continuação
Por dentro, uma voz gritava que era absurdo, que aquilo estava errado. Mas havia outra — mais baixa, mais perigosa — que sussurrava: ela te olhou diferente.
Laura saiu do provador, tentando manter a compostura. Bianca, por sua vez, ajeitou uma alça do vestido no ombro dela, com a ponta dos dedos. Foi um toque leve, quase técnico, quase inevitável… mas que fez Laura prender a respiração.
— Você devia usar mais roupas assim — disse Bianca, em tom casual, mas os olhos denunciavam outra coisa.
Laura mordeu o lábio, desviando o olhar.
— Não faz muito meu estilo.
— Talvez só esteja esperando o momento certo pra descobrir qual é.
Elas ficaram em silêncio por um segundo. Um segundo longo demais.
Então Bianca se afastou, voltando a pendurar os vestidos com naturalidade forçada.
— Se quiser, pode ficar com esse — falou, virando de costas. — Acho que combina com você.
Laura hesitou.
— Não precisa…
— Quero que fique. É um presente.
Laura concordou com um aceno mudo, sem saber como recusar sem parecer ingrata. E sem saber como aceitar sem parecer envolvida demais.
Enquanto voltavam para dentro da casa, a distância entre elas parecia ter mudado. Nada havia acontecido, e ainda assim, tudo havia mudado.
de noite, Laura demorou a dormir.
No escuro do quarto luxuoso, deitada em lençóis caros, ela fechava os olhos e via o reflexo no espelho. O vestido. O olhar. O toque.
E o mais perturbador era saber que não se tratava só de desejo.
Era algo que a fazia querer mais.
Mesmo sabendo que isso podia destruir tudo.
Mesmo sabendo que ela era a mulher do seu pai.
Acordar naquela casa era como despertar dentro de um quadro bonito demais para ser real. O sol entrava pelas janelas enormes, refletindo em cortinas de linho branco, em móveis minimalistas e silenciosos. Mas dentro de Laura, havia um ruído constante. Um incômodo quase invisível. Quase.
Ela tomou banho demorado, tentando lavar a lembrança do espelho, do toque de Bianca em sua pele, da sensação que ficou. Mas aquilo não saía. Grudava nela como perfume forte.
Desceu para o café com o cabelo ainda úmido, vestindo uma camiseta larga e um short jeans que deixava as pernas à mostra. Quando chegou à cozinha, Bianca já estava lá, de costas, fritando ovos em uma frigideira.
Estava descalça, usando apenas uma camisola de cetim clara. O cabelo preso em um coque bagunçado. Laura travou na porta por um instante, sem querer — ou talvez querendo demais — observar a cena. Havia algo cruel na beleza de Bianca. Não era só aparência. Era o jeito como se movia. Como olhava. Como parecia saber o efeito que causava e, ainda assim, fingia não notar.
— Bom dia — disse Bianca, sem se virar, como se tivesse sentido o olhar de Laura.
— Bom dia — respondeu ela, com a voz mais baixa do que gostaria.
Sentou-se no balcão da cozinha, tentando parecer natural. Bianca virou-se e sorriu. Um sorriso leve, íntimo, como quem compartilha um segredo.
— Dormiu bem?
— Mais ou menos — respondeu Laura, mexendo na borda do copo de suco. — E você?
— Sonhei com uma garota bonita no espelho.
Laura corou antes de conseguir se conter. Bianca riu e serviu os ovos.
— Brincadeira… ou não.
Sentaram-se para comer. O silêncio entre elas agora era diferente. Não era mais constrangido — era denso, carregado, quase palpável.
Depois do café, Bianca sugeriu irem à piscina. Laura hesitou, mas acabou aceitando. A ideia de ficar perto dela em trajes de banho a deixava inquieta, mas recusaria o quê? E por quê? Tinha medo da resposta.
Colocou um biquíni preto e simples, por baixo de um vestido leve. Quando saiu, encontrou Bianca estendida na espreguiçadeira, óculos escuros no rosto e um livro aberto sobre o colo. O corpo dela brilhava sob o sol, e Laura quis desviar o olhar — mas não conseguiu.
— Vem nadar? — convidou Bianca, tirando os óculos.
Laura assentiu. Mergulhou sem dizer nada. A água gelada ajudou a acalmar os pensamentos — por alguns minutos. Depois, Bianca mergulhou também. E tudo voltou.
Nadaram, riram, conversaram como duas amigas. Como quase mãe e enteada. Como duas mulheres. Mas havia momentos em que a conversa morria e os olhares se estendiam. Demais.
Em um deles, já fora da piscina, sentadas lado a lado, Bianca passou protetor solar nas próprias pernas e, ao perceber Laura enrubescida, ofereceu:
— Quer que eu passe em você?
Laura hesitou. Seu corpo dizia “sim” antes que sua boca dissesse “não”.
— Acho melhor não.
— Tá bom
O tempo parecia se arrastar naquela manhã que derrepente ficou chuvosa. A cidade ao redor da casa desaparecia sob a neblina e o som insistente da chuva nos vidros criava um clima quase cinematográfico.
Depois de um almoço tranquilo, feito a quatro mãos na cozinha — com risadas, olhares roubados e dedos que se encostavam mais do que o necessário —, Bianca sugeriu:
— Que tal aproveitarmos essa tarde para ver um filme? A sala de cinema tá implorando pra ser usada, seu pai e eu não temos mais tempo ele trabalha muito e ver sozinah é chato.
Laura sorriu, tentando disfarçar a ansiedade que a acompanhava sempre que estavam sozinhas. Sabia que deveria manter distância, se proteger. Mas também sabia que qualquer desculpa seria fraca demais diante da curiosidade e da vontade que crescia silenciosamente dentro dela.
— Claro. O que você quer assistir?
— Romance? — Bianca sugeriu, meio entusiasmamada meio despreocupada. — Aqueles que fazem a gente chorar e repensar a vida.
Laura deu de ombros, como se fosse indiferente.
— Pode ser.
Foram juntas até a sala de cinema. laura colocou um dos filmes preferidos dela: uma história sensível sobre duas mulheres que se conhecem por acaso, se apaixonam e enfrentam o mundo para ficarem juntas. A escolha pareceu aleatória, mas bianca percebeu o subtexto.
Sentaram-se no sofá largo, no centro da sala. Bianca pegou uma manta e dividiu com ela. As luzes se apagaram e, por um tempo, tudo foi apenas silêncio, som de chuva, e a tela iluminando seus rostos.
Aos poucos, o filme foi se tornando plano de fundo.
Laura sentia o perfume de Bianca como se fosse música. O calor do corpo dela próximo, o leve roçar dos ombros sob a manta. Cada respiração parecia mais alta. Mais consciente.
Na tela, as personagens principais trocavam olhares intensos, como se o mundo inteiro existisse só naquele instante.
E então Laura virou o rosto.
Olhou Bianca.
De verdade.
Não apenas um olhar casual. Mas um daqueles que duram mais do que deveriam. Um olhar que dizia coisas que ela ainda não tinha coragem de colocar em palavras. Um olhar que se demorou demais na boca de Bianca. Depois subiu para os olhos. E ficou ali.
Bianca, que até então estava atenta ao filme, percebeu.
Virou o rosto lentamente, encontrando o olhar de Laura.
Por um momento, o tempo parou.
Havia uma pergunta muda no ar.
Bianca sentiu o estômago revirar. O olhar de Laura... havia algo ali. Desejo? Curiosidade? Ou só carência? Era quase impossível decifrar. Mas era quente. Queimava.
— bianca... — sussurrou, sem saber exatamente por que disse.
— Hm? — a voz dela saiu baixa, quase rouca.
— Tá tudo bem?
Laura desviou o olhar por um segundo, como se tivesse sido pega.
— Tá.
Bianca hesitou. Mordeu o lábio. O coração acelerado.
— A forma como você me olhou agora…
Laura não respondeu. Não sabia o que dizer. Porque a verdade era que nem ela mesma entendia tudo aquilo. Só sabia que, naquele instante, queria se aproximar.
Bianca continuou olhando.
O filme seguia na tela. Mas ali, naquele sofá, havia uma outra história sendo contada. Mais perigosa. Mais íntima.
As mãos delas estavam próximas. Muito próximas. E bastaria um leve movimento para que se tocassem.
Mas ninguém se mexeu.
O silêncio disse tudo.
E o que não foi dito — ficou no ar, entre elas, esperando o momento certo para cair.
A luz suave da tela continuava pintando tons de azul e dourado no rosto das duas. No filme, as personagens principais, depois de muitas idas e vindas, finalmente se entregavam uma à outra.
Era uma cena sensível, bonita — nada vulgar. As mãos se entrelaçavam, os olhares eram lentos, cuidadosos. O beijo demorava a acontecer. Quando enfim acontecia, era como se o mundo parasse para que só aquele momento existisse.
Laura não conseguiu evitar.
Seus lábios se entreabriram sutilmente, como se o corpo reagisse por conta própria. Mordeu o lábio inferior de leve. Sentiu um calor subir pelas bochechas e descer até o ventre.
Tentou ajustar a posição de onde estava sentada, mas no processo, apertou as coxas uma contra a outra, quase sem perceber. Era como se o corpo buscasse aliviar uma tensão que só crescia.
Bianca notou.
Não todo o gesto — mas o suficiente.
Notou o jeito como Laura passou a respirar um pouco mais rápido. Como os olhos dela evitaram a tela, mas também não ousaram encará-la diretamente. E aquele lábio mordido... Deus, aquilo era puro desejo.
Bianca virou lentamente o rosto para Laura, tentando disfarçar a confusão que sentia, e perguntou com delicadeza:
— Você tá mesmo bem?
A voz dela saiu baixa, suave. Mas havia uma pontada de provocação ali — ou talvez fosse apenas o reflexo da própria curiosidade.
Laura piscou rápido, como se despertasse de um transe. Estava claramente desconfortável com o que o próprio corpo revelava.
— Tô eu... — disse, mas a voz saiu fraca, hesitante.
Levantou de repente, como se precisasse fugir de si mesma.
— Eu... vou fazer pipoca. Você quer?
Bianca assentiu devagar, surpresa com a mudança abrupta.
— Quero... — respondeu, mas o olhar permaneceu nela.
Laura saiu da sala apressada, quase tropeçando na manta que caiu do sofá.
Na cozinha, apoiou as mãos no balcão e respirou fundo.
O que você tá fazendo, Laura? — pensou, frustrada. — É só um filme. É só Bianca. Só... a mulher do seu pai
Mas a verdade era que não era "só" nada.
A forma como o corpo dela reagiu, sem permissão, dizia mais do que qualquer pensamento poderia negar.
Na sala, Bianca continuava com os olhos presos na porta por onde Laura tinha saído. O filme ainda corria, mas a verdadeira cena que mexera com ela não estava na tela.
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Atualizado até capítulo 24
Comments
A.Maysa
uau, que história maravilhosa e só está começando
2025-05-23
0
Maria Andrade
estou amando, olha que é só o começo
2025-05-20
1