A Coroa e a Promessa

A Coroa e a Promessa

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Capítulo 1

A Concubina Esquecida

O palácio de Édrith se erguia imponente contra o céu cinzento, feito de torres retorcidas e salões de pedra fria. Os corredores, imensos e silenciosos, pareciam devorar sons e passos, como se até o tempo se curvasse diante da grandeza sombria daquele lugar.

Era entre essas muralhas douradas que Elora existia — não vivia, apenas existia — como uma sombra esquecida.

Seu quarto era pequeno para os padrões reais, ainda assim repleto de luxos inúteis: almofadas bordadas em fios de prata, perfumes que jamais usava, vestidos finos que nunca desfilava diante de olhos atentos. Um quarto de uma princesa silenciosa, trancada dentro de uma vida que não escolhera.

Elora estava sentada junto à janela estreita, os dedos desenhando formas invisíveis no vidro embaçado pela manhã fria.

Lá fora, os jardins do palácio floresciam em cores vibrantes, indiferentes à tristeza que pairava do lado de dentro. Uma brisa suave agitava as cortinas, trazendo o perfume distante das rosas. Era o único abraço que conhecia.

Quando a porta rangeu atrás dela, Elora nem precisou se virar para saber quem era.

Era sempre Lysa, a criada de olhos cansados e passos cuidadosos, aquela que fora encarregada de preparar a concubina esquecida — dia após dia, ano após ano — para um encontro que nunca acontecia.

— Ainda não foi hoje, minha senhora. — A voz de Lysa era um sussurro, carregada de uma pena que Elora fingia não perceber.

Elora sorriu de leve, um sorriso que não alcançou os olhos.

— Eu não esperava que fosse. — respondeu baixinho, com a doçura amarga de quem já aprendera a não esperar nada.

Lysa caminhou até a penteadeira e começou a escovar os longos cabelos de Elora, deslizando os dedos com uma ternura que não combinava com a frieza do palácio.

O silêncio entre elas era confortável, quase como um pacto tácito. O único som era o do vento batendo suavemente contra as janelas, e do fio da escova deslizando pelas mechas douradas.

— O rei... passou pelos jardins hoje. — Lysa disse, depois de um tempo. — Dizem que ele parou para ver as novas flores.

Elora fechou os olhos, como se pudesse imaginar a cena: Caelan, o rei intocável, caminhando entre as rosas vermelhas, o manto pesado arrastando-se pelas pedras brancas.

Ela não ousava perguntar se ele a vira da janela.

Sabia a resposta.

— Ele nunca olha para mim, Lysa. — murmurou, tão baixo que parecia mais um pensamento do que uma fala.

— Talvez ele olhe, só não como você espera. — arriscou a criada, com uma esperança que Elora não conseguia partilhar.

A jovem soltou um suspiro e se levantou. Vestia um robe de veludo azul, simples demais para chamar atenção em meio às outras concubinas, mas rico demais para pertencer a qualquer outra mulher comum.

Aquela roupa era uma metáfora perfeita: algo belo, criado para ser admirado... e ainda assim, ignorado.

Elora caminhou até o espelho, encarando a própria imagem como quem observa uma estranha. Sua pele era clara como o marfim, seus olhos dourados pareciam carregar dentro de si todas as palavras que nunca dissera. Havia uma beleza triste nela — uma beleza que o rei nunca reclamara para si.

— Talvez... — ela disse, mais para si mesma do que para Lysa — se eu desaparecer, eles sequer notarão.

Lysa, atrás dela, largou a escova com força suficiente para que o som ecoasse pelo quarto.

— Não diga isso, minha senhora! — exclamou, quase em súplica. — O destino de uma concubina é difícil, mas a sorte pode mudar. O rei... ele...

Elora virou-se devagar, os olhos dourados fixos na criada.

— O rei sequer sabe meu nome, Lysa. — falou, com uma serenidade que era mais cruel do que raiva. — Sou apenas uma sombra entre as paredes. Uma concubina sem toque, sem olhar... sem voz.

Por um instante, a dor pairou entre elas, espessa como a névoa de inverno.

Do lado de fora, os sinos do palácio dobraram, anunciando o meio-dia. Outro dia em que Elora permaneceria invisível.

Outro dia em que seu coração, ainda que frágil, teimaria em bater.

Enquanto a criada saía em silêncio, Elora voltou à janela.

Lá embaixo, ela avistou o vulto distante do rei, ladeado por conselheiros e guardas.

Ele parecia tão inalcançável quanto o céu.

E ainda assim, sem entender o porquê, Elora sentiu que o fio tênue que a ligava à esperança — embora gasto, embora quase rompido — ainda resistia.

No fundo da alma, uma promessa silenciosa começava a nascer: um dia, ele a veria.

Nem que para isso, ela tivesse que se tornar impossível de ignorar.

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Vanedrigues

Vanedrigues

02/05 começando os trabalhos!!

2025-05-03

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Dulce Gama

Dulce Gama

começando 27/04/25

2025-04-28

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