O Amor Mora Ao Lado

O Amor Mora Ao Lado

Gritos, Batidas e Olhares

Era a terceira vez naquela semana que Lucy batia com força na parede.

— Alex, pelo amor de Deus! Abaixa essa porcaria de som! — gritou, mesmo sabendo que ele provavelmente estava rindo do outro lado da parede.

Lucy segurou a caneca de café com força, tentando não jogá-la na parede do quarto. Era sempre assim: ela precisava acordar cedo para trabalhar, e ele, como um adolescente rebelde de quase trinta anos, achava que a madrugada era o momento ideal para ouvir rock no volume máximo.

Ela morava ali há quase um ano. Um prédio antigo, de três andares, em uma rua tranquila, onde todo mundo parecia viver em paz... exceto ela e Alex.

Ele morava no apartamento ao lado desde sempre, segundo a síndica fofoqueira do prédio, Dona Ilza. Era fotógrafo freelancer — ou seja, passava mais tempo em casa do que fora. E Lucy, designer gráfica em uma editora de livros, tentava equilibrar prazos apertados com noites mal dormidas, graças ao vizinho barulhento, irritante, desrespeitoso… e absurdamente bonito. Infelizmente.

Ela bufou quando a música diminuiu. Não parou, claro. Apenas baixou um pouco o volume. Só o suficiente para ele não ser multado. Ele era mestre em andar na linha da provocação.

Lucy decidiu que estava na hora de resolver aquilo cara a cara. Vestiu um moletom velho por cima da camisola de algodão, prendeu o cabelo em um coque frouxo e foi até a porta.

Três batidas firmes.

Nada.

Mais duas.

Então a porta se abriu.

Alex estava com o cabelo bagunçado, uma camiseta preta justa e aquele maldito sorriso de canto que fazia qualquer argumento se perder.

— Boa noite, vizinha. A senhorita veio me dar uma bronca pessoalmente hoje? — disse, encostando o ombro no batente da porta, como se estivesse posando para uma foto de catálogo.

Lucy cruzou os braços.

— São duas da manhã. Tem gente aqui que trabalha, Alex.

— E tem gente aqui que vive — retrucou ele, com aquele tom irônico que fazia o sangue dela ferver.

— Viver não inclui enlouquecer os outros.

— Eu diria que você anda enlouquecida há tempos, Lucy.

Ela respirou fundo.

— Abaixe essa música. Ou da próxima vez, chamo a polícia.

— Ah, isso seria divertido.

Ela encarou ele com raiva.

— E você é insuportável.

— E você é linda quando está irritada.

Lucy ficou em silêncio por dois segundos. Não pela cantada barata, mas porque, naquele momento, por alguma razão inexplicável, ela sentiu. Uma fisgada no peito. Um calor estranho. Algo que não queria — ou não podia — sentir.

Sem dizer mais nada, virou as costas e entrou no próprio apartamento, batendo a porta com força.

**

Na manhã seguinte, Lucy acordou atrasada e com olheiras. Na pressa de sair, esbarrou na porta do elevador bem na hora em que ele abria.

— Cuidado, vizinha. Tá perigosa demais hoje — disse Alex, saindo com uma câmera pendurada no pescoço e um café na mão.

— Você devia se preocupar mais com o volume da sua música e menos com o meu humor — respondeu ela, apertando o botão do térreo.

Ele sorriu. Ela entrou. Ele segurou a porta.

— Eu estava pensando…

— Isso me preocupa — murmurou ela.

— ...a gente podia tentar um armistício. Trégua. Sabe, vizinhos civilizados.

Ela arqueou a sobrancelha.

— Você não sabe o que essa palavra significa.

— Claro que sei. E, na boa, eu não te odeio, Lucy. Acho divertido provocar você, só isso.

Ela olhou para ele, séria. Os olhos verdes dele estavam fixos nos dela, sem ironia. E, pela primeira vez, ela não viu o idiota provocador de sempre. Viu um homem... de verdade. Alguém que escondia muito mais do que deixava transparecer.

— Trégua, então? — perguntou, tentando manter o tom neutro.

— Trégua — ele confirmou, estendendo a mão.

Ela hesitou por um segundo, depois apertou. A mão dele era quente, firme. O toque durou mais que o necessário. E quando ela soltou, havia um leve tremor em seus dedos.

O elevador chegou ao térreo. Ela saiu antes que dissesse qualquer coisa que pudesse arruinar o pouco de paz que acabaram de negociar.

**

Naquela tarde, Lucy estava concentrada no layout de uma capa quando recebeu uma ligação anônima. Ao atender, ninguém respondeu. Só o som de uma respiração. Fria. Lenta. Quase... ameaçadora.

— Alô? Quem está aí?

Nada. Só o silêncio.

— Isso não tem graça — disse ela, nervosa, desligando em seguida.

Ela tentou se convencer de que era apenas um trote. Talvez alguém discando errado. Mas o número não apareceu. Sem identificação. E isso a deixou inquieta.

Naquela noite, ela fechou bem as janelas, trancou a porta com duas voltas e ficou encarando o celular por minutos. Nenhuma nova ligação.

Estava prestes a se deitar quando ouviu uma batida na porta. Seu coração acelerou.

Mais uma batida.

Ela foi até o olho mágico. Alex.

Abriu, confusa.

— Tá tudo bem? — ele perguntou.

— Por quê?

— Eu... ouvi seu telefone tocando. Duas vezes. E depois vi a luz do seu quarto acender e apagar várias vezes. Achei estranho.

Lucy franziu o cenho. Ela não tinha percebido. Estava tão focada na ligação esquisita que nem notou.

— Foi só um trote. Número desconhecido. Nada demais.

Alex olhou para ela com uma expressão séria. Pela primeira vez desde que se conheciam, ele parecia preocupado.

— Tem certeza? Se precisar de qualquer coisa...

— Eu sei. Obrigada.

Ele ficou ali por mais um segundo, como se quisesse dizer algo mais. Mas apenas assentiu e se virou para voltar.

— Alex?

Ele se virou.

— Obrigada... por se importar.

Ele sorriu, mas era um sorriso diferente. Menos provocador. Mais... verdadeiro.

**

Na semana seguinte, a trégua se manteve. Nada de músicas altas. Nada de provocações. Eles se cruzavam no corredor, trocavam comentários leves. Às vezes, sorriam sem perceber.

Certa noite, Lucy chegou mais tarde do trabalho, carregando uma sacola de livros e uma pizza. Ao passar pelo corredor, Alex saiu do apartamento exatamente no mesmo instante.

— Pizza? — ele perguntou.

— Livros — ela respondeu, levantando a outra sacola.

— Combinação perfeita.

Ela riu, cansada.

— Quer ajuda com isso? — perguntou ele, apontando para os livros.

Ela hesitou, mas acabou assentindo. Ele pegou a sacola e a seguiu até o apartamento.

— Pode deixar na mesa.

Ele fez isso, olhando ao redor como se nunca tivesse imaginado o interior do apartamento da vizinha “doida”. Estava limpo, organizado, com pilhas de livros e velas aromáticas espalhadas.

— É bem... sua cara — comentou.

— Bagunçado?

— Aconchegante.

Lucy abriu a pizza e ofereceu um pedaço. Ele aceitou. Sentaram-se no sofá. Era estranho, mas confortável. Como se aquele momento já tivesse acontecido antes, em outra vida.

— Então, por que fotografia? — ela perguntou.

— Porque é a única forma de congelar a verdade por um segundo. Mesmo que depois ela desapareça.

Lucy ficou em silêncio. Aquilo não era uma resposta esperada. Era profunda. Sincera.

— E você? Por que livros?

— Porque eles me salvam todos os dias — disse ela, sem pensar.

— Do quê?

Ela sorriu, mas seus olhos diziam outra coisa.

— De mim mesma.

Por um instante, os dois ficaram em silêncio. O som da cidade ao longe, o cheiro da pizza fria, e dois corações batendo mais rápido do que deveriam.

Alex a olhou. De verdade. Como se quisesse decifrar cada camada dela. Lucy desviou o olhar. Não estava pronta para ser lida.

Mas naquele instante, ambos sabiam: algo havia mudado.

Não eram mais apenas vizinhos irritados. Nem apenas rivais de porta de apartamento.

E por mais que tentassem negar... o amor começava a morar ali também.

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