"Sombra de Vingança: O Prazer da Dor"
Amália não andava. Ela desfilava.
Não porque queria. Era natural. O corpo dela fazia barulho mesmo em silêncio. Cintura fina, pernas longas, barriga reta, olhar de quem já viu coisa demais pra idade que tinha. E era só isso que viam: um corpo. Não uma pessoa.
Na faculdade, não era diferente da escola. Só mudava o palavreado.
— Quem ela pensa que é?
— Deve estar se vendendo pra alguém.
— Com esse corpo aí, duvido que passe sem dar.
As vozes vinham de todos os lados. Mas ela nunca reagia. Nunca olhava. Nunca chorava. Era como se nem tivesse ouvido.
Mas ela ouvia. Ela sempre ouvia.
Só que Amália não era feita pra quebrar.
Gostava do ódio que causava. Da inveja. Do nojo. Dava um certo prazer ver o quanto as pessoas se contorciam só de olhar pra ela.
Ela sabia que era bonita. Mas não era vaidosa. Era fria. Distante. E não pedia desculpas por existir.
Em casa, era pior.
A mãe, uma prostituta velha e cansada, vivia dizendo que Amália "ia acabar igual a ela". Que com um corpo daquele, o mundo só dava uma opção. A filha não respondia. Só observava. Sabia que a mãe já tinha desistido da vida fazia tempo.
O pai? Preso. Pena longa. Homicídio.
— Você devia aproveitar esse corpo — disse o cafetão, encostado no batente da porta, mascando chiclete e encarando a barriga dela. — Conheço umas boates que te pagariam bem. Não ia nem precisar dançar pelada. Só ficar ali... provocando.
Amália olhou pra ele como se olhasse pra uma parede suja. Nenhum sentimento. Nenhuma expressão.
— Tenta me tocar — ela disse, séria. — Mas lembra que eu sou filha de presidiário. Posso ser pior que ele.
O cafetão riu. Mas saiu.
Ela não era fraca.
E nunca seria.
Já apanhou da vida com gosto. Já foi empurrada, cuspida, humilhada. Mas nunca baixou a cabeça. Nunca pediu desculpa. Porque a dor, pra ela, não era castigo. Era combustível.
No fundo, Amália tinha algo que ninguém entendia:
Ela gostava da dor.
Não no sentido romântico. Não como quem quer carinho.
Ela gostava porque era a única coisa que a lembrava que estava viva. E porque a dor deixava todo mundo no mesmo nível. Bonita ou feia, rica ou pobre, todos sangravam igual.
E se ela ia viver nesse mundo podre, então ia ser assim:
Linda. Intocável. Perigosa.
Amália trabalhava numa loja de roupas caras. Dessas que vendem vestido que custam o salário mínimo. Mas ela não vendia. Ela usava. Era modelo da loja. Tirava fotos com as peças no corpo, postava no Instagram da empresa e atraía clientes como abelhas na carne.
O corpo dela era o marketing.
Ela sabia disso. Usavam ela como vitrine. Mas tudo bem. Desde que não tocassem. Desde que soubessem o limite.
Só que o dono da loja não sabia.
Seu Álvaro era um velho seboso, com cabelo oleoso, barriga caída e um hálito que cheirava a cigarro e cafezinho frio. Casado com uma mulher que fingia não ver as traições dele, passava o dia inventando desculpas pra encostar em Amália.
— Precisa de ajuda pra fechar o zíper? — ele perguntava, com um sorriso nojento.
Ela olhava pra ele como quem olha pra um rato morto.
— Toca pra ver — respondia. — E eu vou fazer você dormir de boca aberta no asfalto.
Ele ria, sem graça, e fingia que era piada. Mas ela não sorria. Nem um canto da boca.
Não dava cor. Não dava chance. Não dava entrada.
Amália não tinha interesse em homem nenhum. Nenhum. Nem bonito, nem rico, nem famoso. Ela sabia que todos vinham pela mesma coisa: o corpo. O rosto. A imagem.
E isso, ela já estava acostumada a usar como arma. Não como convite.
Ela não era frágil. Não era indefesa. E, acima de tudo, não era idiota.
— Você é muito bonita pra viver sozinha — ele disse uma vez, encostado na parede do provador, assistindo ela tirar uma foto no espelho.
Ela encarou o reflexo. A cintura fina, o quadril marcado, os olhos frios.
— E você é muito casado pra ser tão idiota.
Saiu de lá sem olhar pra trás.
Ela não era mulher de papo. Era mulher de aviso.
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Atualizado até capítulo 38
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