso nesse mundo também. Já perdi alguém que amava por não agir a tempo.

Isabella o encarou, tentando ler a verdade em seus olhos. Ele parecia sincero. Parecia... real. Mas ela não podia se dar ao luxo de confiar.

Antes que pudesse responder, Marta surgiu, cortando o momento.

— Isabella! — chamou, com rispidez. — Está na hora de ir.

Isabella lançou um último olhar para Adriano. Ele apenas assentiu com um leve movimento de cabeça, como quem dizia: “nos vemos de novo”.

O caminho de volta foi silencioso. No carro, Nério a observava pelo retrovisor. Seu olhar era como uma lâmina afiada, cortando qualquer tentativa de esconder emoções.

— Se divertiu? — ele perguntou.

— Se é assim que você se diverte, então não — respondeu com coragem.

Ele sorriu de lado.

— Vai aprender. É questão de tempo.

— Você não pode me obrigar a ser o que eu não sou.

— Mas posso moldar você até esquecer quem era.

Isabella sentiu um calafrio percorrer a espinha. Nério não precisava gritar para ameaçar. Sua calma era mais cruel que qualquer fúria.

Ao chegarem no apartamento, Isabella foi direto para o quarto. Trancada novamente, sentou-se na cama com o coração acelerado. Adriano podia ser sua chance. Mas e se fosse uma armadilha? E se fosse apenas mais uma jogada de Nério?

Naquela madrugada, quase não dormiu. Em sua mente, planejava rotas de fuga, ensaiava diálogos, imaginava a vida do lado de fora. Precisava ser forte. Precisava resistir.

No dia seguinte, foi levada a uma reunião com outros “novos rostos” que Nério treinava. O ambiente era sufocante. Isabella ouvia histórias de outras garotas: algumas já haviam desistido de lutar, outras estavam quebradas demais para tentar.

Mas havia uma, chamada Lorena, que lhe chamou atenção. Uma moça de olhar firme, pele morena, cabelos cacheados até os ombros.

Durante um intervalo, Lorena se aproximou.

— Primeira vez? — perguntou, em tom baixo.

— Sim — respondeu Isabella, cautelosa.

— Vai querer fugir. Todas querem.

— E você?

— Já tentei. E quase morri. Eles sempre acham a gente. Sempre.

Isabella sentiu um nó na garganta.

— Então... o que faz aqui?

— Espero o momento certo. E quando chegar, não vou olhar pra trás.

A conversa foi interrompida por Rubens, que ordenou que voltassem. Mas aquele breve diálogo acendeu algo em Isabella. Ela não estava sozinha. Existiam outras como ela. E talvez... juntas, tivessem alguma chance.

Mais tarde, ao final do dia, Isabella foi surpreendida por um bilhete deixado discretamente entre as páginas de um livro em sua cômoda.

“Se ainda quiser sair, encontre-me amanhã às 23h, na garagem. Não conte a ninguém. – A”

O coração disparou. Adriano.

Ela sentiu o medo apertar o peito, mas também algo novo: esperança.

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Na noite seguinte, Isabella fingiu estar doente. Recusou o jantar, deitou-se cedo e esperou que tudo ficasse em silêncio. Quando o relógio marcou 22h45, ela se levantou devagar. O prédio estava quieto. Vestiu-se com roupas simples, prendeu o cabelo e pegou a única coisa de valor que ainda carregava: um pingente de sua avó.

Saiu sem fazer barulho, descendo pelas escadas de serviço. Cada degrau parecia um desafio. A qualquer momento, alguém poderia vê-la. Mas a coragem era maior que o medo.

Ao chegar na garagem, o coração quase saltou do peito. Estava escuro, com poucos carros estacionados. Por um instante, pensou que fosse uma armadilha.

Mas então, uma porta se abriu.

— Isabella — chamou Adriano, surgindo da sombra. — Vem comigo. Agora.

Ela correu até ele, sem pensar. Subiram em um carro comum, sem luxo. Ele acelerou, saindo do prédio sem chamar atenção. Isabella olhou pela janela, sentindo as lágrimas escorrerem.

Estava fugindo. Pela primeira vez, sentia-se viva novamente.

Mas ela não sabia que Nério já havia percebido sua ausência.

E que essa fuga... teria um preço alto demais.

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