Lucy nunca se considerou alguém paranoica. Sempre foi racional, pé no chão. Mas, desde a ligação estranha da semana anterior, algo dentro dela não sossegava. Era como se os cantos do seu mundo, antes tão bem desenhados, começassem a borrar.
Naquela noite, decidiu dormir mais cedo. Apagou as luzes, colocou uma playlist tranquila no celular e se deitou, enrolada no cobertor favorito.
Por volta das duas da manhã, acordou assustada com um barulho vindo do corredor. Um rangido longo. Como se alguém tivesse empurrado algo contra o chão.
Ela prendeu a respiração e se sentou na cama. Silêncio.
Pegou o celular. Nada de mensagens, nenhuma chamada. Levantou-se devagar e foi até a porta do apartamento. Olhou pelo olho mágico. O corredor estava vazio.
Mas havia algo diferente. A porta de Alex estava entreaberta.
Lucy hesitou. “Não é da sua conta”, pensou. Mas outra parte dela dizia o contrário.
Ela abriu a própria porta com cuidado e caminhou até a de Alex. Bateu duas vezes.
— Alex?
Nada.
Mais uma batida.
— Tá tudo bem aí?
Ainda nenhum sinal. O som de um rádio ligado vinha de dentro. Ela empurrou levemente a porta.
— Alex?
O apartamento estava escuro, apenas a luz azulada do monitor iluminando parte da sala. Papéis espalhados pela mesa, câmeras, lentes, fotos reveladas jogadas no chão. Um verdadeiro caos organizado.
Lucy deu um passo tímido para dentro.
— Alex, se você estiver aí, fala alguma coisa. Ou eu vou gritar.
Ela se aproximou da sala. Foi quando ouviu a voz dele, vinda do quarto:
— Lucy?
Ela suspirou, aliviada.
— Você tá bem?
Ele apareceu na porta do quarto, com o cabelo bagunçado e os olhos semicerrados.
— Tive um pesadelo — disse, coçando a nuca. — Acho que levantei e deixei a porta aberta sem perceber.
— Que tipo de pesadelo?
— Aqueles que parecem mais reais do que deveriam. — Ele fez uma pausa e apontou para o sofá. — Quer um café?
Ela hesitou.
— São duas e meia da manhã.
— Melhor hora pra conversa honesta.
Lucy sorriu e se sentou.
Enquanto ele preparava o café, ela observava as fotos em cima da mesa. Algumas eram de lugares que ela não reconhecia. Outras... pareciam antigas. Mas uma, em especial, chamou sua atenção.
Era uma foto dela.
Parada na janela, olhando para fora, sem perceber que estava sendo observada. A luz do pôr do sol iluminava seu rosto.
— Você tirou essa foto de mim?
Alex colocou as xícaras na mesa e parou ao lado dela.
— Foi num final de tarde. Achei bonita a forma como você olhava a rua. Parecia... longe daqui.
Lucy ficou em silêncio, encarando a própria imagem. Sentiu-se exposta, mas também tocada. Nunca alguém a tinha enxergado daquele jeito. Não por fora. Por dentro.
— Você vive me chamando de maluca, mas parece mais obcecado do que eu imaginava — disse, tentando brincar.
— Se eu fosse obcecado, teria te beijado na noite da pizza — ele respondeu, direto.
Ela o encarou, surpresa.
— Por que não fez isso?
— Porque você ainda estava fugindo. E eu nunca corro atrás de quem corre de mim.
Lucy respirou fundo. Sentiu-se nua diante dele. Não fisicamente, mas emocionalmente. E isso a assustava mais do que qualquer outra coisa.
— E agora?
— Agora você está aqui. E isso já é um começo.
O silêncio se estendeu por alguns segundos. Então ela tomou um gole do café, desviando o olhar. Mas o coração batia rápido, como se já soubesse que estava cruzando uma linha invisível.
**
Nos dias seguintes, a convivência deles mudou. Tornou-se mais sutil, quase imperceptível. Alex deixava uma caneca de café na porta dela de manhã. Lucy retribuía com muffins improvisados. As mensagens começaram a surgir. Primeiro sobre assuntos triviais. Depois, mais pessoais.
Mas enquanto algo florescia entre eles, o mundo ao redor parecia querer desmoronar.
Lucy recebeu outra ligação.
Dessa vez, com uma voz.
— Curiosa como sempre, Lucy. Cuidado com o que anda vendo.
Ela congelou.
— Quem é você? Como sabe meu nome?
A ligação caiu. O número, mais uma vez, era oculto.
Lucy sentiu um frio na espinha. Pegou o celular e, antes de pensar duas vezes, ligou para Alex.
Ele atendeu no segundo toque.
— Aconteceu de novo? — perguntou ele, direto.
— Sim. E dessa vez... ele sabia meu nome.
— Tô indo aí.
Dois minutos depois, Alex estava na porta com a expressão fechada. Ela mostrou o histórico de chamadas. Ele pegou o celular dela e analisou.
— Isso não é trote. Alguém tá te vigiando.
— Mas por quê? Eu não sou ninguém.
Ele a encarou por um instante. Depois se aproximou da janela e fechou a cortina.
— Você... alguma vez já viu ou ouviu algo que não deveria? Tipo, algo suspeito, perto daqui?
Lucy pensou. E então, uma lembrança lhe veio.
— Tem um apartamento no fim do corredor, o 308. Está sempre fechado. Mas há algumas semanas, ouvi vozes lá dentro, mesmo sabendo que está desocupado há meses.
— O que ouviu?
— Homens discutindo. Palavras como "entrega", "carregamento", "prazo"... Soou estranho. Mas não pensei muito na época.
Alex suspirou. Sentou-se no sofá, parecendo juntar peças invisíveis.
— Há dois anos, fiz um trabalho de fotografia para um jornalista investigativo. Era sobre uma rede de transporte ilegal de arte roubada. O material sumiu, o jornalista sofreu um “acidente”, e eu fui ameaçado.
Lucy arregalou os olhos.
— E você nunca contou isso pra ninguém?
— Tentei esquecer. Mas agora... acho que você acabou entrando no radar deles por estar perto demais.
— Por estar perto de você? — ela perguntou, com um nó na garganta.
Alex não respondeu de imediato.
— Talvez. Ou talvez por ter ouvido algo que confirma que eles ainda estão ativos.
Lucy se levantou e começou a andar pelo apartamento, inquieta.
— Isso é sério demais. Não posso simplesmente ignorar isso.
— E não vai. Vamos descobrir quem está por trás disso — disse ele, se levantando também.
Ela o encarou.
— “Vamos”?
— É. Agora você não está sozinha nisso.
Foi naquele momento que ela percebeu que algo maior os unia. Não só a tensão, o desejo, a convivência. Mas algo mais profundo. Uma conexão que surgiu no meio do caos.
Ela se aproximou, parando a poucos centímetros dele.
— Alex...
— Eu sei — disse ele, antes que ela completasse.
E então, como se o tempo tivesse esperado só por aquilo, ele a puxou pela cintura e a beijou.
Não foi um beijo apressado. Nem suave demais. Foi intenso, quente, cheio de tudo o que haviam calado durante dias, meses... talvez anos. Quando se afastaram, os olhos dela estavam brilhando.
— Isso foi... perigoso — sussurrou ela.
— O melhor tipo de perigo — ele respondeu.
E naquele instante, com o coração acelerado e o mundo desmoronando ao redor, Lucy soube: ela já estava envolvida demais.
E não era só com Alex.
Era com a verdade que estava prestes a ser revelada.
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Atualizado até capítulo 41
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